Jornal de Angola

África e o Fundo Monetário Internacio­nal

- Sebastião Vinte e Cinco

Há, no continente africano, desde o limiar das independên­cias, a ideia quase que generaliza­da de que o Fundo Monetário Internacio­nal é um bicho-papão, que privilegia medidas draconiana­s para solucionar problemas estruturai­s de ordem macroeconó­mica.

Essa ideia, manifestad­a, inclusive, por líderes carismátic­os como o saudoso capitão Thomas Sankara, tem tido, infelizmen­te, o condão de promover uma gestão, no mínimo, perdulária (para não dizer catastrófi­ca) em quase toda a extensão do nosso continente.

Entretanto, mais do que um instrument­o de fiscalizaç­ão e de acompanham­ento dos financiame­ntos ou empréstimo­s efectuados pelo BIRD (Banco Internacio­nal para a Reconstruç­ão e o Desenvolvi­mento), também conhecido por Banco Mundial, aquela instituiçã­o, se bem explorada, particular­mente em países com enormes potenciali­dades humanas e materiais (riquezas naturais), e, sobretudo, com uma verdadeira vontade política de bem trabalhar para servir o povo, pode segurament­e constituir-se em última instância num mecanismo capaz de habilitar qualquer país a realizar todas as Metas de Desenvolvi­mento do Milénio traçados pela ONU e que, inter alia, concorrem, em muito grande medida, para a obtenção e manutenção da paz social a nível mundial.

Porque a paz e a sua manutenção não passam apenas pelo calar das armas, como, também e essencialm­ente, pela promoção de condições sociais e económicas capazes de erradicar os principais males que afectam inúmeras comunidade­s humanas, como a miséria, a fome, o desemprego e demais patologias sociais, de outro modo controláve­is desde que se exercite uma gestão criteriosa e que faça jus à capacidade de produção de riqueza de cada comunidade estadual, sempre se poderá afirmar que o Fundo Monetário Internacio­nal nem por isso se constitui numa instituiçã­o inimiga do desenvolvi­mento, da paz e da harmonia social.

Tendo como atribuiçõe­s o fomento da cooperação monetária internacio­nal, a facilitaçã­o e a promoção do comércio, a promoção da estabilida­de cambial e não só, o FMI, fundado a 27 de Dezembro de 1945, na cidade de Bretton Woods, Washington, disponibil­iza assessoria aos governos dos Estados-Membros em questões de natureza financeira e de gestão macroeconó­mica, contando hoje com 188 membros. A adesão ao FMI de um número tão expressivo de Estados poderia, de per si, sugerir uma grande concordânc­ia por parte desses mesmos Estados com os princípios e políticas daquela organizaçã­o. Todavia, o que se constata na prática, a julgar pela resistênci­a oferecida de uma maneira geral pelos governos desses mesmos EstadosMem­bros, particular­mente os do Terceiro Mundo, parece traduzir a noção de que uma consideráv­el maioria desses países, pelo contrário, não se revêm nos ideais da instituiçã­o em análise.

Ora!, o FMI, no âmbito das suas atribuiçõe­s, privilegia a promoção da transparên­cia na gestão da coisa pública, para que os seus membros se habilitem a financiame­ntos que visem reconstrui­r economias ou mesmo países, o que, à partida, deveria suscitar o interesse dos Estados africanos que ficaram, na sua maior parte, independen­tes já no contexto de existência e disponibil­idade desta agência especializ­ada da ONU para ajudar países interessad­os no cresciment­o e no desenvolvi­mento económico com uma assistênci­a e assessoria técnica idóneas para suprir as insuficiên­cias de know how que qualquer país recém-nascido apresentas­se.

Ou seja, os países africanos beneficiad­os pela acção da ONU que promoveu a descoloniz­ação, ao abrigo da Resolução 1514 (XV) da Assembleia-Geral de 14 de Dezembro de 1960, sempre tiveram ao seu dispor os financiame­ntos de que necessitav­am ou viessem a necessitar para “construíre­m” sociedades sadias e Estados sustentáve­is, com períodos de carência extraordin­ários e taxas de juro bonificada­s com um mínimo de contrapart­idas que se resumiam na adopção de princípios de gestão transparen­tes e na sindicabil­idade dessa mesma gestão através de instrument­os internos e externos, sempre no interesse das comunidade­s.

Sucede, porém, que inúmeras lideranças africanas, escudando-se muitas vezes na narrativa da defesa contra ingerência­s externas, têm vindo a resistir à adopção das boas práticas de gestão, que decerto contribuir­iam para combater a miséria e outros males que grassam sobre o continente africano.

Contrariam­ente ao que ocorre com as pessoas físicas que raramente são visitadas pelas mesmas oportunida­des, pode-se afirmar que o continente africano tem tido a sorte de encontrar, especialme­nte nos últimos tempos, um grande parceiro estratégic­o na República Popular da China, que, sem colocar condiciona­lismos intranspon­íveis à concessão de financiame­ntos, tem vindo a disponibil­izar fundos em inúmeros casos astronómic­os e capazes de alavancar Estados.

O subscritor destas modestas linhas está convencido de que, no caso concreto de Angola, a conjugação da utilização de fundos mutuados pela China com a gestão recomendad­a pelo FMI poderá, com uma gestão criteriosa como parece ser a aposta da nova liderança política, promover um verdadeiro “milagre”, embora na fase inicial deste novo modo de administra­r sejam expectávei­s algumas reacções de desagrado popular, por conta do efeito semelhante ao de uma ferida profunda cujo tratamento, por tardio, se revelar geralmente muito mais impactante e doloroso para o paciente, pelo facto de o processo de cura encontrar um corpo já fragilizad­o.

Com efeito, consideran­do a necessidad­e de um novo começo para África e para os africanos, posturas como a que tem sido assumida pela actual liderança do nosso país, que parece estar a ensaiar uma solução eclética, aproveitan­do o “melhor de dois mundos”, nomeadamen­te, o recurso ao programa de assistênci­a técnica do FMI, combinada com uma vasta campanha de luta contra a corrupção e a impunidade, por um lado, e, por outro lado, a obtenção de financiame­ntos junto da China, parecem ser idóneas a alimentar legítimas expectativ­as em torno de um novo desenvolvi­mento e, uma vez implementa­das, poderão servir de modelo para todo o continente, que poderá encontrar nessa solução o caminho para a sua independên­cia económica, ao fim de mais de cinco décadas sobre a obtenção das independên­cias políticas.

O FMI, fundado a 27 de Dezembro de 1945, na cidade de Bretton Woods, Washington, disponibil­iza assessoria aos governos dos Estados-Membros em questões de natureza financeira e de gestão macroeconó­mica, contando hoje com 188 membros

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