Sua Excia. Ministra, com todo o respeito, assim não chegamos lá
Ninguém há de querer ser professor universitário nestas condições, ninguém quererá ser desprezado, mal pago e desvalorizado em hasta pública, em termos concretos a docência será apenas uma profissão cada vez mais acessória, para juntar mais alguns cobres
Não foi há muitos dias que vimos na televisão pública e na privada, a ministra do Ensino Superior dizer que as verbas para investigação e capacitação do ensino superior nem chegavam aos 0,01 do OGE 2018, isto não é novidade para a classe docente, que por seus próprios meios investiu em si mesmo, capacitando-se para estar à altura dos desafios sempre crescentes do nosso ensino superior.
Mas a Sra. ministra não disse tudo, não disse por exemplo que o Estado por mais de 15 anos praticamente abandonou os docentes, não valorizou as suas carreiras, não investiu nas infra-estruturas e principalmente sufocou esta classe à perda constante do poder de compra com salários miseráveis e vergonhosos.
Na verdade, a Sr. ministra deve saber que o ensino superior foi mantido a custa dos professores e funcionários administrativos que mesmo ganhando mal e recebendo sempre em data incerta e por esta razão desrespeitados pelos estudantes, e principalmente por uma sociedade em geral que, sempre que as coisas correm mal (na economia ou na política), aponta o dedo para a academia, sem saber esta academia só serve para aparecer em estatísticas vazias e figurativas.
Toda a gente sabe que os professores ganham mal, por este motivo não têm acesso aos créditos habitação, automóvel ou consumo, não são contemplados pelos programas habitacionais do Estado, não estão abrangidos por qualquer seguro de saúde, subsídios especiais como alguns funcionários ministeriais ou seja, os professores estão sempre no fim da cadeia alimentar.
Sim, os professores sempre ficaram com os restos, contudo há dois lugares em que os professores estão à frente, nos discursos políticos e nas estatísticas para fora, aí sim os professores já devem e são valorizados e os números de universidades já são importantes, sem na verdade se valorizar o principal elemento da engrenagem.
Sr. ministra, os professores compram os seus livros com dinheiro próprio, pagam a sua licenciatura, mestrado e doutoramento do seu bolso, porque estes entendem que não é gasto algum, mas sim investimento neles mesmos e numa Angola melhor, é desta forma que contribuem para que tenhamos técnicos superiores cada vez mais competitivos em relação aos expatriados.
É importante que a Sra. ministra entenda a tristeza dos professores quando questionam aos seus estudantes quantos deles quereriam ser professores e a resposta é redonda “nenhum de nós” e não se lhes pode recriminar, pois isto acontece porque dar aulas no ensino superior deixou de constituir nobreza, mas sim sinónimo de pobreza e vergonha.
Ninguém há de querer ser professor universitário nestas condições, ninguém quererá ser desprezado, mal pago e desvalorizado.
Em hasta pública, termos concretos a docência será apenas uma profissão cada vez mais acessória, para juntar mais alguns cobres ao rendimento mensal, por mais que se queira e se tenha um imenso prazer em ensinar, é humanamente impossível.
E como deve entender Sra. ministra, se a docência é acessória, não conte com os docentes para a investigação propriamente dita, não conte a docência como viveiro de ideias de negócio para a economia, nem como vanguarda do saber na investigação médica, não espere dos docentes que façam omeletes sem ovos.
A aprovação do novo Estatuto da Carreira Docente foi uma das maiores armadilhas que mesmo o valoroso SIMPROF também caiu, não se entende como é possível que um estatuto excepcional, depois de anos de abandono, seja mais proibitivo do que um estatuto feito em condições normais em plena concertação entre as partes. O Estado abandonou durante anos os professores do ensino superior, não actualizou os seus salários, retirou e não devolveu os seus subsídios devidos e principalmente, não actualizou as suas carreiras, e deixou com que um professor ficasse estagnado e enterrado na mesma categoria por mais de 15 anos.
De repente para salvar o convento faz sair um novo estatuto excepcional, que limita a subida de carreira destes docentes, ou seja, por exemplo um professor assistente, que está há mais de 15 anos na mesma categoria, sem acesso à formação e capacitação para aumentar o grau académico, não pode seguir para a categoria seguinte porque não é doutor (por não ter doutoramento).
Esta barreira administrativa e propositada é colocada para todos os professores que hoje são estagiários, assistentes e auxiliares, pois apesar de serem efectivos há mais de 15 anos, terem publicações e todos outros requisitos, não podem transitar porque não são senhores doutores.
Já foi dito pela Sra. ministra e aqui repetido, que o Estado não investe na investigação, não concede verbas para formação pós-licenciatura para os docentes, muito menos para o doutoramento, então com que direito e intenção se impõe esta condição proibitiva aos docentes? Será que precisamos de ser doutores para obtermos resposta?
Diz-se que este provimento é excepcional para a actualização da carreira docente, mas de excepcional não tem nada, pois ficar 15 anos na mesma categoria não é excepcionalidade, mas sim falta de respeito e tal falta de respeito é agravada quando são se nota uma total falta de flexibilidade do órgão reitor do ensino superior.
Nada mais natural, e sem estar a pedir favor algum, que os professores sejam actualizados na carreira pelo tempo de efectividade, dedicação, avaliação de desempenho, publicações e principalmente pelo contributo que todos deram e continuam a dar à sociedade sem exigir quase nada ou receber em troca, sendo o mínimo que se pode recompensar a esta classe, pelos anos perdidos em termos profissionais.
Esperemos que se corrija esta situação “excepcional” enquanto há tempo sob pena de se abrir um fosso entre o Estado e os professores, até porque garantidamente com as devidas condições de investigação e investimento no sector, os docentes estariam muito acima de um mero diploma de doutoramento. Estariam objectivamente a assinar pesquisas úteis para a sociedade e a contribuir com o seu saber para a sustentabilidade económica nacional.
Poderíamos estar aqui a falar de muitas situações lesivas à classe docente que num país com inflação a dois dígitos há mais de 10 anos, uma taxa de câmbio que em quase um ano desvalorizou 100 por cento. Os salários dos professores continuam os mesmos. Contudo apenas se pede no curto prazo. É uma reflexão séria de como se está a tratar o professor universitário.
O professor universitário não pode ser visto como adversário ou inimigo do Estado. Ele é sim um parceiro e muitas vezes cúmplice do Estado, pois é dos que mais sofre quando a economia está em dificuldades, independentemente da sua coloração partidária e credo religioso, para formar o homem, o técnico e o professor do amanhã. O que se pede é apenas mais respeito e dignificação da carreira docente, para que se resgate o orgulho de ensinar e formar o homem novo.