Rotas do inferno
Camiões com cargas, um autocarro com passageiros e um turismo cheio de sacos empilhados no portabagagens sobressaem na paisagem. As nuvens de poeira lá ao fundo deixam ver pouco mais do que os postes de electricidade. O miúdo aprecia a imagem na tela do computador. Tem o rosto carregado de interrogações. Vencido pela curiosidade pergunta por que razão os condutores dos veículos resolveram passar pelo atalho que lhe parece ser um buraco. Não fossem as viaturas modernas eu associaria a imagem aos temíveis desfiladeiros celebrizados pelos filmes de cowboys. A foto, de autor desconhecida, teve milhares de partilhas nas redes sociais. A ela O jornalista Jaime atribuiu um título que ilustrativo: “Visão do caos” Não consigo encontrar melhor definição. A cada olhadela saltam à vista detalhes inspiradores de ensaios diferentes. A foto configura o caos. Lembra tudo menos um caminho por onde circulam meios de transporte movidos a combustível e não carroças puxadas por cavalos e burros como vemos no cinema. A “Visão do caos” é a estrada nacional que liga Luanda a Benguela. É também a via conducente ao Lubango, Ondjiva e outras localidades além-fronteiras.
Cidadãos bem informados garantem que o troço situa-se entre o Sumbe e o Lobito. Por ela transitam diariamente centenas de passageiros que relatam horrores. A viagem que poderia ser agradável torna-se penosa. Provoca dores no corpo e na alma, principalmente porque não está ao alcance de qualquer bolso suportar os preços dos bilhetes de passagem praticados pelas transportadoras aéreas. Na nossa companhia de bandeira um bilhete para o percurso entre Luanda Catumbela, em Benguela, orça em pouco mais de 59 mil kwanzas. Se o destino for a capital da Huíla o custo atinge os 74 mil kwanzas e alguns trocados. Note-se que as citadas tarifas são promocionais na condição de serem adquiridas no prazo mínimo de catorze dias. Incluem descontos de dez e vinte por cento para Catumbela e Lubango, respectivamente. Diante dos valores indexados ao dólar, factor agravado pela persistente crise a alternativa é viajar por terra. Razão de sobra para se prestar particular atenção à circulação rodoviária.
Fica extremamente difícil compreender a caótica visão da estrada nacional número 100. Nem sequer no tempo da guerra era assim. Houve realmente uma altura em que a circulação entre o Sumbe e o Lobito era possível apenas em coluna militar. Acontecimentos infelizes na zona da Canjala desencorajavam transeuntes. Contido, em determinados períodos se viajava com relativa tranquilidade. Dezasseis anos depois do fim do conflito armado, a justificação para todos os males que assolavam o país, é inaceitável a existência de estradas que lembram o inferno. Alguns pelouros deixaram de ver a situação, se calharam minimizaram as consequências do descaso. Não é preciso ser especialista para saber que o asfalto carcomido resulta no agigantamento dos buracos.
Tão desolador quanto o caótico estado da maior parte das estradas nacionais é o facto de muitas delas terem sido reparadas algum tempo antes de se tornarem praticamente intransitáveis. Somente a carência combinada com a resiliência típica do angolano estimula os persistentes a desafiarem as sofríveis rodovias. O desencanto aumenta depois da espreitadela básica ao Orçamento Geral de Estado. Quais são mesmo os valores reservados para a supressão de tantas visões do caos? Desnecessário recordar que os troços onde se contabilizam mais crateras do que em qualquer panorama dantesco que possamos imaginar já engoliram cifrões que mal cabem no espaço da calculadora. Foram vários milhões de dólares dos contribuintes atirados para o buraco. Ou para bolsos indevidos.
Na senda da correcção do que está péssimo devemos ter presente que péssimas estradas constituem factores de estrangulamento. Retraem o crescimento. Ampliam a distância para o almejado desenvolvimento. Por alguma razão a construção de rede rodoviária digna da designação faz parte do pacote quando se fala em infra-estruturas básicas. Uma “simples” estrada viabiliza a deslocação de seres humanos. Estes constroem hospitais, escolas, hospitais ou centros médicos. Instalam bombas de combustível e campos para a prática desportiva, além de abrirem lojas, unidades hoteleiras, restaurantes e o pequeno comércio. Tudo o resto vem por arrasto. E a “visão do caos” vai transferir-se para a galeria das memórias menos gratas.
Tão desolador quanto o caótico estado da maior parte das estradas nacionais é o facto de muitas delas terem sido reparadas algum tempo antes de se tornarem praticamente intransitáveis.