Virar de página
A transição na direcção política do País deu ontem um passo importante com a eleição de João Lourenço como novo líder do MPLA, o Partido no poder, função que acumulará com a de Presidente da República que exerce desde há um ano. Para muitos, a mudança de liderança do MPLA é a conclusão da transição política iniciada em 2016, quando José Eduardo dos Santos deixou de ser candidato à sua própria sucessão na Chefia do Estado. Para outros, a mudança é mais um passo nesse processo de transição e que, acima de tudo, marca o virar de uma página na história do partido/movimento que proclamou a Independência Nacional e tem dirigido o país desde essa altura. O MPLA vira uma página da sua história, mas desenganese quem pensa que este congresso foi apenas para cumprir o formalismo da mudança da liderança. É bom lembrar que o congresso de ontem decorreu quase um ano depois da investidura do novo Presidente da República e que há promessas que foram anunciadas e que tardam a ser realizadas. Portanto, espera-se que o novo ciclo seja acompanhado das mudanças que se exigem para o MPLA e, por arrasto, para a governação do país dentro do novo paradigma político, de reforço da democracia, de maior proximidade e uma melhor adaptação às exigências do momento, com maior abertura, maior democraticidade interna, maior debate e maior penetração nas bases, de inclusão e de debate das grandes questões nacionais, para que se mantenha como o principal motor das transformações políticas e sociais. Ao promover a abertura informativa, as liberdades democráticas de expressão, nas suas diversas componentes; a separação de poderes, com realce para o judicial; ao quebrar monopólios e oligopólios, João Lourenço, enquanto Presidente da República, tem usado dos poderes que a Constituição lhe confere para se colocar na linha da frente do combate às práticas nefastas que prejudicam a implementação dos programas gizados pelo Governo e que caíam na teia da corrupção, da impunidade e do deixa andar que envolvia toda a administração pública, ante o silêncio cúmplice do partido no poder que, na mea culpa, promoveu o slogan de “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem.” Na aplicação prática desta ideia de corrigir o que está mal, a nova direcção foi confrontada com uma realidade bem mais dura daquela que se antevia, quer no plano político, como no económico, no financeiro ou no social. Nem mesmo a folga que o preço do barril de petróleo proporciona ou os créditos que Angola tem contraído no exterior têm-se mostrado suficientes para tapar o buraco nas contas públicas e as distorções na economia, não sendo por acaso que Angola se viu obrigada a recorrer ao FMI. A crise financeira e as distorções na economia foram ditadas não apenas por políticas erradas, mas sobretudo pela tal linha de acumulação primitiva de capital, que visava criar uma burguesia nacional, e que acabou por privilegiar uma casta bastante selecta de indivíduos que se apoderou gananciosamente das riquezas e, sobretudo, que quase institucionalizou a impunidade, a corrupção, o nepotismo e a bajulação no lugar da meritocracia, levando à depauperação dos cofres públicos e à exportação de biliões e biliões de dólares e euros que estão a aquecer economias de outros países e que deviam estar ao serviço e beneficio da maioria dos angolanos. Depois, o país perdeu quase um ano com disputas intestinas que uma pretensa bicefalia provocou sobretudo nas hostes do MPLA, onde, não se tenha ilusões, estão alguns dos que estão a ver muitos interesses instalados ao longo de anos a serem hoje questionados, beliscados, tornando-os em anticorpos das mudanças. Por isso, não se deve subestimar a prestação do Presidente da República e, desde ontem novo presidente do MPLA, neste primeiro ano da sua liderança à frente do Estado, durante o qual não se tem cansado de resgatar o bom nome de Angola além fronteiras e manter acesa a esperança num amanhã melhor. Essa dinâmica exige do MPLA o acertar do passo entre o discurso e a prática, acompanhando a passada do líder, aproximandose mais do novo paradigma político, da proximidade, da governação com os governados, de maior abertura, maior debate, maior democracia interna, da democracia electrónica, com um maior uso das novas ferramentas de comunicação, das redes sociais, porque há um grande desafio já ao virar da esquina que serão as eleições autárquicas em 2020. Como o próprio líder já declarou, o país tem pressa, tal o grau de necessidades básicas que inquietam a maioria dos cidadãos, razão mais do que suficiente para que o MPLA se adapte, se transforme, se modernize, reforçando o conceito de grande família que tem permitido as sucessivas vitórias eleitorais, sem mais os unanimismos do passado, mas com o debate aberto e franco, as correntes de opinião e o respeito pela disciplina partidária na hora das conclusões e da execução. Isso exige que o MPLA esteja unido, que consiga a desejada coesão interna e se reconcilie consigo próprio, sarando feridas do seu histórico passado e mantendo a abertura que sempre manifestou para abrir-se a ex-adversários, tarefa que competirá à nova liderança, que será refrescada com novos rostos e o regresso de outros. É o processo de transição que está longe de ter ficado concluído ontem, no congresso extraordinário, e a mudança na liderança da maior e mais representativa força política nacional, cuja acção, repete-se, tem reflexos em toda a sociedade. Ontem, virou-se uma página importante no MPLA. Definitivamente, nada será como dantes!