O país é outro na aplicação do Direito
Na semana em que João Lourenço completou um ano de governação, o sector da Justiça desencadeou acções destinadas a sinalizar, de forma inequívoca, que o país é outro em matéria de aplicação do Direito.
A colocação, pela Procuradoria Geral da República, de ex-gestores públicos em regime de prisão domiciliar e de prisão preventiva, era, mais dias menos dias, expectável, até mesmo como consequência natural dos pronunciamentos feitos no sentido de a Justiça desempenhar papel de relevo na moralização da sociedade.
Quer na cerimónia de investidura quer em diferentes outros momentos o Presidente da República foi pedindo ao Sector da Justiça acção no sentido de contribuir para a reforma do Estado. Na abertura do ano judicial, a 13 de Março, João Lourenço sublinhou que “o combate à corrupção e à impunidade em Angola é um caminho a seguir sem recuo, quer pelos servidores públicos quer pela sociedade em geral”, e realçou o papel do sistema de justiça “como cadeia de instituições que concorrem para a prevenção, a educação e o combate aos crimes de natureza económica e conexos”.
Para uma boa parte do público a Procuradoria Geral da República, com essas detenções, está a passar da palavra aos actos.
Em boa verdade, é preciso dizê-lo, os processos judiciais não começaram (e não começam) com as detenções. Eles tiveram início com investigações, a notificação das pessoas para responderem a inquéritos e a sua constituição em arguidos, que, em processo penal, é todo aquele contra quem exista uma suspeita, séria, de ter praticado um determinado facto punível. Ou seja, aquele sobre quem recai a suspeita de ter praticado um facto tipificado como crime na nossa ordem jurídica.
A constituição de uma pessoa como arguido confere-lhe direitos e deveres. Desde logo o de constituir um advogado de defesa. E bom é dizer que um arguido não é necessariamente um réu (para o caso em apreço só o passa a ser após o despacho de pronúncia do juiz), além de que não é já um condenado, pois só o tribunal tem a faculdade de proferir a sentença condenatória, e ela só transita em julgado quando dela já não é susceptível recurso.
Cabe ao tribunal provar que os crimes de que são acusados os réus (por enquanto apenas arguidos) foram ou não cometidos. Enquanto todo este processo não for concluso, prevalece o princípio da presunção de inocência e, mais importante do que tudo, mesmo depois de condenado, o réu não perde a sua dignidade enquanto pessoa humana.
Outro dado importante, é que a Lei das Medidas Cautelas em Processo Penal fixa um prazo máximo de seis meses até o cidadão ter o despacho de pronúncia, que é uma primeira apreciação de que se aceita a acusação do Ministério Público. Mas a Lei fixa também um prazo geral, que vai até à condenação, o qual está estabelecido no artigo 40º, que pode ser de até 12 meses.
A prisão preventiva é decretada em casos excepcionais e é dever do Ministério Público fundamentar sempre essa decisão. Foi, com efeito, o que fez a Procuradoria Geral da República ao emitir o comunicado em que deduz acusação contra as pessoas visadas.
À media cabe acompanhar os principais e diferentes momentos desses processos judiciais e dar-lhes o tratamento jornalístico que merecem, sabendo de antemão que só importam os factos de interesse público relevante e que estes se sobrepõem, em determinadas circunstâncias, a outros, quando a notoriedade pública da pessoa envolvida assim o justifica.
Em sede de combate à corrupção, à impunidade, aos crimes de natureza económica, e tendo em conta a projecção mediática destes casos, o que se pode dizer é que a Justiça está a dar os primeiros passos nesse sentido.
Os desafios que tem pela frente, não tenhamos dúvidas, são inúmeros. Mas será preciso dar continuidade à luta.
O facto de o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos ter denunciado, na terça-feira, a existência de países que não estão a colaborar no processo de repatriamento de capitais, é sinónimo de que Angola vai ter de travar batalhas diplomáticas para recuperar muitos desses activos.
Explorar todos os instrumentos jurídicos internacionais para conseguir que o país possa estar a salvo de “engenharias financeiras” que prejudiquem o seu tesouro, é uma das vias que deve ser seguida de imediato e que, estou certo, as autoridades competentes já o estão a fazer.
Nos tempos que correm, os mecanismos estão de tal sorte aperfeiçoados que pouca, ou quase nenhuma, margem sobra para muitas das iniciativas manifestamente danosas para o erário público.
Para uma boa parte do público a Procuradoria Geral da República, com essas detenções, está a passar da palavra aos actos
* Director Nacional de Publicidade. A sua opinião não engaja o Ministério da Comunicação Social