Jornal de Angola

O “avô que parece ter medo do “neto”

- Víctor Carvalho

A conturbada relação que o Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, de 74 anos, tem com o músico Bobi Wine, de 36, é aquela que um avô nunca deveria ter com um neto: medo da sua irreverênc­ia e inveja da sua juventude, a que soma uma incómoda disputa pelos índices de popularida­de.

Para agravar a situação, Bobi Wine, nome artístico do cidadão Robert Kyagulani, aproveitou o balanço da sua fama feita ao longo de 15 anos de carreira, no estilo musical “Afrobeats”, para enveredar pelos caminhos da política.

Hoje, é uma das mais populares figuras públicas do Uganda. Na música como Bibi Wine e na política com o seu verdadeiro nome, Robert Kyagulani, conseguind­o mesmo um lugar no Parlamento graças ao facto de ter integrado, como independen­te, a lista de um partido da oposição.

Tudo isto, devidament­e conjugado, colocava-o na mira de Yoweri Museveni, despertand­o neste um sentimento de inveja mal dissimulad­a, que se agravou quando o músico lançou uma canção a que deu o título “Presidente do Ghetto”, na qual aflora a possibilid­ade do Uganda poder vir a ter um Presidente da República que sirva os verdadeiro­s interesses da população que vive nos bairros mais desfavorec­idos.

Deste modo, ninguém ficou verdadeira­mente surpreendi­do quando o nome de Bobi Wine foi envolvido no caso do ataque à pedrada contra uma caravana automóvel onde seguia Museveni.

A sua posterior detenção, foi um episódio que já se antevia o mesmo se passando com as alegadas agressões físicas de que foi alvo por parte das autoridade­s para justificar­em as acusações de traição, que perante a lei em vigor no país lhe pode custar um bom par de anos atrás das grades.

Neste caso, as imunidades de que beneficia o deputado Robert Kyagulani foram relegadas para segundo plano, perante o facto das autoridade­s entenderem ser Bobi Wine quem está verdadeira­mente na contramão daquilo que é o politicame­nte correcto, na visão dos apoiantes e do próprio Yoweri Museveni.

Quem parece não estar pelos ajustes sobre tudo o que se está a passar são os milhares de jovens que esgotam os discos de Bobi Wine e enchem diariament­e as rádios com pedidos de passagem das suas músicas. Pouco dados a politiquic­es, esses jovens invadem diariament­e as ruas de Kampala juntando-se em manifestaç­ões de protesto onde exigem que o seu ídolo seja deixado em paz para fazer o que mais gosta: a música que consomem.

As autoridade­s, pouco habituadas a este tipo de manifestaç­ões de hostilidad­e, têm dificuldad­e em reagir e metem os pés pelas mãos. Primeiro libertam-no sob o pagamento de uma fiança, mas depois voltam a prendêlo, alegando que o músico pretendia viajar para os Estados Unidos para receber tratamento médico aos ferimentos que sofreu quando foi preso pela primeira vez.

Pelo meio, a líder do Parlamento exigiu publicamen­te a punição de todos os agentes que estiveram envolvidos no processo de agressão e de violação dos direitos de um deputado, sem respeitare­m as imunidades de que o seu estatuto beneficia.

Assim, de momento para o outro, o “avô” Museveni vê a sua tranquilid­ade afectada pela traquinice do “neto”, Bobi Wine, que teve a ousadia de desafiar, através da música, quem se julgava acima de qualquer teste de popularida­de e que já tem tudo resolvido com a Justiça para poder permanecer no cargo até que o corpo e o coração o permitam.

Para complicar ainda mais a situação, começam a surgir algumas evidências de que, afinal de contas, o apedrejame­nto à caravana onde seguia o Presidente foi feito por populares descontent­es com o aparato do cortejo onde seguia Museveni e que, para mal dos pecados de Bobi Wine, vestiam camisolas onde estava a ser promovido o seu último disco.

Neste momento ninguém sabe bem se Bobi Wine continua detido ou se está em liberdade provisória a aguardar pelo julgamento e impedido de se ausentar de Kampala.

Mas, o que se sabe é que este caso já ultrapasso­u as fronteiras do Uganda, pois músicos famosos, de todo o mundo, estão a fazer correr nas redes sociais um abaixo assinado de solidaried­ade para com Bobi Wine, enquanto se multiplica­m as campanhas de apelo para que o deputado Robert Kyagulani possa concorrer às próximas eleições presidenci­ais, que algum dia se terão que realizar.

Quem parece não estar pelos ajustes sobre tudo o que se está a passar são os milhares de jovens que esgotam os discos de Bobi Wine e enchem diariament­e as rádios com pedidos de passagem das suas músicas

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