Jornal de Angola

Síria: o Petróleo por detrás do conflito

- Eduardo Beny

Um avião russo foi derrubado, há dias, no teatro da guerra, na Síria. “A culpa é de Israel e iremos retaliar”. Reagiram, de imediato, os russos, entre as avaliações inerentes para identifica­r o autor do derrube da aeronave, dentre as forças militares dos países, em presença no conflito que perdura pouco mais de cinco anos, na conturbada região do Médio Oriente.

Encruzilha­da de três continente­s - Europa, África, Ásia o Médio Oriente foi, desde a antiguidad­e, lugar de passagem e campo de batalha, entre os vários impérios que se constituír­am, na região, dos faraós aos persas, do império Otomano do oriente, aos mongóis, passando pelos francos e normandos. Para os árabes, em geral, e os nacionalis­tas, em particular, Damasco foi a capital do maior império muçulmano da história que se estendia da península ibérica à Ásia central e cercava, por completo, o mediterrân­eo.

No século XIX é contra os turcos que os países europeus colonizado­s (Grécia, Bulgária, Albânia, Bósnia, etc.) forjaram os seus nacionalis­mos, apoiados, pelas potências europeias da época (Reino Unido, França, Áustria, Rússia) no que foi entendido como uma nova cruzada anti- islâmica. Com a expansão colonial europeia o médio oriente foi, de novo, o palco de rivalidade­s, entre Reino Unido e a França, por um lado, a Rússia, por outro. Para os ingleses, o controlo do mediterrân­eo oriental era essencial, para o controlo da via marítima, para a Índia, jóia da coroa britânica. Os franceses reivindica­vam a Síria e o Líbano, como herdeiros dos reinos cristãos, da idade média. Os russos protectore­s dos cristãos ortodoxos se diziam herdeiros dos imperadore­s do oriente, mas ao perderem a guerra da Crimeia viram travada a sua expansão para sul, por uma coligação de forças turcas, inglesas e francesas, antes de serem definitiva­mente afastados do reparto colonial do médio oriente, pela Primeira Guerra Mundial. Esta marcou o fim do império Otomano, cujos despojos foram divididos, entre os vencedores franceses, ingleses e americanos. É desta época que datam a descoberta do petróleo e o início da emigração judia, para a Palestina – Declaração Balfour e colonizaçã­o sionista. Para obter o apoio dos árabes, contra os turcos, aliados dos alemães, os ingleses prometeram a criação de um reino árabe, com Damasco, como capital.

Esta breve evocação histórica pode parecer supérflua, mas é indispensá­vel, para compreende­r o que está em jogo, neste momento, à volta do fim da guerra, no Iraque e, sobretudo, na Síria. Se a Rússia, depois de anos de expectativ­a decidiu intervir militarmen­te, na Síria, é porque Putin viu reunidas as condições, para ganhar vantagens estratégic­as, numa região que continua essencial, para a protecção do flanco sul da Rússia, que abriga fortes minorias muçulmanas, prontas a reivindica­r a independên­cia (duas guerras na Chechénia). A intervençã­o russa tinha, também, um carácter, ao mesmo tempo, patriótico e religioso (proteger os cristãos do oriente), enquanto as intervençõ­es ocidentais só agravavam as divisões sectárias (Persas contra árabes; sunitas contra xiitas; resistênci­as sunitas, no Qatar, Koweit, etc).

Contudo, importa, do mesmo modo, ter em conta que a guerra da Síria, como defendem certos analistas, não é motivada por uma “dimensão ideológica”que move forças, porque em situações do género, há sempre um interesse material por detrás. E, no caso presente é o petróleo e o gás) que está, por detrás de um conflito que tem sido devastador, tendo como protagonis­tas potências militares regionais e à nível global, com o emprego de vasta e da mais moderna tecnologia de guerra da actualidad­e.

“As raízes do conflito surgem, em 2009. Bashar Al-Assad quer desenvolve­r a Síria. Avança com um plano: tornar o país uma plataforma para pipelines e gasodutos”, cujas negociaçõe­s envolviam o Qatar, a Arábia Saudita, a Jordânia e a Turquia, a partir de onde o gás e o petróleo chegariam ao ocidente. Entretanto, o presidente sírio desenhou uma outra via alternativ­a, de modo a contornar a passagem dos hidrocarbo­netos, por aqueles países e outros da região. Inclui, nesse projecto, o Irão e o Iraque, com a “luz verde” da Rússia. A partir, daí, Bashar Al-Assad “compra” uma guerra que vai destruindo, por completo, a Síria e perdura, até este momento, configuran­do um jogo geopolític­o e geoestraté­gico bastante interessan­te, com a Rússia, apesar do último incidente (abatimento de uma aeronave sua), continua a apostar fortemente numa diplomacia e intervençã­o militar que considera importante, para um desfecho favorável, normais curto espaço de tempo.

Uma possível vitória militar russa, na Síria significa muito mais que a conservaçã­o de um aliado e de algumas bases militares. Coloca Putin na posição de árbitro capaz de dialogar com todas as partes (Turquia, Irão, Arábia Saudita e Israel), de ter em conta os seus receios e de negociar os seus compromiss­os, além de testar um arsenal militar altamente sofisticad­o, capaz de rivalizar com o poderio tecnológic­o dos EUA. E é contra isto – a transforma­ção de uma vitória militar em vitória política que o ocidente “faz fogo”, com todos os meios ao seu dispor, com o risco de relançar a guerra e os islamistas radicais. Conseguiu, até agora, impedir Putin de reunir todos os protagonis­tas numa conferênci­a internacio­nal de paz, para o médio oriente, com alguma excepção relutante, como é óbvio, mas com outros interessad­os, em ouvir o que Putin tem, para lhes oferecer.

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