Os gestores e os bens do Estado
A ideia de que estamos a caminhar para uma fase em que actos lesivos ao Estado, como peculato, desvios de dinheiro e gestão danosa de bens patrimoniais públicos, conhecem uma inversão parece estar a ser contrariada com casos que deviam já estarem ultrapassados. A informação segundo a qual o actual director da Educação na Huíla e o antigo delegado das Finanças no Huambo estão entre os quatro detidos pelo Serviço Provincial de Investigação Criminal (SPIC) na cidade do Lubango, alegadamente envolvidos no desvio de mais de dois mil milhões de kwanzas, é revelador do quadro descrito.
A propósito, vale a pena lembrar as palavras do procurador-geral adjunto da República, Mota Liz, proferidas no início do ano, durante a cerimónia de celebração do 26.º aniversário da Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE), tendo caracterizado precisamente o que se passa com as pessoas responsáveis pela gestão da “res pública”.
“As pessoas perderam o medo na prática de actos lesivos ao património público e à própria conduta da administração pública e à boa imagem do Estado. A dimensão preventiva em todas as dimensões sociais é mais importante e aí é preciso que as inspecções sectoriais do Estado e a IGAE, o Tribunal de Contas, eduquem, previnam, corrijam, mas vamos trabalhar sobre três lemas, educar, chamar à atenção e punir”, disse na altura.Não é aceitável que essa mentalidade e prática delituosa, que leva os gestores a confundirem bens patrimoniais públicos com activos pessoais, prevaleça como uma espécie de inevitabilidade e fatalidade da sociedade angolana. Percebe-se com muita dificuldade a inclinação para a apropriação de bens que a todos dizem respeito por parte dos gestores públicos, grande parte deles gozando inclusive de condições remuneratórias, financeiras e materiais relativamente acima da média quando comparadas à restante classe trabalhadora.
Se a má gestão pode eventualmente compreender-se à luz de alguma incompetência ou despreparação para com as responsabilidades incumbidas ou assumidas, já a primeira, a tendência para apropriar-se do que é alheio, pelas razões já avançadas, fica mais difícil de entender.
A insaciabilidade pelos bens materiais, em grande medida uma condição natural do ser humano, não pode ter como fundamento ou fonte a apropriação, roubo e desvio do que é de todos. Há pessoas que se dedicam ao trabalho com muito esforço e que por via disso chegam a acumular bens avultados que os transformam em modelos quando se trata de enriquecimento.
O enriquecimento ilícito não pode ser uma bandeira da sociedade ao ponto de, não raras vezes, associar a assumpção de responsabilidades de gestão em instituições públicas e privadas a uma espécie de condição “sine qua non” para a acumulação indevida de bens. As inspecções sectoriais do Estado, a IGAE, o Tribunal de Contas, o SIC e as populações têm todos de desempenhar um papel mais activo, para que esses actos conheçam uma inversão. De outra maneira, caso se acentue o deixa-andar, não teremos uma sociedade viável e a ideia de construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária acabará por cair por terra.
A apropriação indevida de bens patrimoniais e a corrupção acabam por reflectir-se na qualidade de vida das pessoas quando reclamam pela falta de água, luz, serviços de saúde, estradas em condições e estabilidade do próprio Estado. Urge inverter a situação causada por alguns gestores que praticam actos lesivos ao património público e à imagem da administração pública e do Estado, porque assim não pode ser.