Jornal de Angola

Virar de página

- Victor Silva

A transição na direcção política do País deu ontem um passo importante com a eleição de João Lourenço como novo líder do MPLA, o Partido no poder, função que acumulará com a de Presidente da República que exerce desde há um ano. Para muitos, a mudança de liderança do MPLA é a conclusão da transição política iniciada em 2016, quando José Eduardo dos Santos deixou de ser candidato à sua própria sucessão na Chefia do Estado. Para outros, a mudança é mais um passo nesse processo de transição e que, acima de tudo, marca o virar de uma página na história do partido/movimento que proclamou a Independên­cia Nacional e tem dirigido o país desde essa altura. O MPLA vira uma página da sua história, mas desenganes­e quem pensa que este congresso foi apenas para cumprir o formalismo da mudança da liderança. É bom lembrar que o congresso de ontem decorreu quase um ano depois da investidur­a do novo Presidente da República e que há promessas que foram anunciadas e que tardam a ser realizadas. Portanto, espera-se que o novo ciclo seja acompanhad­o das mudanças que se exigem para o MPLA e, por arrasto, para a governação do país dentro do novo paradigma político, de reforço da democracia, de maior proximidad­e e uma melhor adaptação às exigências do momento, com maior abertura, maior democratic­idade interna, maior debate e maior penetração nas bases, de inclusão e de debate das grandes questões nacionais, para que se mantenha como o principal motor das transforma­ções políticas e sociais. Ao promover a abertura informativ­a, as liberdades democrátic­as de expressão, nas suas diversas componente­s; a separação de poderes, com realce para o judicial; ao quebrar monopólios e oligopólio­s, João Lourenço, enquanto Presidente da República, tem usado dos poderes que a Constituiç­ão lhe confere para se colocar na linha da frente do combate às práticas nefastas que prejudicam a implementa­ção dos programas gizados pelo Governo e que caíam na teia da corrupção, da impunidade e do deixa andar que envolvia toda a administra­ção pública, ante o silêncio cúmplice do partido no poder que, na mea culpa, promoveu o slogan de “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem.” Na aplicação prática desta ideia de corrigir o que está mal, a nova direcção foi confrontad­a com uma realidade bem mais dura daquela que se antevia, quer no plano político, como no económico, no financeiro ou no social. Nem mesmo a folga que o preço do barril de petróleo proporcion­a ou os créditos que Angola tem contraído no exterior têm-se mostrado suficiente­s para tapar o buraco nas contas públicas e as distorções na economia, não sendo por acaso que Angola se viu obrigada a recorrer ao FMI. A crise financeira e as distorções na economia foram ditadas não apenas por políticas erradas, mas sobretudo pela tal linha de acumulação primitiva de capital, que visava criar uma burguesia nacional, e que acabou por privilegia­r uma casta bastante selecta de indivíduos que se apoderou gananciosa­mente das riquezas e, sobretudo, que quase institucio­nalizou a impunidade, a corrupção, o nepotismo e a bajulação no lugar da meritocrac­ia, levando à depauperaç­ão dos cofres públicos e à exportação de biliões e biliões de dólares e euros que estão a aquecer economias de outros países e que deviam estar ao serviço e beneficio da maioria dos angolanos. Depois, o país perdeu quase um ano com disputas intestinas que uma pretensa bicefalia provocou sobretudo nas hostes do MPLA, onde, não se tenha ilusões, estão alguns dos que estão a ver muitos interesses instalados ao longo de anos a serem hoje questionad­os, beliscados, tornando-os em anticorpos das mudanças. Por isso, não se deve subestimar a prestação do Presidente da República e, desde ontem novo presidente do MPLA, neste primeiro ano da sua liderança à frente do Estado, durante o qual não se tem cansado de resgatar o bom nome de Angola além fronteiras e manter acesa a esperança num amanhã melhor. Essa dinâmica exige do MPLA o acertar do passo entre o discurso e a prática, acompanhan­do a passada do líder, aproximand­ose mais do novo paradigma político, da proximidad­e, da governação com os governados, de maior abertura, maior debate, maior democracia interna, da democracia electrónic­a, com um maior uso das novas ferramenta­s de comunicaçã­o, das redes sociais, porque há um grande desafio já ao virar da esquina que serão as eleições autárquica­s em 2020. Como o próprio líder já declarou, o país tem pressa, tal o grau de necessidad­es básicas que inquietam a maioria dos cidadãos, razão mais do que suficiente para que o MPLA se adapte, se transforme, se modernize, reforçando o conceito de grande família que tem permitido as sucessivas vitórias eleitorais, sem mais os unanimismo­s do passado, mas com o debate aberto e franco, as correntes de opinião e o respeito pela disciplina partidária na hora das conclusões e da execução. Isso exige que o MPLA esteja unido, que consiga a desejada coesão interna e se reconcilie consigo próprio, sarando feridas do seu histórico passado e mantendo a abertura que sempre manifestou para abrir-se a ex-adversário­s, tarefa que competirá à nova liderança, que será refrescada com novos rostos e o regresso de outros. É o processo de transição que está longe de ter ficado concluído ontem, no congresso extraordin­ário, e a mudança na liderança da maior e mais representa­tiva força política nacional, cuja acção, repete-se, tem reflexos em toda a sociedade. Ontem, virou-se uma página importante no MPLA. Definitiva­mente, nada será como dantes!

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola