A luta continua
Surgido entre os anos 60 e 70, no furor dos anos dos movimentos de libertação nacional contra o poder colonial português, “A luta continua” é um slogan que marca uma época: Samora Machel esteve na origem dos discursos que o popularizam e o lema teve, rapidamente, um enorme impacto internacional, incluindo no mundo francofóno e anglo-saxónico.
Os slogans, os ditados e os provérbios deixam de ter razão de ser, perdem actualidade quando a mensagem que querem transmitir fica desactualizada, está demodé ou perde sentido: não é o caso deste lema, porventura, pelo entusiasmo e esperança que convoca quem o profere, quase sempre pensando na segunda parte do mesmo, porque acredita que “A vitória é certa” .
Das músicas míticas e galvanizadoras de David Zé e de Miriam Makeba aos estudantes e activistas políticos no Uganda (2011), na Nigéria (2015) e na África do Sul (2016), passando pelas manifestações de caminhoneiros em Ouro Preto, no Brasil, ainda este ano, ou a presença como mensagem final em quatro filmes de Jonatham Demme, entre os quais se destaca “O silêncio dos cordeiros” (1991), “A luta continua” encarna a irreverência e o inconformismo constante.
A música com o mesmo título do lema, que a Miriam Makeba cantou foi composta pela filha, Bongi, depois de ter assistido aos actos da proclamação da Independência Nacional, em Moçambique, enquanto que na voz do David Zé aludia a combates mais específicos como a luta contra a PIDE, a luta para varrer os lacaios do Imperialismo, a luta contra a opressão, a luta contra a exploração do povo organizado, na época, à volta do MPLA.
As lutas dos caminhoneiros em Ouro Preto, ou a do movimento LGTBI no Uganda, ou a dos activistas na Nigéria e na África do Sul têm outros objectivos, alguns deles, mais actuais, próprios das circunstâncias políticas e sociais dos grupos que resgatam o lema: melhores condições de trabalho, tolerância de género, justiça ou como aconteceu com os estudantes universitários sul-africanos protestar contra o aumento das propinas une um sector da sociedade, que utiliza todos os meios ao seu alcance para pacificamente reinvindicar os seus direitos sociais.
O slogan “A luta continua” aparece em muitos outros contextos e já foi recriado em variadíssimas músicas com diferentes géneros, indo do Gospel como é o cântico “Aleluia, a luta continua” da Igreja Universal, até ao Reggae e Rap de Vell Rangel, de África Mãe do Leão, de Ras Shiloh ou de Bob da Range Sense, músicos estes também de diversas partes do mundo.
No nosso país, depois da história de luta liderada por Agostinho Neto e o MPLA, há dez anos, em 2008, o músico Kool Klever difundiu o seu albúm “Kooltivar – páginas rimadas do livro da minha vida” que, entre outros, traz o tema “A luta continua”. Com Edu Zp e Mc K, Kool Klever interpreta este tema musical expondo os problemas sociais, políticos e económicos mais candentes e, o que é fundamental, apresenta um manifesto de intenções da postura que o músico gostaria de ver os cidadãos a assumirem de maneira activa e irreverente face aos mesmos: a música tornou-se muito popular e o músico transformou-se num influencer entre os jovens que gostam deste género musical.
Citando uns extractos, Kool Klever diz coisa como: “Minha voz é a minha arma contra a falsa revolução/ essa música diluída, mas com alta rotação/ essa música diminuída à medida da televisão/esta música destrutiva que é só diversão/feitas por mentes patetas vocês sabem quem são ( .... )/ esta merda eu digo não/ sou anti-conformista livre artista, rap esquerdista/Soldado da linha da frente(...) ou mudo a cara desta cena ou morro tentando”.
A música prossegue com as entradas em força de Edu ZP e de Mc K questionando as trapalhices do poder estabelecido, exaltando a firmeza de carácter e de atitude face às adversidades, uma vez que:
“A luta continua, mas depende de ti mesmo, da intensidade e da força que tu pões nos teus desejos/ da consistência que dás àquilo em que acreditas/ o cifrão não te desvia quando tens princípios de vida/ a luta continua e para mim tem mais sentido quando a vitória aparece depois de muitos sacrifícios/e se algo em que acredito e que me lembro até agora, o último fio da corda é mais forte que os que já se foram”.
Hinos às lutas que se revelem indispensáveis, a reactualização que os músicos Kool Klever, Edu Zp e Mc K fazem de um slogan tão conhecido coloca-lhes imediatamente numa história com um passado forte, de várias gerações comprometidas com a mudança e a justiça social positiva, um desafio que convém recordarmos permanentemente.