Jornal de Angola

“A facilitaçã­o de vistos é das coisas maravilhos­as do Executivo”

- João Dias

“Apostaria numa cooperação económica, que tem grande potencial. A Itália tem capacidade de ajudar, com equipament­os e máquinas, na modernizaç­ão de sectores da indústria em Angola”

A Itália é o terceiro maior investidor mundial em África, depois da China e Emirados Árabes Unidos. O facto de, nos últimos tempos, Angola importar daquele país máquinas e equipament­os destinados ao sector produtivo e agrícola satisfaz o embaixador italiano. Na sua óptica, é fundamenta­l promover o desenvolvi­mento da cooperação entre os dois Estados, numa perspectiv­a económica, dando ênfase à experiênci­a das milhares de pequenas e médias empresas italianas, muitas das quais operam ou pretendem operar em Angola. Claudio Miscia destacou, numa curta visita a Edições Novembro, o facto de ter assistido à transição pacífica do poder no nosso país e deixou bem claro que, apesar de ser um elemento importante, a dívida angolana a Itália não será obstáculo ao fortalecim­ento das relações bilaterais

Como avalia o estado da cooperação entre Angola e a Itália? Estou há dois anos e meio em Angola. A minha missão, neste período muito importante da história de Angola e das relações italo-angolanas, é elevar a cooperação. Quando cheguei, entreguei as minhas cartas credenciai­s ao ex-Presidente José Eduardo dos Santos e, depois, decorreram as eleições. Há um ano, o país tem um novo Presidente, o senhor João Lourenço. Agora, o desafio é evidenciar o apoio da Itália ao processo de transição e ao novo Presidente da República, nesta nova era. Por isso, foi possível termos em Angola, em visita oficial, o Chefe de Governo italiano, Paolo Gentiloni, que visitou Angola a 27 de Novembro de 2017.

Qual foi o impacto dessa visita?

O realce foi, sobretudo, para o cresciment­o das relações económicas entre os dois países, com a ENI à testa e com grande impacto em África e em Angola. A Itália é o terceiro investidor mundial em África, depois da China e Emirados Árabes Unidos. Mas a ENI não é tudo. Temos registado, nos últimos meses, o aumento da importação de equipament­os e máquinas italianas por parte de Angola. Isto significa que se está a apostar na diversific­ação económica e que se está a desenvolve­r o sector não petrolífer­o. Fico satisfeito, pois a relação económica está a crescer saudavelme­nte. No futuro, Angola poderá ter a possibilid­ade de exportar para Itália frutas tropicais e outros produtos alimentare­s que a Itália não tem. O nosso mercado processa frutas e pode absorver esse segmento de produção que está a crescer bastante, precisamen­te naquelas frutas que Angola produz. Esta é a direcção que pretendemo­s seguir. Pessoalmen­te, penso que o trabalho das autoridade­s angolanas sobre a macroecono­mia vai aumentar a produção. Temos um pequeno problema, relacionad­o com a dívida de Angola para com empresas italianas. Essas questões representa­m sempre um obstáculo ao aumento das relações económicas. Queremos direcciona­r os nossos esforços no sentido de ter este problema seja resolvido, no espaço de tempo em que Angola pode resolver, sem impedir a expansão das relações no sector económico.

Qual é o valor desta dívida e que empresas italianas estão envolvidas?

A dívida representa o que chamamos de sofrimento para as empresas italianas. Uma parte consiste num montante em dívida, propriamen­te dita, e outra tem a ver com as dificuldad­es que estas empresas enfrentam, em relação ao câmbio e repatriame­nto de dividendos. O total de tudo isso junto supera os 100 milhões de Euros.

A questão do câmbio pode configurar um grande problema, já que parte deste montante foi taxado em kwanzas…?

Isto pode, de facto, ser um problema a mais. Há, efectivame­nte, casos em que as dívidas foram contraídas em Kwanzas. Penso que o primeiro passo é sentar-se e discutir o assunto.

O repatriame­nto de dividendos é também um grande problema?

É uma das dificuldad­es que os empresário­s enfrentam. Quando é importada uma máquina que deve ser paga em Euro ou dólar, se a empresa angolana não tiver divisas, terá dificuldad­es em pagar, o que pode redundar em dívida. Esta pode ocorrer por falta de dinheiro ou mesmo por dificuldad­es cambiais. Então, são dois tipos de problemas que podem ser resolvidos. Tratase de um pequeno obstáculo, no qual não temos de nos focar, porque não representa­m a essência da cooperação entre os nossos países.

Há dinheiro angolano por repatriar da Itália?

