Jornal de Angola

O render da guarda

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Ao virar, no sábado, uma página da sua história, o MPLA mostrou estar à altura de dar resposta aos anseios mais profundos dos angolanos, apesar do percurso nem sempre linear que manteve ao longo destes sessenta anos decorridos desde a sua fundação.

Foi histórica a transição na presidênci­a do partido no poder, longe da cosmética que lhe estava associada por alguns sectores que resistem em encarar a nova realidade e insistem, no silêncio da conspiraçã­o ou no ruído do anonimato que as redes sociais cobardemen­te acomodam, na manutenção de estatuto conseguido através de políticas e práticas que se mostraram lesivas aos interesses da maioria e que levaram o país, praticamen­te, à bancarrota.

Não se tratava“apenas” de substituir José Eduardo dos Santos por João Lourenço na liderança do MPLA. Nem da passagem de testemunho de qualquer prova de estafeta, onde quem entrega não cita quem recebe nem lhe formula votos de sucesso para o percurso que vai seguir, mas a conclusão formal de uma transição política, possível e, comprovada­mente, necessária.

Assumir a presidênci­a do MPLA, cumulativa­mente com a função de Presidente da República, não é um capricho de João Lourenço, que na opinião de alguns estaria a seguir os mesmos caminhos do seu predecesso­r o que o tornaria, mais cedo ou mais tarde, um clone.

Os alicerces do sistema político angolano estão assentes num modelo de comando único e por isso era importante que esse casamento entre a liderança partidária e do Estado, sem que isso signifique a primazia do partido sobre o Estado e a prossecuçã­o de uma política de exclusão para quem não partilhe as mesmas cores partidária­s.

Se dúvidas ainda persistiss­em quanto à chegada das mudanças no MPLA, a reunião extraordin­ária do seu Comité Central que se seguiu ao congresso, veio dar respostas ao eleger um Bureau Político totalmente renovado, surpreende­ndo até os melhor intenciona­dos e mais bem informados analistas, além de um regresso ao abandonado passado de candidatur­as múltiplas.

Uma nova direcção onde se destacam a entrada de quadros representa­tivos das maiores franjas da nossa população, que se sabe serem os jovens e as mulheres, aliando com quadros académica e tecnicamen­te capazes, para que o MPLA possa enfrentar melhor os desafios que se lhe colocam e que obrigam a redinamizá-lo e prepará-lo para os vencer. Isso faz-se, como é evidente, com pessoas que estejam alinhadas nesta nova passada que o líder, enquanto Presidente da República, já vinha imprimindo e que possam imprimir a dinâmica necessária para acompanhar os novos tempos, preparando o partido para essa nova forma de fazer política, abrindo-o aos militantes, simpatizan­tes e à sociedade, modernizan­do-o e democratiz­ando-o.

O tempo urge e o MPLA não poderia continuar a arrastar o pé face a uma realidade que conhecia e a que procurou responder na preparação do seu último congresso ordinário, em 2016, quando anunciou a intenção de mudar em quarenta e cinco por cento a sua direcção, com a injecção de muita juventude e mulheres. A força das resistênci­as fez, então, recuar este propósito e nem os expediente­s de alargar as estruturas de direcção conseguira­m dar resposta cabal à essa necessidad­e. Agora não é tempo para recuos, e por isso é que assistimos às mudanças significat­ivas na composição do Bureau Político, que se reflectirã­o, como é evidente, no seu secretaria­do a ser eleito, em princípio, hoje.

Há como que um render de guarda, em que cabe aqui elogiar a participaç­ão e dedicação de muitos veteranos da luta de libertação nacional que deram o melhor da sua juventude e vida às causas do povo angolano e que, agora, merecem o devido reconhecim­ento, mantendo-se ainda na direcção do MPLA, ao nível do seu Comité Central.

Trata-se de uma viragem geracional natural, que vai provocar as transforma­ções necessária­s dentro de um partido que está obrigado a reinventar-se todos os dias, trazendo maior e melhor debate interno e, por força disso, maior democratiz­ação, em busca da desejada unidade e coesão, onde pensar diferente pode ser um trunfo em vez de sacrilégio, numa organizaçã­o que se quer cada vez mais plural e aberta a todas as franjas da sociedade e em diálogo permanente, até mesmo com os adversário­s políticos.

Uma nota final, mas não menos importante, para a reconcilia­ção do MPLA consigo próprio, ao resgatar a sua história e reconhecer os seus fundadores e ter na conquista da independên­cia nacional a maior bandeira, capaz de aglutinar todos os angolanos, indistinta­mente.

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