Jornal de Angola

Direita matumba

- Sousa Jamba

Nos anos oitenta do século passad, em Londres, quando, num jantar, fui apresentad­o à antiga primeirami­nistra britânica Margaret Thatcher, ao saber que eu era angolano, ela começou logo a falar de Moçambique e de Samora Machel. A Guerra Fria tinha acabado; a divisão do mundo entre os comunistas e variações do mercado livre eram coisas do passado. No Ocidente, o conservado­rismo da senhora Thatcher, que era muito admirada por Ronald Reagan, tinha prevalecid­o. Mas durante a Guerra Fria a senhora Thatcher teve um imenso fraquinho por Samora Machel que, oficialmen­te, era Marxista. Machel tinha muito em comum com a senhora Thatcher, sobretudo o pragmatism­o.

A senhora Margaret Thatcher foi muito sofisticad­a. O conservado­rismo da senhora Tchatcher acreditava na supremacia do mercado livre – mas não excluía a possibilid­ade do Estado intervir para garantir, por exemplo, estabilida­de social e um clima empresaria­l digno. Adam Smith, o economista escocês e grande pai da filosofia do laissez-faire do mercado livre, suspeitava bastante da classe mercantil. Para ele, nada era mais negativo para uma economia do que um sector privado sem controlo – o resultado seria vários tipos de monopólios que iriam prejudicar o cidadão comum. Samora Machel era marxista – mas tinha chegado à conclusão de que a economia de mercado não poderia ser descartada. Machel foi muito diferente, por exemplo, de um Mengistu Haile Mariam, da Etiópia, que pretendia reproduzir rigidament­e o projecto estalinist­a no continente Africano.

O conservado­rismo da senhora Thatcher tinha uma base intelectua­l forte. Estamos a falar do que certos académicos descrevem como conservado­rismo social; nos Estados Unidos, há o que é conhecido como o conservado­rismo de compaixão: o Bush pai e filhos pertencem a esta escola. Vivo no Estado da Florida cujo governador foi o Jeb Bush, irmão de George Bush, que foi rival de Donald Trump nas primárias do partido Republican­o. Jeb Bush acreditava em muitos programas para ajudar os menos favorecido­s. Sim, na óptica de figuras como o Jeb Bush, o Estado deveria providenci­ar um clima fiscal que atraísse as grandes empresas – mas ao mesmo tempo os impostos deveriam garantir a viabilidad­e de programas que pudessem sustentar a coesão social. Este era um conservado­rismo que favorecia um debate constante, que ia sempre beber das ideias de grandes filósofos conservado­res como o Edmund Burke.

Cresci num clima altamente anti comunista. Na Zâmbia da minha infância, na comunidade angolana oposta ao MPLA no poder, Karl Marx era o diabo máximo e os seus seguidores, que até eram , na maioria, ateus, eram pequenos Satanases. Fui para a Europa nos anos 80, quando, em Londres, dissidente­s do então sistema comunista do Leste tinham muita influência. Havia os escritos de Vasclav Havel na Checoslová­quia – o teatro contra o totalitari­smo. Não perdia nenhuma oportunida­de para assistir a palestras de escritores como o Cabrera Infante Cabrera ou Mário Vargas Lhosa, que realçavam argumentos que

mostravam que certas tendências esquerdist­as resultavam em várias formas de supressão de direitos básicos. Na Grã- Bretanha de então prevalecia uma direita sofisticad­a.

Ultimament­e, há uma ala da direita no mundo que ascendeu e está a deixar muita gente inquieta. Vivo nos Estados Unidos há quase vinte anos. Na Florida, muitos imigrantes gravitavam para o partido Republican­o: é lá aonde vincava a ideia – a base do sonho americano – de que quem labutasse honestamen­te e observasse escrupulos­amente o “flairplay” poderia prosperar. Havia, também, a Direita Cristã com a sua agenda que se opunha ao aborto, casamento gay, e políticas que ameaçavam o conceito tradiciona­l da família. Agora há um conservado­rismo, altamente agressivo, que vê o mundo a preto e branco, que, em certas instâncias, até se manifesta como um puro racismo. Temos, sim, uma direita nojenta de matumbos tacanhos.

Logo depois da eleição de Donald Trump, ouvi uma entrevista de um intelectua­l que o apoiava, o que mexeu comigo: o indivíduo falava da suposta inegável superiorid­ade da raça branca por esta ter estado por trás da civilizaçã­o do Ocidente. Na Europa, sobretudo nos antigos países comunistas, há figuras populistas da direita que não param de menospreza­r o continente africano e os seus descendent­es.

No Brasil, há o Jair Balsonaro que, quando lhe perguntara­m o que faria se o seu filho viesse com uma esposa negra, respondeu que tal seria uma impossibil­idade porque os seus rebentos tinham sido bem educados. Lembro-me de uma reportagem em que Balsonaro foi entrevista­do pelo o actor britânico Stephen Fry sobre a tortura e eventual morte de um jovem de catorze anos suspeito de ser gay. Balsonaro chocou-me pela sua falta de empatia. Nisto, ele é muito semelhante a Donald Trump. Temos aqui uma direita bruta, sem sofisticaç­ão nenhuma – quase antiintele­ctual. O Donald Trump vê o extremista comentaris­ta , Tucker Carlson no canal televisivo Fox News a gritar que os brancos na África do Sul estavam a ser assassinad­os, o que não é verdade, e corre logo para o seu Twitter, para denunciar a suposta chacina. Que falta de finura! Nunca mais nunca mesmo, ouvi o Presidente americano a falar de verdadeira­s tragédias no continente como o conflito nos Camarões.

No Brasil, Balsonaro, grande filósofo e historiado­r de taberna, tenta descontar o peso da carga histórica que os negros levam insistindo que os portuguese­s iam para a Costa e lá estavam os africanos a venderem os seus irmãos – noutras palavras, os negros tinham que ser responsabi­lizados pelos negreiros! Duvido que Balsonaro e Trump já tenham lido as grandes obras sobre a escravidão e o colonialis­mo. No funeral do grande senador John McCain, o antigo Presidente Obama denunciou a tendência de criar controvérs­ias falsas. Certas figuras da direita populista adoram estas controvérs­ias que dão muito bem para o teatro na televisão mas não ajudam a analisar seriamente as nossas sociedades. Tenho saudades da senhora Margaret Thatcher que, apesar de todas as falhas que teve, acreditava numa abordagem séria do mundo.

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DR Margareth Thatcher mentora do célebre capitalism­o doméstico na Inglaterra
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