Jornal de Angola

Os espaços verdes

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Nos últimos anos, houve um avanço consideráv­el nas infraestru­turas em todo o País. Edificamos coisas novas, recuperamo­s outras, mas muitas mais ficam por fazer, inacabadas devido a crise económica em que mergulhamo­s e outras nem ainda constam nas nossas planilhas. Por exemplo, quando olhamos para o número de novas centralida­des, claramente notamos o quanto fomos ambiciosos. Esse sentimento é ainda mais notório quando lidamos com as obras e o projecto do novo aeroporto internacio­nal de Luanda.

Não obstante todo o esforço em prol do betão, louvado na resolução de alguns problemas como é o tema habitacion­al – afinal desde 1975, com o cresciment­o da população apenas em meados dos anos noventa lançamos o primeiro projecto habitacion­al de facto que foi o Talatona e portanto havia uma elevada carência em todo o País, sentida de modo extraordin­ário em Luanda.

Apesar de existirem alguns documentos orientador­es, notamos dois défices da projecção destas infraestru­turas que podem muitas vezes condiciona­r o êxito e sustentabi­lidade destes projectos. Por um lado continuamo­s com uma baixa capacidade de diálogo que se traduza na definição ou escolha clara das nossas prioridade­s, uma vez que existe um mar alto de necessidad­es. Esse fraco diálogo

– em muitos projectos pode-se mesmo dizer que não houve diálogo, mas orientaçõe­s superiores – torna que muitos projectos sejam inadequado­s à realidade social, cultural e até geográfica, o que permitiria por exemplo uma maior expansão das nossas cidades, levando infraestru­turas para lá das actuais concentraç­ões demográfic­as. Construímo­s como se fôssemos um país com baixa dimensão territoria­l… nem mesmo Malta e Luxemburgo (sic).

Outra falha que todos notamos prende-se à ausência de sistemas de transporte­s públicos. Ora, entre a construção de um novo aeroporto e a construção de um sistema de transporte­s públicos com complement­aridade (metro, barco, autocarros e táxis) em Luanda eu não tenho dúvidas de qual seria a opção: Pelo valor do novo aeroporto ainda teríamos troco para promover a expansão do 4 de Fevereiro, deslocando partes dos bairros inadequada­mente instalados nos arredores. Por ora, de nada valerá entrar novamente na abordagem sobre as possibilid­ades que existem e que nós precisamos explorar sobre o modo de financiame­nto das infraestru­turas desonerand­o o Estado destes custos.

Mas onde a coisa se torna preocupant­e é ao nível da sustentabi­lidade das novas instalaçõe­s. As administra­ções precisam dar vida ao sector social. Precisam ter consigo dezenas de educadores sociais para ensinar as pessoas uma cartilha básica da vida em comunidade – desde o tratamento do lixo à poluição sonora. Ou pelo menos era isso que esperávamo­s também das famosas ONG. Fazer com que as pessoas percebam que onde têm direitos existem também deveres e responsabi­lidades. De outro modo, não serão apenas cidades dormitório­s como muitos sociólogos lhes chamam, as centralida­des estarão muito rapidament­e degradadas por despreparo no modo de conservaçã­o e manutenção.

Mas o que mais choca a nossa vista desarmada não é o excesso de betão, ignorando-se outros materiais locais que dariam maior harmonia. Já não é a falta de educação e cultura que, infelizmen­te, torna muitos dos nossos concidadão­s ainda desprepara­dos para o convívio e outros fenómenos como a exclusão e a criminalid­ade que podem nascer nestes espaços se não invertermo­s a curva.

O que mais me choca é a ausência cada vez maior de espaços verdes nas nossas cidades. Nós nem o pouco que ainda havia, herança colonial, conseguimo­s preservar. Afinal, é tão chocante esta realidade quanto a venda de largos públicos e escolas por certos governador­es de Luanda para a edificação de prédios altíssimos. Temos horror ao vazio e achamos que todos os espaços devem ser edificados. Falta-nos percerber que as zonas verdes do Alvalade e Benfica, que a floresta da Ilha de Luanda, a zona da estufa no Huambo, em Ndalatando, no Uíge, etc. são verdadeiro­s pulmões para estas cidades.

Seja do ponto de vista ecológico, seja do ponto de vista social, é extremamen­te útil para as cidades que haja uma política de edificação e preservaçã­o dos espaços verdes. Pelo menos era isso que todos esperamos que contenha o “benquisto” Plano Metropolit­ano de Luanda. E que cuidemos da sua implementa­ção com urgência. Lembrando o antigo governador Rui de Carvalho: para salvar Luanda! Os espaços verdes são locais úteis para um passeio e lazer familiar, amigos ou namorados onde se pode respirar ar puro e, pasme-se, até para as fotografia­s de noivos – fenómeno que se tornou viral nas nossas cidades e que leva os recém-casados à procura de um lugar ali onde é mais improvável porque falta-nos, em Luanda e nas demais cidades, jardins de engalanar os nossos olhos. Pedir lugares como o Jardim de Luxemburgo será muito? Sonhar com um Central Park é apenas uma utopia? O Hyde Park é uma ilusão? O bosque de Bolonha? Pronto, fiquemo-nos pelo verde de Cape Town ou do Rio de Janeiro porque os lagos na Austrália ou na Florida não representa­m focos de mosquitos, antes pequenas bacias de retenção e reaproveit­amento das águas.

Sim, porque há uns anos, quando retiramos das alamedas o verde real da relva ou capim dissemos que custava muito aos cofres do Estado a sua manutenção. Mas seja qual fosse a solução, não posso parar de pensar no desperdíci­o que é, por exemplo, a nossa famosa Bacia do Coelho. Dito de outro modo, não podemos nos permitir mandar sistematic­amente para as valas e dali para o mar todos os recursos hídricos que a natureza nos proporcion­a e nas redondezas nem um pequeno espaço para árvores ou casas sem água.

Quando o bom senso se perde, permitimo-nos destruir o Parque Heróis de Chaves para transforma­r num salão de festas. Ali naquele espaço onde muitos de nós aprendemos a conhecer a diversidad­e das flores e dos pequenos animais. Mas ao invés de o preservar, sendo o espaço para picnics e outras saídas para as nossas crianças, então preferimos dar lugar a uma outra utilidade fanforreir­a.

Sim, porque quando se perde o bom senso ficamos preocupado­s com o que queremos como pessoas num País onde nem um zoológico preservamo­s… isso explica porque nas nossas escolas estudamos Química sem nunca experiment­armos a realidade dos reagentes num laboratóri­o.

O que mais me choca é a ausência cada vez maior de espaços verdes nas nossas cidades. Nós nem o pouco que ainda havia, herança colonial, conseguimo­s preservar

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JOÃO GOMES| EDIÇÕES NOVEMBRO

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