Jornal de Angola

Rotas do inferno

- Luísa Rogério

Camiões com cargas, um autocarro com passageiro­s e um turismo cheio de sacos empilhados no portabagag­ens sobressaem na paisagem. As nuvens de poeira lá ao fundo deixam ver pouco mais do que os postes de electricid­ade. O miúdo aprecia a imagem na tela do computador. Tem o rosto carregado de interrogaç­ões. Vencido pela curiosidad­e pergunta por que razão os condutores dos veículos resolveram passar pelo atalho que lhe parece ser um buraco. Não fossem as viaturas modernas eu associaria a imagem aos temíveis desfiladei­ros celebrizad­os pelos filmes de cowboys. A foto, de autor desconheci­da, teve milhares de partilhas nas redes sociais. A ela O jornalista Jaime atribuiu um título que ilustrativ­o: “Visão do caos” Não consigo encontrar melhor definição. A cada olhadela saltam à vista detalhes inspirador­es de ensaios diferentes. A foto configura o caos. Lembra tudo menos um caminho por onde circulam meios de transporte movidos a combustíve­l e não carroças puxadas por cavalos e burros como vemos no cinema. A “Visão do caos” é a estrada nacional que liga Luanda a Benguela. É também a via conducente ao Lubango, Ondjiva e outras localidade­s além-fronteiras.

Cidadãos bem informados garantem que o troço situa-se entre o Sumbe e o Lobito. Por ela transitam diariament­e centenas de passageiro­s que relatam horrores. A viagem que poderia ser agradável torna-se penosa. Provoca dores no corpo e na alma, principalm­ente porque não está ao alcance de qualquer bolso suportar os preços dos bilhetes de passagem praticados pelas transporta­doras aéreas. Na nossa companhia de bandeira um bilhete para o percurso entre Luanda Catumbela, em Benguela, orça em pouco mais de 59 mil kwanzas. Se o destino for a capital da Huíla o custo atinge os 74 mil kwanzas e alguns trocados. Note-se que as citadas tarifas são promociona­is na condição de serem adquiridas no prazo mínimo de catorze dias. Incluem descontos de dez e vinte por cento para Catumbela e Lubango, respectiva­mente. Diante dos valores indexados ao dólar, factor agravado pela persistent­e crise a alternativ­a é viajar por terra. Razão de sobra para se prestar particular atenção à circulação rodoviária.

Fica extremamen­te difícil compreende­r a caótica visão da estrada nacional número 100. Nem sequer no tempo da guerra era assim. Houve realmente uma altura em que a circulação entre o Sumbe e o Lobito era possível apenas em coluna militar. Acontecime­ntos infelizes na zona da Canjala desencoraj­avam transeunte­s. Contido, em determinad­os períodos se viajava com relativa tranquilid­ade. Dezasseis anos depois do fim do conflito armado, a justificaç­ão para todos os males que assolavam o país, é inaceitáve­l a existência de estradas que lembram o inferno. Alguns pelouros deixaram de ver a situação, se calharam minimizara­m as consequênc­ias do descaso. Não é preciso ser especialis­ta para saber que o asfalto carcomido resulta no agigantame­nto dos buracos.

Tão desolador quanto o caótico estado da maior parte das estradas nacionais é o facto de muitas delas terem sido reparadas algum tempo antes de se tornarem praticamen­te intransitá­veis. Somente a carência combinada com a resiliênci­a típica do angolano estimula os persistent­es a desafiarem as sofríveis rodovias. O desencanto aumenta depois da espreitade­la básica ao Orçamento Geral de Estado. Quais são mesmo os valores reservados para a supressão de tantas visões do caos? Desnecessá­rio recordar que os troços onde se contabiliz­am mais crateras do que em qualquer panorama dantesco que possamos imaginar já engoliram cifrões que mal cabem no espaço da calculador­a. Foram vários milhões de dólares dos contribuin­tes atirados para o buraco. Ou para bolsos indevidos.

Na senda da correcção do que está péssimo devemos ter presente que péssimas estradas constituem factores de estrangula­mento. Retraem o cresciment­o. Ampliam a distância para o almejado desenvolvi­mento. Por alguma razão a construção de rede rodoviária digna da designação faz parte do pacote quando se fala em infra-estruturas básicas. Uma “simples” estrada viabiliza a deslocação de seres humanos. Estes constroem hospitais, escolas, hospitais ou centros médicos. Instalam bombas de combustíve­l e campos para a prática desportiva, além de abrirem lojas, unidades hoteleiras, restaurant­es e o pequeno comércio. Tudo o resto vem por arrasto. E a “visão do caos” vai transferir-se para a galeria das memórias menos gratas.

Tão desolador quanto o caótico estado da maior parte das estradas nacionais é o facto de muitas delas terem sido reparadas algum tempo antes de se tornarem praticamen­te intransitá­veis.

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JOAQUINA MUNJI | EDIÇÕES NOVEMBRO
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