Síria: o Petróleo por detrás do conflito
Um avião russo foi derrubado, há dias, no teatro da guerra, na Síria. “A culpa é de Israel e iremos retaliar”. Reagiram, de imediato, os russos, entre as avaliações inerentes para identificar o autor do derrube da aeronave, dentre as forças militares dos países, em presença no conflito que perdura pouco mais de cinco anos, na conturbada região do Médio Oriente.
Encruzilhada de três continentes - Europa, África, Ásia o Médio Oriente foi, desde a antiguidade, lugar de passagem e campo de batalha, entre os vários impérios que se constituíram, na região, dos faraós aos persas, do império Otomano do oriente, aos mongóis, passando pelos francos e normandos. Para os árabes, em geral, e os nacionalistas, em particular, Damasco foi a capital do maior império muçulmano da história que se estendia da península ibérica à Ásia central e cercava, por completo, o mediterrâneo.
No século XIX é contra os turcos que os países europeus colonizados (Grécia, Bulgária, Albânia, Bósnia, etc.) forjaram os seus nacionalismos, apoiados, pelas potências europeias da época (Reino Unido, França, Áustria, Rússia) no que foi entendido como uma nova cruzada anti- islâmica. Com a expansão colonial europeia o médio oriente foi, de novo, o palco de rivalidades, entre Reino Unido e a França, por um lado, a Rússia, por outro. Para os ingleses, o controlo do mediterrâneo oriental era essencial, para o controlo da via marítima, para a Índia, jóia da coroa britânica. Os franceses reivindicavam a Síria e o Líbano, como herdeiros dos reinos cristãos, da idade média. Os russos protectores dos cristãos ortodoxos se diziam herdeiros dos imperadores do oriente, mas ao perderem a guerra da Crimeia viram travada a sua expansão para sul, por uma coligação de forças turcas, inglesas e francesas, antes de serem definitivamente afastados do reparto colonial do médio oriente, pela Primeira Guerra Mundial. Esta marcou o fim do império Otomano, cujos despojos foram divididos, entre os vencedores franceses, ingleses e americanos. É desta época que datam a descoberta do petróleo e o início da emigração judia, para a Palestina – Declaração Balfour e colonização sionista. Para obter o apoio dos árabes, contra os turcos, aliados dos alemães, os ingleses prometeram a criação de um reino árabe, com Damasco, como capital.
Esta breve evocação histórica pode parecer supérflua, mas é indispensável, para compreender o que está em jogo, neste momento, à volta do fim da guerra, no Iraque e, sobretudo, na Síria. Se a Rússia, depois de anos de expectativa decidiu intervir militarmente, na Síria, é porque Putin viu reunidas as condições, para ganhar vantagens estratégicas, numa região que continua essencial, para a protecção do flanco sul da Rússia, que abriga fortes minorias muçulmanas, prontas a reivindicar a independência (duas guerras na Chechénia). A intervenção russa tinha, também, um carácter, ao mesmo tempo, patriótico e religioso (proteger os cristãos do oriente), enquanto as intervenções ocidentais só agravavam as divisões sectárias (Persas contra árabes; sunitas contra xiitas; resistências sunitas, no Qatar, Koweit, etc).
Contudo, importa, do mesmo modo, ter em conta que a guerra da Síria, como defendem certos analistas, não é motivada por uma “dimensão ideológica”que move forças, porque em situações do género, há sempre um interesse material por detrás. E, no caso presente é o petróleo e o gás) que está, por detrás de um conflito que tem sido devastador, tendo como protagonistas potências militares regionais e à nível global, com o emprego de vasta e da mais moderna tecnologia de guerra da actualidade.
“As raízes do conflito surgem, em 2009. Bashar Al-Assad quer desenvolver a Síria. Avança com um plano: tornar o país uma plataforma para pipelines e gasodutos”, cujas negociações envolviam o Qatar, a Arábia Saudita, a Jordânia e a Turquia, a partir de onde o gás e o petróleo chegariam ao ocidente. Entretanto, o presidente sírio desenhou uma outra via alternativa, de modo a contornar a passagem dos hidrocarbonetos, por aqueles países e outros da região. Inclui, nesse projecto, o Irão e o Iraque, com a “luz verde” da Rússia. A partir, daí, Bashar Al-Assad “compra” uma guerra que vai destruindo, por completo, a Síria e perdura, até este momento, configurando um jogo geopolítico e geoestratégico bastante interessante, com a Rússia, apesar do último incidente (abatimento de uma aeronave sua), continua a apostar fortemente numa diplomacia e intervenção militar que considera importante, para um desfecho favorável, normais curto espaço de tempo.
Uma possível vitória militar russa, na Síria significa muito mais que a conservação de um aliado e de algumas bases militares. Coloca Putin na posição de árbitro capaz de dialogar com todas as partes (Turquia, Irão, Arábia Saudita e Israel), de ter em conta os seus receios e de negociar os seus compromissos, além de testar um arsenal militar altamente sofisticado, capaz de rivalizar com o poderio tecnológico dos EUA. E é contra isto – a transformação de uma vitória militar em vitória política que o ocidente “faz fogo”, com todos os meios ao seu dispor, com o risco de relançar a guerra e os islamistas radicais. Conseguiu, até agora, impedir Putin de reunir todos os protagonistas numa conferência internacional de paz, para o médio oriente, com alguma excepção relutante, como é óbvio, mas com outros interessados, em ouvir o que Putin tem, para lhes oferecer.