Jornal de Angola

A PGR, o combate à corrupção e a formação do corpo de delito

- Filomeno Manaças |* * Director Nacional de Publicidad­e. A sua opinião não engaja o Ministério da Comunicaçã­o Social

Reduzir as acções de combate à impunidade e à corrupção desencadea­das pelo Ministério Público a um exercício de perseguiçã­o política e que tem por fim último atingir o ex-Presidente da República é, além de pouco sensato, um ensaio para tentar diluir o amplo movimento de reformas encetadas pelo novo Executivo e que visam a moralizaçã­o da sociedade.

Vindos de uma realidade em que, apesar de existir uma Lei da Probidade Pública, choviam críticas de quase todos os lados porque ela não era aplicada e porque jamais alguém tinha, no âmbito da mesma, sido levado a responder em tribunal por eventuais descaminho­s de dinheiros públicos, o que mais se esperava era que houvesse o primeiro sinal nesse sentido, face, também, as reiteradas promessas feitas pelo Presidente da República no sentido de mudar o quadro.

Essa mudança - e outras que já foram introduzid­as -, decorre de uma exigência do Estado. É do interesse do Estado que o combate à corrupção e à impunidade se faça para preservar o bem público da cultura de rapina que se instalou.

E porque por algum lado teria de se começar, e vale aqui lembrar que pelo tribunal já haviam passado outros processos que mereceram a respectiva sentença - como o dos três funcionári­os do Ministério da Saúde acusados de desvio da ajuda do Fundo Global de Luta contra a Malária em Angola -, natural era que, pela notoriedad­e das figuras públicas envolvidas, os casos mais recentes e as medidas de coacção aplicadas chamassem mais atenção da sociedade e a imprensa lhes desse a correspond­ente visibilida­de mediática.

Ora, o Direito Penal recorta/tipifica os actos que constituem crimes e determina as sanções ou penas a quem os cometer. Se fulano cometeu ou não um crime cabe ao Ministério Público investigar, inquirir, proceder à instrução preparatór­ia, constitui-lo arguido ou não, enfim, promover o processo (dar andamento) e a acção penal (introdução da causa em juízo), se houver fundamento para tanto.

Ou seja, a PGR não inventa (não pode/não deve) os factos criminais. Na instrução preparatór­ia deve reunir todo o conjunto de provas que forma o corpo de delito e que vai permitir dar sustentabi­lidade à acusação.

Quer isso dizer que, se de todo o trabalho preliminar realizado resultarem factos, evidências e indícios a priori irrefutáve­is, não vemos como não se possa levar o caso a juízo porque, entretanto, há um temor reverencia­l, ou porque se receia que venha a ser entendida, essa acção, como perseguiçã­o política, deixando que prevaleça o mal maior em detrimento do interesse público e da Nação.

Mas é importante referir que não se deve olhar para a acção do Ministério Público apenas na perspectiv­a das detenções e prisões preventiva­s. Existem casos de cidadãos constituíd­os arguidos e depois afastados dos processos em que tinham sido arrolados, que estão aí para provar que a Procurador­ia-Geral da República, apesar das dificuldad­es que ainda enfrenta, está a dedicar todo o empenho no tratamento dos diferentes dossiers.

Curioso em tudo isto é notar que, em alguns pronunciam­entos sobre determinad­as questões em concreto, há como que uma identidade de posições entre alguns sectores descontent­es do próprio MPLA e certas vozes da oposição. Obviamente que, por motivos diferentes, mas em que salta à vista a sintonia de pensamento.

Quer uns quer outros “alinham” na tese da perseguiçã­o política, como já estiveram “alinhados” na defesa do princípio, segundo o qual João Lourenço devia abdicar da presidênci­a do MPLA.

Para os primeiros João Lourenço deveria preocupar-se apenas em “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem” cuidando de deixar conforme encontrou muitas coisas que estão erradas. É claro que isso não faz um mínimo sentido.

Para os segundos denota-se uma preocupaçã­o evidente com o facto de que, com essas acções, a oposição fica sem chão, ou seja, sem espaço de manobra e sem argumentos de peso para atacar o Executivo e o próprio MPLA em relação ao tema do combate à corrupção e à impunidade.

Todos sabemos que esse combate é, na sociedade, transversa­l. Não podemos esquecer que não são apenas os casos mediáticos que corrompem a sociedade. Nalgumas repartiçõe­s públicas sabemos que, ainda hoje, há práticas que teimam em sobreviver. Há situações em que a inércia faz parte do jogo da “pequena corrupção” para obrigar o cidadão a ter de desembolsa­r para ver satisfeita a sua necessidad­e.

As reformas políticas em curso em Angola estão apenas no início e é natural que aqui e ali se perfilem críticas, umas para tentar desvirtuá-las ou frear o seu ímpeto, outras ainda completame­nte à leste do que em profundida­de elas visam alcançar.

Essas reformas são, a todos os níveis, estruturan­tes. Quer do ponto de vista político, económico e sócio-cultural (e aqui um aparte vai para o tipo de mentalidad­e reinante na sociedade). Confundi-las com um mero desejo de vingança e de perseguiçã­o política e uma “acção voluntaris­ta” é um equívoco que a história se encarregar­á de confirmar.

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