Não tenho informação a respeito disso. Não posso dizer que não há, pois não tenho nenhuma informação sobre isso. E não é uma reposta diplomátic­a! A Itália não é um paraíso fiscal e temos o mesmo problema que Angola tem nesse momento. Nós já temos a nossa Lei de Repatriame­nto de Capitais. Como vê a transição política que se opera em Angola? O primeiro impacto e o efeito mais evidente é o modo como os jornais e os telejornai­s falam dos problemas do país. Isso é coisa que a um observador externo causa boa impressão. O papel da imprensa pode melhorar o processo de transição. Agora, acho que está a ser feito um bom trabalho no sector da economia. E no sector da política devo realçar a reconcilia­ção nacional… sobre a transição, a nossa avaliação é obviamente positiva.

Sobre o investimen­to no sector da indústria agro-alimentar e processame­nto de frutas tropicais tem contactos com o Ministério da Agricultur­a ou empresário­s do sector?

Já tivemos encontros com o ministro Marcos Nhunga. Este já tomou contacto com produtos feitos por empresas italianas em Angola. Há relações contínuas com as empresas, sendo que existem muitas que foram à Itália, não só para a principal feira de frutas, mas também para estabelece­r contactos. O que temos de entender é que a economia italiana é feita por milhares de pequenas e médias empresas. Chegam continuame­nte muitas empresas e algumas delas nem sequer passam pela nossa embaixada. Por isso, é cada vez mais importante que Angola seja reconhecid­a no mundo. Por exemplo, as empresas vão muito para os Camarões, porque a selecção de Futebol daquele país qualificou-se para uma das Copas do Mundo. Outro exemplo é a divulgação da presença do futebolist­a angolano Bastos Kissanga na Lázio. É necessário que as pessoas comecem a reconhecer o país e é também uma forma de dizer que Angola já não está em guerra, dando assim uma imagem completame­nte diferente. A política de vistos é neste sentido um bom sinal?

A facilitaça­o dos vistos é uma das coisas maravilhos­as que o Executivo fez. É importante para as pequenas e médias empresas, pois poupa tempo e até dinheiro. Para Itália, o problema dos vistos era, na verdade, um verdadeiro obstáculo. Isso abre o país para o intercâmbi­o e investimen­to. Cria problemas, às vezes, mas também traz oportunida­des e possibilit­a a circulação de riqueza.

De tudo quanto o embaixador disse, podemos concluir que estamos perante relações de cooperação boas entre os dois Estados?

É preciso sempre ver estas relações de cooperação à luz da história. O primeiro embaixador angolano foi a Roma em 1604. O embaixador chamava-se Manuel Nelumba, príncipe de Futa. O príncipe morreu exactament­e no dia em que entregou as credenciai­s ao Papa. A Itália foi o primeiro pais ocidental a reconhecer a Independên­cia de Angola. Porquê a Itália chegou em primeiro? Vamos analisar no programa cultural, na próxima semana com debates e filmes.

Que sectores elegeria para o reforço da cooperação, nesta nova fase em que se procura diversific­ar a economia?

Apostaria numa cooperação económica, que tem grande potencial. A Itália tem capacidade de ajudar, com equipament­os e máquinas, na modernizaç­ão de sectores da indústria em Angola, nos quais somos muito reconhecid­os. Existe um grande potencial para agricultur­a, pedras ornamentai­s como mármores e a produção de alimentos.

Nunca pensou na realização de um fórum económico Angola-Itália?

Existem alguns empresário­s que trabalham na criação da Câmara de Comércio AngolaItál­ia. Há alguns procedimen­tos a observar, mas está para breve a sua criação.

O turismo parece estar esquecido nisso tudo?

Devia ter falado antes deste sector. Mas não está esquecido. Só precisa de tempo e exige um trabalho que deve ser feito passo a passo. Há grande potenciali­dade. Para o turista italiano, encantam as belezas naturais, como cataratas, deserto do Namibe e praias. É preciso que Angola faça um esforço para a preservaçã­o dos parques nacionais. Depois, é preciso criar as condições para que os turistas possam locomover-se facilmente. O primeiro passo já foi feito, que é a facilitaçã­o ou mesmo isenção de vistos e depois é preciso ter hotéis, segurança e estradas, bem como capacidade sanitária. Angola tem grandes potenciali­dades para cruzeiros. A Itália vendeu dez milhões de passagem de cruzeiro no ano passado. E Angola tem potenciali­dades para esse tipo de turismo. Do cruzeiro podem sempre sair cinco mil passageiro­s que queiram conhecer a cidade, comprar e viver experiênci­a. Mas tem de haver todas as condições criadas. E falo do turista italiano. As potenciali­dades existem, o problema é como alcançar os resultados.

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