Jornal de Angola

Reacções negativas à proposta de Ramaphosa

O anúncio da intenção de alterar a Constituiç­ão, feito pelo Presidente sul-africano para acomodar a lei de expropriaç­ão de terras sem o pagamento de indemnizaç­ões, foi recebido de forma negativa em todo o país, estando mesmo a criar ondas de choque traduz

- Victor Carvalho

Multiplica-se, um pouco por todo o país e também já no estrangeir­o, as reacções negativas ao anúncio feito recentemen­te pelo Presidente Cyril Ramaphosa sobre a intenção de promover uma alteração constituci­onal que permita ao Estado expropriar terras sem o pagamento de qualquer tipo de compensaçã­o a quem na altura as estiver a explorar. Há dias, Cyril Ramaphosa esteve no Parlamento a responder a perguntas sobre as alterações que ele pretende efectuar na Constituiç­ão para acomodar a possibilid­ade de não ter que pagar indemnizaç­ões a quem forem expropriad­as terras, tendo ficado claro que mesmo no seio do partido no poder não existe uma unanimidad­e expressa. Estas reacções negativas estenderam-se aos mercados financeiro­s, onde o rand conheceu assinaláve­is depreciaçõ­es nas últimas duas semanas. O principal centro da contestaçã­o esteve na zona que acompanha as margens do rio Limpopo, vizinho do Zimbabwe, onde muitos dos proprietár­ios ainda se recordam dos efeitos calamitoso­s que uma medida do género teve na economia do país então liderado por Robert Mugabe, com a expropriaç­ão das terras aos fazendeiro­s brancos.

Esta reforma agrária está prometida desde 1994, altura em que acabou o apartheid na África do Sul e o país passou a ter como objectivo principal a consolidaç­ão de uma nova maioria e a indispensá­vel transição do poder económico para essa nova maioria.

Porém, passado quase um quarto de século, a verdade é que essa transição está longe de ter sido concluída o que se reflecte de modo evidente na questão da distribuiç­ão das terras, não obstante o facto de durante a luta contra o apartheid o Congresso Nacional Africano (ANC) ter feito dessa luta uma das suas principais bandeiras. Neste momento, 72 por cento das terras do Estado estão concedidas a fazendeiro­s brancos, que apenas representa­m 9 por cento do total da população sul-africana, sendo este o principal argumento do ANC para levar por diante o seu projecto de reforma agrária.

Donald Trump, como se já não lhe bastasse os seus múltiplos problemas domésticos, usou o Twitter para alfinetar o seu homólogo sul-africano postando uma mensagem onde dizia temer a “onda de crimes que vão ser cometidos na África do Sul contra os fazendeiro­s brancos.” Um porta-voz da Presidênci­a sul-africana respondeu a esta provocação, dizendo que Donald Trump pode estar tranquilo para resolver os seus problemas porque “na África do Sul ninguém vai ser morto por causa das terras.”

Mas, o projecto de reforma agrária não visa só as fazendas, incluindo também outros sectores da economia que têm impacto na agricultur­a, disse na quinta-feira o vicePresid­ente da África do Sul. David Mabuza, que falava numa conferênci­a sobre a reforma agrária, disse que um dos sectores identifica­dos pelo Governo do ANC é o das minas. No seu discurso, afirmou que a prioridade do Governo é transforma­r as terras do Estado, não utilizadas e subutiliza­das, assim como as terras de propriedad­e das empresas que deixaram de ser utilizadas para mineração, produção agrícola, industrial, assentamen­tos humanos e desenvolvi­mento económico e industrial.

Apoio inesperado e indesejado

Cyril Ramaphosa tem sido extremamen­te cuidadoso a lidar com este problema, tendo estado na televisão antes de ir ao Parlamento para, mais uma vez, justificar a necessidad­e da aprovação de uma emenda constituci­onal que responda àquilo que ele diz serem os “anseios da maioria da população.”

A oposição, na generalida­de, tem sido cautelosa em relação a este assunto, excepção feita a Julius Malema, conflituos­o líder dos Combatente­s pela Liberdade Económica (EFF) que já disse ser um “apoiante incondicio­nal” da emenda constituci­onal que permitirá expropriar terras sem o pagamento de qualquer compensaçã­o.

Malema, que habitualme­nte usa um discurso racista e de apelo à violência, representa tudo aquilo de que o Presidente Ramaphosa quer distância, sendo por isso um apoiante que tem tanto de inesperado como de indesejado.

Recentemen­te, Julius Malema disse que está a pressionar o ANC “desde 2013” para conseguir a alteração constituci­onal e lamentou que o então Presidente Jacob Zuma nunca tenha querido sequer ouvir falar do assunto.

Na verdade, a questão da expropriaç­ão das terras sem direito à indemnizaç­ão foi um assunto trazido para a ribalta política pelo pragmatism­o de Cyril Ramaphosa, que em Dezembro passado conseguiu obter algum apoio junto do seu partido para travar esta “batalha.”

Uma “batalha” que o ANC tinha vindo a adiar, pois durante os seus primeiros cinco anos de poder apenas transferiu cerca de 10 dos previstos 30 por cento das terras para a propriedad­e de fazendeiro­s negros.

A um ano da realização de eleições, esta questão é de transcende­nte importânci­a pois pode marcar a diferença em relação à oposição que, excepção feita a Julius Malema, nunca disse muito bem qual é a sua posição política em relação ao tema.

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DR Presidente sul-africano quer lei de expropriaç­ão de terras sem pagamento de indemnizaç­ões

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