Alteração da identidade pode ser crime
Questionado sobre o facto de a vaginoplastia deixar implícita a possibilidade de o paciente escolher a opção que mais lhe convinha, entre os dois tipos de órgãos genitais, o jurista José Ramon começou por salientar o facto de a legislação angolana não permitir esse tipo de cirurgia.
O legista defende, igualmente, que, ao ser concretizado tal procedimento médico, foi alterada a identidade do cidadão. Alerta, por isso, a uma ampla discussão em torno da questão, para aferir se o fundamento da intervenção cirúrgica está inserido no âmbito médico ou jurídico.
Caso a essência do caso tenha, sobretudo, dimensão jurídica, referiu, “podese até levantar a possibilidade de ter sido cometido um crime de falsificação de identidade, porque esta (identidade) será alterada, sem se poder fazer a mudança do registo, por questões legais. Mas é um facto que o paciente, de agora em diante, terá outra identidade, diferente da que possuía antes da cirurgia”.
José Ramón admite que a intervenção cirúrgica realizada pelo Hospital de Benguela enquadra-se mais no fundamento médico do que no jurídico. Porém, alerta para os seus contornos de âmbito jurídico, apesar da legislação angolana nada prever sobre este procedimento.
Apesar de a decisão médica ter sido baseada no facto de o paciente apresentar características físicas e órgãos genitais internos femininos, em contraste com os genitais externos masculinos, o jurista salienta que, tendo ele sido registado como indivíduo do sexo masculino, do ponto de vista técnico jurídico, a intervenção cirúrgica não deveria ser permitida. “Por outro lado, sendo o paciente menor, não tem capacidade de assumir a autorização da cirurgia, aos olhos da lei, por estar sob tutela dos seus pais. Para estes, no entanto, a intervenção na esfera jurídica não é absoluta, porque algumas decisões que podem alterar a vida futura do menor não devem ser tomadas de ânimo leve”, esclareceu.
“É preciso que sejam apresentados fundamentos lógicos que se sustentem tanto a nível da medicina como técnicojurídico. Caso se mantivesse como nasceu, não representaria qualquer perigo para a vida do menor. Logo, reputamos de perigosa a intervenção dos pais na alteração da vida do adolescente, porque os contornos futuros podem ser desastrosos”.
Apesar de a legislação angolana não prever nada sobre a questão, o jurista José Ramon adianta que podem ser lançadas, na base desse acontecimento, alertas no sentido de outros ramos da ciência acautelarem situações dessas.
“Não estamos a fazer interpretações ostensivas, mas a elucidar os académicos a pensarem na perspectiva da falsa identidade, uma situação que pode ser discutida, porque este cidadão que trocou ou efectuou uma correcção do seu sexo foi registado como cidadão do sexo masculino”, referiu.
Culpabilização e autorização
Se, por um lado, juristas interpretam esse feito como algo com possíveis consequências futuras para o paciente, tipificando-o mesmo como crime, outros isentam os médicos de qualquer responsabilidade, pela inexistência, em Angola, de legislação que proíba ou autorize a cirurgia.
É o caso do jurista Albano Pedro, que, ouvido pela Rádio França Internacional, refere tratar-se de uma situação para a qual o Código Penal não prevê nenhuma penalidade, uma vez que também não existe qualquer Lei que tenha sido aprovada e que proíba claramente a mudança do sexo.
Apesar disso, o jurista admite que “a pessoa ou o médico que fizer a cirurgia será culpabilizada se não tiver uma autorização expressa e clara do paciente intervencionado”, para a mudança de sexo.
Nessa situação, acrescenta, “não recai qualquer culpa ao médico”, conclui o jurista.