Incursão às memórias do cantor Tony Caetano
A morte, enquanto fenómeno natural de sacralização e celebração religiosa, foi tema recorrente na estrutura textual das canções ao longo da história da Música Popular Angolana
“Pangue iami wafu”, meu irmão morreu, canção que imortalizou o cantor e compositor, Tony Caetano, é um tema em estilo musical, “Lamento”, artifício que conjuga melancolia e laivos de pendor metafísico, em que o compositor deplora a perda de um ente querido ou companheiro oficinal do acto de criar, realçando as virtudes e feitos do desaparecido, enquanto vivo. No “Lamento”, o sujeito enunciado nem sempre é nomeado, ou seja, o nome próprio da pessoa enaltecida pode não estar identificado, ou seja, muitas vezes o compositor revela apenas o grau de parentesco ou amizade, como é o caso de “Pangueiamiuafu” de Tony Caetano.
Vamos recordar três exemplos de casos de canções emblemáticas de tributo à morte, interpretadas por cantores referenciais da Música Popular Angolana, “Toy Sofia”, 1970, de Elias DiáKimuezo, “Tokito”, 1971, do lendário guitarrista, Zé Keno, e “Lamento de Visconde”,1972, da autoria do cantor e compositor, Óscar Neves. Neste último tema, o cantor lamenta o desaparecimento prematuro do cantor e compositor, Luís Visconde, seu amigo, com lágrimas no coração, Ó manhi ó dilóo/Ó tata ó dilóo/ Etu boba/ tuolo banza kambádietu/ ni massoxiku muxima (...), traduzindo, a mãe está a chorar, o pai está a chorar, nós aqui, estamos a pensar o nosso amigo/ com lágrimas no coração.
Embora o cantor e compositor Massano Júnior reclame, igualmente, a autoria da canção, “Pangueiamiuafu”, polémica que não nos cabe debruçar com pormenor neste texto, atribuímos a titularidade da canção a Tony Caetano, cantor que, apesar das sinuosidades da vida, manteve sempre viva a intenção de prosseguir a sua carreira musical.
Filho de Francisco Caetano e de Rosa José Dias, António Francisco Caetano, Tony Caetano, nasceu em Luanda, no dia 14 de Abril de 1951.
Canção
Pela importância da canção, “Pangue iami wafu”, nacarreira de Tony Caetano, transcrevemos, integralmente, a letra e respectiva tradução, “Pangueiamiuafuá/ Tuámu sanguele/Moxi iá menhá/ NgaZuá ué/ Eme ngódiondo/Katulépangueiami/U ala moxi iá menhá/Mutala kutandu/Ó uala moxi iá menhá”. Tradução livre, O meu irmão morreu/Encontraram-no/Submerso na água/Senhora Zuá, peçote/Tire o meu irmão/Que está sob a água/Quando olho à superfície da água/Mais me convenço/ Que ele está sob a água.
Percurso
Tony Caetano começou a carreira musical como percussionista em 1967, com apenas quinze anos, no Grupo Teatral “Kilombelombe”, onde José Massano Júnior, o célebre percussionista e cantor do África Show, era o director do grupo. O grupo “Kilombelombe” integrava o Ed Neto, bailarino e irmão mais velho de Tony Caetano, Pontes, puíta, e Ti Nicas, bailarino, que dividia o palco com várias bailarinas.
Francisco Caetano, mais conhecido por Chiquito Makulopi, pai de Tony Caetano, era um dos principais animadores e comandante de sala do Rebita Clube Coração de Angola, “Muxima uá Ngola”, com sede na Rua do Povo no Bairro Rangel. A mãe, Rosa José Dias, Nga Losa Muxaxinha, era bailarina do União Mabuba, um conhecido grupo de carnaval onde António José Dias, mais conhecido por Velinho Quinze, tio e irmão da mãe de Tony Caetano, era o comandante.
No fim dos anos sessenta a Rua dos Estudantes, no bairro Rangel, era um espaço de acesas tertúlias e de troca de experiências artísticas, frequentado por nomes que iriam prestigiar o mapa da Música Popular Angolana: Antoninho Massangano e seu irmão Nito dos Águias Reais, Almeida Quental, Santana, Dominguinhos, Costa Papetti, o alfaiate, Manuel António e Kipuka. Foi desta plêiade de entusiastas que surgiu o grupo “Kipuka e seus Malambas” com José Massano Júnior, percussão, e Tony Caetano, voz.
Em 1970, persuadido pelos amigos de tertúlia, sobretudo o Massangano e Massano, Tony Caetano contactou o promotor dos itinerantes “Kutonocas”, de Luís Montez, e apareceu a solo pela primeira vez, numa das edições do “Kutonoca” com três sucessos: “Divua Diami”, “Pangue iami wafu” e “Hungu”, canções que marcaram a carreira de Tony Caetano que se apresentava acompanhado pelo agrupamento “Os Corvos” que integrava na altura, Zeca Pilhas-Secas, viola solo, Manuel Claudino, viola baixo, Didinho, tambores e Zeca, nos bongós. Foi com este formato que Tony Caetano passou a ser referência obrigatória nos meios artísticos da época.
Motivado pelo sucesso a da sua primeira aparição pública, Tony Caetano foi convidado a cantar na sala do Ngola Cine agendado nas suas regulares sessões do “Dia do Trabalhador” e da “Aguarela Angolana”. Em 1973, gravou o seu primeiro e único single pela FADIANG, etiqueta Rebita, uma peça de inegável valor ao nível das harmonias e das construções melódicas, tendo registado para a posteridade os clássicos, “Pangueiami” e “Hungu”.
Intemporalidade
Volvidos cerca de quarenta e seis anos, a música de Tony Caetano continua a veicular um sentido de pertença a um espaço pré-urbano, o musseque, comas suas alegrias e tristezas. Tony Caetano projectou no seu canto as referências de uma época em que as ocorrências quotidianas, na sua configuração sociológica do passado, eram motivo e matéria para mover o conteúdo das canções. As crenças nos deuses e feitiços, equilibravam e davam resposta ao inexplicável, ou seja, eram o pão que alimentava as dúvidas sobre o além. Foi neste ambiente da bessangana de balaio, do comerciante da fuba e da notícia do filho desaparecido no mar, que surgiram as mais belas canções da Música Popular Angolana. No entanto, foram-se os motivos da época mas resiste a beleza das canções.
Morte
Tony Caetano morreu no dia 25de Julho de 2018, no Hospital Militar, vítima de doença prolongada, conforme informação da família. O Ministério da Cultura destacou a importância do cantor na história da Música Popular Angola, nos seguintes termos “Tony Caetano, autor de vários temas de intervenção que marcaram as décadas de 60 e 70, foi um dos expoentes da música angolana da sua época.
O seu desaparecimento físico regista no mosaico cultural angolano uma enorme perda de dimensão imensurável, quer pelas temáticas irreverentes abordadas nas suas obras musicais, bem como, na singularidade da sua actuação em palco. A sua obra e feitos, perdurarão nas memórias e nos corações dos angolanos e amantes da cultura angolana”.
Tony Caetano projectou no seu canto as referências de uma época em que as ocorrências quotidianas eram motivo e matéria para mover o conteúdo das canções