A presença bíblica no poeta-maior
Em “Presença
Bíblica na Poesia de Agostinho Neto”, outro ensaio inserido nessa obra, o escritor galego Xosé Lois García começa por afirmar que “Não é desconcertante que a poesia de Agostinho Neto esteja impregnada e contextualizada na mensagem bíblica, facto que relaciona, e bem, com o ambiente familiar em que nasceu e viveu o poeta.
Xosé Lois García chama, por exemplo, a atenção para o artigo publicado no boletim "O Estandarte”, do grupo religioso a que pertencia o seu pai “ainda adolescente”. Nesse texto, Neto escreveu: “Para viver é preciso vencer. Para vencer é preciso lutar. Para vencer uma luta é preciso a força.” O ensaísta continua a sua abordagem ao texto com mais uma passagem do original de Neto: “A guerra contra o mal é uma luta de morte: ou vencemos e vivemos, ou somos vencidos e morremos.”
A muitos, desavisados ou mal-intencionados, pode até provocar mal-estar qualquer referência bíblica quando se aborda a vida e obra de Agostinho Neto, o que advém de preconceitos que teimam em criar.
Algumas coisas que são ditas hoje em dia são de tal forma eivadas de preconceitos, frases feitas e novos chavões, que qualquer tentativa de diálogo se torna difícil ou até mesmo impossível. Ainda assim, não hesitamos em referir Alvato Trigo, que num ensaio com o título “O Evangelismo Poético em Agostinho Neto”, no livro que vimos citando, afirma estar o programa de vida de Neto “poematicamente inserido num pan-negrismo afirmador dum humanismo participante do universal e um projecto poético eivado duma cosmovidência à libertação das “consciências desesperadas”, dando-lhes a “sagrada esperança” de que o momento solene do “içar da bandeira” toda a coragem seria celebrada e toda a escravidão seria redimida”.
Trigo, que realça não ser canónico “provocar a identificação entre o homem e a obra”, baseiase num techo do poema “A Voz Igual” (“Ressuscitar o homem/ nas explosões humanas do dia a dia”), para referir que essa ressurreição “é, afinal, a síntese de um projecto escatológico para o homem angolano que A. Neto procurava cumprir na poesia e na vida”.
Resta-nos acrescentar, ainda nos amparando em Salvato Trigo, que Agostinho Neto levou ao mundo “a voz de um povo oprimido, subjugado pelos valores de uma civilização, ela própria escrava de si mesma e, por isso, obnubiladora das consciências mais despertas para a igualdade universal”, e terminar com um trecho do poema “Kinaxixi”:
“depois do sol posto/ acenderiam as luzes/ e eu/ iria sem rumo/ a pensar que a nossa vida é simples afinal/ demasiado simples/ para quem está cansado e precisa de marchar.”