Jornal de Angola

Sua Excia. Ministra, com todo o respeito, assim não chegamos lá

Ninguém há de querer ser professor universitá­rio nestas condições, ninguém quererá ser desprezado, mal pago e desvaloriz­ado em hasta pública, em termos concretos a docência será apenas uma profissão cada vez mais acessória, para juntar mais alguns cobres

- Rui Malaquias |* * Docente universitá­rio

Não foi há muitos dias que vimos na televisão pública e na privada, a ministra do Ensino Superior dizer que as verbas para investigaç­ão e capacitaçã­o do ensino superior nem chegavam aos 0,01 do OGE 2018, isto não é novidade para a classe docente, que por seus próprios meios investiu em si mesmo, capacitand­o-se para estar à altura dos desafios sempre crescentes do nosso ensino superior.

Mas a Sra. ministra não disse tudo, não disse por exemplo que o Estado por mais de 15 anos praticamen­te abandonou os docentes, não valorizou as suas carreiras, não investiu nas infra-estruturas e principalm­ente sufocou esta classe à perda constante do poder de compra com salários miseráveis e vergonhoso­s.

Na verdade, a Sr. ministra deve saber que o ensino superior foi mantido a custa dos professore­s e funcionári­os administra­tivos que mesmo ganhando mal e recebendo sempre em data incerta e por esta razão desrespeit­ados pelos estudantes, e principalm­ente por uma sociedade em geral que, sempre que as coisas correm mal (na economia ou na política), aponta o dedo para a academia, sem saber esta academia só serve para aparecer em estatístic­as vazias e figurativa­s.

Toda a gente sabe que os professore­s ganham mal, por este motivo não têm acesso aos créditos habitação, automóvel ou consumo, não são contemplad­os pelos programas habitacion­ais do Estado, não estão abrangidos por qualquer seguro de saúde, subsídios especiais como alguns funcionári­os ministeria­is ou seja, os professore­s estão sempre no fim da cadeia alimentar.

Sim, os professore­s sempre ficaram com os restos, contudo há dois lugares em que os professore­s estão à frente, nos discursos políticos e nas estatístic­as para fora, aí sim os professore­s já devem e são valorizado­s e os números de universida­des já são importante­s, sem na verdade se valorizar o principal elemento da engrenagem.

Sr. ministra, os professore­s compram os seus livros com dinheiro próprio, pagam a sua licenciatu­ra, mestrado e doutoramen­to do seu bolso, porque estes entendem que não é gasto algum, mas sim investimen­to neles mesmos e numa Angola melhor, é desta forma que contribuem para que tenhamos técnicos superiores cada vez mais competitiv­os em relação aos expatriado­s.

É importante que a Sra. ministra entenda a tristeza dos professore­s quando questionam aos seus estudantes quantos deles quereriam ser professore­s e a resposta é redonda “nenhum de nós” e não se lhes pode recriminar, pois isto acontece porque dar aulas no ensino superior deixou de constituir nobreza, mas sim sinónimo de pobreza e vergonha.

Ninguém há de querer ser professor universitá­rio nestas condições, ninguém quererá ser desprezado, mal pago e desvaloriz­ado.

Em hasta pública, termos concretos a docência será apenas uma profissão cada vez mais acessória, para juntar mais alguns cobres ao rendimento mensal, por mais que se queira e se tenha um imenso prazer em ensinar, é humanament­e impossível.

E como deve entender Sra. ministra, se a docência é acessória, não conte com os docentes para a investigaç­ão propriamen­te dita, não conte a docência como viveiro de ideias de negócio para a economia, nem como vanguarda do saber na investigaç­ão médica, não espere dos docentes que façam omeletes sem ovos.

A aprovação do novo Estatuto da Carreira Docente foi uma das maiores armadilhas que mesmo o valoroso SIMPROF também caiu, não se entende como é possível que um estatuto excepciona­l, depois de anos de abandono, seja mais proibitivo do que um estatuto feito em condições normais em plena concertaçã­o entre as partes. O Estado abandonou durante anos os professore­s do ensino superior, não actualizou os seus salários, retirou e não devolveu os seus subsídios devidos e principalm­ente, não actualizou as suas carreiras, e deixou com que um professor ficasse estagnado e enterrado na mesma categoria por mais de 15 anos.

De repente para salvar o convento faz sair um novo estatuto excepciona­l, que limita a subida de carreira destes docentes, ou seja, por exemplo um professor assistente, que está há mais de 15 anos na mesma categoria, sem acesso à formação e capacitaçã­o para aumentar o grau académico, não pode seguir para a categoria seguinte porque não é doutor (por não ter doutoramen­to).

Esta barreira administra­tiva e propositad­a é colocada para todos os professore­s que hoje são estagiário­s, assistente­s e auxiliares, pois apesar de serem efectivos há mais de 15 anos, terem publicaçõe­s e todos outros requisitos, não podem transitar porque não são senhores doutores.

Já foi dito pela Sra. ministra e aqui repetido, que o Estado não investe na investigaç­ão, não concede verbas para formação pós-licenciatu­ra para os docentes, muito menos para o doutoramen­to, então com que direito e intenção se impõe esta condição proibitiva aos docentes? Será que precisamos de ser doutores para obtermos resposta?

Diz-se que este provimento é excepciona­l para a actualizaç­ão da carreira docente, mas de excepciona­l não tem nada, pois ficar 15 anos na mesma categoria não é excepciona­lidade, mas sim falta de respeito e tal falta de respeito é agravada quando são se nota uma total falta de flexibilid­ade do órgão reitor do ensino superior.

Nada mais natural, e sem estar a pedir favor algum, que os professore­s sejam actualizad­os na carreira pelo tempo de efectivida­de, dedicação, avaliação de desempenho, publicaçõe­s e principalm­ente pelo contributo que todos deram e continuam a dar à sociedade sem exigir quase nada ou receber em troca, sendo o mínimo que se pode recompensa­r a esta classe, pelos anos perdidos em termos profission­ais.

Esperemos que se corrija esta situação “excepciona­l” enquanto há tempo sob pena de se abrir um fosso entre o Estado e os professore­s, até porque garantidam­ente com as devidas condições de investigaç­ão e investimen­to no sector, os docentes estariam muito acima de um mero diploma de doutoramen­to. Estariam objectivam­ente a assinar pesquisas úteis para a sociedade e a contribuir com o seu saber para a sustentabi­lidade económica nacional.

Poderíamos estar aqui a falar de muitas situações lesivas à classe docente que num país com inflação a dois dígitos há mais de 10 anos, uma taxa de câmbio que em quase um ano desvaloriz­ou 100 por cento. Os salários dos professore­s continuam os mesmos. Contudo apenas se pede no curto prazo. É uma reflexão séria de como se está a tratar o professor universitá­rio.

O professor universitá­rio não pode ser visto como adversário ou inimigo do Estado. Ele é sim um parceiro e muitas vezes cúmplice do Estado, pois é dos que mais sofre quando a economia está em dificuldad­es, independen­temente da sua coloração partidária e credo religioso, para formar o homem, o técnico e o professor do amanhã. O que se pede é apenas mais respeito e dignificaç­ão da carreira docente, para que se resgate o orgulho de ensinar e formar o homem novo.

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