Reacções negativas à proposta de Ramaphosa
O anúncio da intenção de alterar a Constituição, feito pelo Presidente sul-africano para acomodar a lei de expropriação de terras sem o pagamento de indemnizações, foi recebido de forma negativa em todo o país, estando mesmo a criar ondas de choque traduz
Multiplica-se, um pouco por todo o país e também já no estrangeiro, as reacções negativas ao anúncio feito recentemente pelo Presidente Cyril Ramaphosa sobre a intenção de promover uma alteração constitucional que permita ao Estado expropriar terras sem o pagamento de qualquer tipo de compensação a quem na altura as estiver a explorar. Há dias, Cyril Ramaphosa esteve no Parlamento a responder a perguntas sobre as alterações que ele pretende efectuar na Constituição para acomodar a possibilidade de não ter que pagar indemnizações a quem forem expropriadas terras, tendo ficado claro que mesmo no seio do partido no poder não existe uma unanimidade expressa. Estas reacções negativas estenderam-se aos mercados financeiros, onde o rand conheceu assinaláveis depreciações nas últimas duas semanas. O principal centro da contestação esteve na zona que acompanha as margens do rio Limpopo, vizinho do Zimbabwe, onde muitos dos proprietários ainda se recordam dos efeitos calamitosos que uma medida do género teve na economia do país então liderado por Robert Mugabe, com a expropriação das terras aos fazendeiros brancos.
Esta reforma agrária está prometida desde 1994, altura em que acabou o apartheid na África do Sul e o país passou a ter como objectivo principal a consolidação de uma nova maioria e a indispensável transição do poder económico para essa nova maioria.
Porém, passado quase um quarto de século, a verdade é que essa transição está longe de ter sido concluída o que se reflecte de modo evidente na questão da distribuição das terras, não obstante o facto de durante a luta contra o apartheid o Congresso Nacional Africano (ANC) ter feito dessa luta uma das suas principais bandeiras. Neste momento, 72 por cento das terras do Estado estão concedidas a fazendeiros brancos, que apenas representam 9 por cento do total da população sul-africana, sendo este o principal argumento do ANC para levar por diante o seu projecto de reforma agrária.
Donald Trump, como se já não lhe bastasse os seus múltiplos problemas domésticos, usou o Twitter para alfinetar o seu homólogo sul-africano postando uma mensagem onde dizia temer a “onda de crimes que vão ser cometidos na África do Sul contra os fazendeiros brancos.” Um porta-voz da Presidência sul-africana respondeu a esta provocação, dizendo que Donald Trump pode estar tranquilo para resolver os seus problemas porque “na África do Sul ninguém vai ser morto por causa das terras.”
Mas, o projecto de reforma agrária não visa só as fazendas, incluindo também outros sectores da economia que têm impacto na agricultura, disse na quinta-feira o vicePresidente da África do Sul. David Mabuza, que falava numa conferência sobre a reforma agrária, disse que um dos sectores identificados pelo Governo do ANC é o das minas. No seu discurso, afirmou que a prioridade do Governo é transformar as terras do Estado, não utilizadas e subutilizadas, assim como as terras de propriedade das empresas que deixaram de ser utilizadas para mineração, produção agrícola, industrial, assentamentos humanos e desenvolvimento económico e industrial.
Apoio inesperado e indesejado
Cyril Ramaphosa tem sido extremamente cuidadoso a lidar com este problema, tendo estado na televisão antes de ir ao Parlamento para, mais uma vez, justificar a necessidade da aprovação de uma emenda constitucional que responda àquilo que ele diz serem os “anseios da maioria da população.”
A oposição, na generalidade, tem sido cautelosa em relação a este assunto, excepção feita a Julius Malema, conflituoso líder dos Combatentes pela Liberdade Económica (EFF) que já disse ser um “apoiante incondicional” da emenda constitucional que permitirá expropriar terras sem o pagamento de qualquer compensação.
Malema, que habitualmente usa um discurso racista e de apelo à violência, representa tudo aquilo de que o Presidente Ramaphosa quer distância, sendo por isso um apoiante que tem tanto de inesperado como de indesejado.
Recentemente, Julius Malema disse que está a pressionar o ANC “desde 2013” para conseguir a alteração constitucional e lamentou que o então Presidente Jacob Zuma nunca tenha querido sequer ouvir falar do assunto.
Na verdade, a questão da expropriação das terras sem direito à indemnização foi um assunto trazido para a ribalta política pelo pragmatismo de Cyril Ramaphosa, que em Dezembro passado conseguiu obter algum apoio junto do seu partido para travar esta “batalha.”
Uma “batalha” que o ANC tinha vindo a adiar, pois durante os seus primeiros cinco anos de poder apenas transferiu cerca de 10 dos previstos 30 por cento das terras para a propriedade de fazendeiros negros.
A um ano da realização de eleições, esta questão é de transcendente importância pois pode marcar a diferença em relação à oposição que, excepção feita a Julius Malema, nunca disse muito bem qual é a sua posição política em relação ao tema.