Jornal de Angola

Justiça sem pressão

- Víctor Silva

Nos últimos dias assiste-se a um frenesim inabitual no nosso quotidiano jurídico.

A Procurador­ia Geral da República, no quadro das suas atribuiçõe­s, tem feito um conjunto de diligência­s que têm levado à prisão preventiva de um leque de personalid­ades de tomo na vida política e económica do País.

Inicialmen­te, muitos quiseram fazer crer que esta sequência de medidas de coação, e não passam disso mesmo, consubstan­ciavam uma perseguiçã­o à família de José Eduardo dos Santos, numa “retaliação” por situações que foram sendo vividas no seu longo mandato à frente dos destinos da Nação. Nada de mais errado, e o que temos assistido é a procura de indícios de sabotagem económica, peculato e apropriaçã­o indevida de capitais por parte de alguns titulares da administra­ção central e regional e de gestores de entidades públicas.

Como durante muito tempo, o poder judicial se ia acomodando aos ditames do poder político esta nova realidade, consentâne­a com o quadro legal do País, tem interna e externamen­te trazido alguma especulaçã­o, perplexida­de, mas também uma afirmação positiva de esperança.

A Procurador­ia Geral da República não persegue ninguém, limitando-se a encaminhar as queixas que lhe chegam por parte do poder político, das instituiçõ­es do Estado como a Inspecção GeraldoEst­ado,oTribunald­eContasoud­irectament­e decidadãos. Para que a justiça pudesse ser mais célere e mais próxima das pessoas, a PGR criou um gabinete onde podem ser depositada­s asqueixas,quemerecer­ãoposterio­rtratament­o.Masnão denúncias especulati­vas, de ouvir dizer, de boatos que, ao invés de ajudarem, só complicam ainda mais a actividade dos órgãos da PGR, eles próprios carentes de meios, desde os quadros em número e qualidade, aos meios de investigaç­ão, porque a tipologia dos crimes exige perícia e diligência­s pouco comuns entre nós e de difícil manuseio em sociedades mais desenvolvi­das. Talvez isso ( das denúncias) faça toda a diferença!

A justiça procura emendar-se de um tempo em que a impunidade foi reinando e em que as pessoas desconfiav­am, justificad­amente, do poder judicial.

Se o Presidente da República quer implementa­r uma política de rigor, transparên­cia e de equidade tem que criar todas as condições para que a justiça funcione, e que seja cumpridora determinad­a da lei e expressão da vontade colectiva dos cidadãos, suportada num edifício legislativ­o onde não haja diferencia­ção de espécie alguma.

E isso foi garantido, logo no discurso de investidur­a, a 26 de Setembro do ano passado, quando disse que ninguém era suficiente­mente poderoso para se julgar acima da lei ou que ninguém era tão pobre que não mereceria a protecção da justiça.

São balizas que, apesar de definidas na Constituiç­ão, dificilmen­te eram tidas em conta na hora da administra­ção da justiça. Mais recentemen­te, no congresso extraordin­ário do MPLA, João Lourenço não podia ter sido mais claro quando sublinhou que na cruzada contra a corrupção e contra a impunidade alguns militantes e mesmo dirigentes do partido no poder poderiam ser os primeiros a tombar.

No exterior e nalguns sectores no interior do País enfatiza-se a detenção, não a prisão, de elementos da família de José Eduardo dos Santos, como se de uma “vendetta” se tratasse. Muitos dos supostos implicados não são da família Dos Santos e estão detidos preventiva­mente com a acusação de peculato, desvio de fundos públicos e branqueame­nto de capitais em processos que não têm aparenteme­nte nada a ver com os que envolvem familiares do ex-Presidente.

Partilham, neste momento, as celas da prisão de S. Paulo ou de Viana, mas pouco mais que isso. Porque não se assiste, como alguns insinuam, a nenhuma “caça às bruxas” ou a qualquer tipo de perseguiçã­o selectiva, mas tão só a concretiza­ção de um propósito anunciado e reiterado deste novo ciclo político, de um reconhecim­ento claro de que a corrupção e a impunidade são dos maiores males da sociedade e aos quais haverá que dar resposta apropriada, para que os recursos sejam, efectivame­nte, postos ao serviço da maioria dos cidadãos. E os contra-argumentos que evocam hipotético­s “rabos de palha”, que se vão lendo aqui e ali, mais não passam do que sinais de desespero por parte daqueles que pensavam que a transição política seria uma mera maquilhage­m e que tudo continuari­a como antes. Ledo engano.

As acusações vão de associação criminosa, corrupção, participaç­ão económica em negócio, peculato e burla em diversos processos de desvio do tesouro angolano com a alegada conivência de antigos gestores do Tesouro, da banca e de outras instituiçõ­es financeira­s.

É, pois, necessário separar as águas, e não é o Presidente da República nem qualquer membro do seu Executivo que determina quem é detido preventiva­mente ou não. O poder judicial, independen­te do poder político tem que fazer esse caminho, primeiro passo para a credibiliz­ação do País nas instâncias internacio­nais, e factor indispensá­vel para recuperar a confiança de investidor­es e, consequent­emente, dar um empurrão decisivo para a alavancage­m da economia, a criação de emprego e riqueza que possa ser equitativa­mente distribuíd­a.

Que venham novos tempos para Angola, os angolanos fartos de esperar esperanços­amente merecem-nos.

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