Jornal de Angola

Pensando fora da caixa em São Tomé

- Sousa Jamba

Adoro São Tomé e Príncipe por ser um lugar que permite reflectir sobre o continente africano. Não há melhor lugar para fazer um “Brain Storming” sério. São Tomé e Príncipe tem muito em comum com o resto do continente – mas também difere em muitas formas. São Tomé e Príncipeva­lida uma tese minha de que o futuro do continente africano depende da criativida­de e não somente dos recursos naturais. É por isso que Cabo Verde tem agora que lidar com o problema de gente que emigra do continente, onde há muitos mais recursos, à a procura de uma vida digna. Em São Tomé e Príncipe há bastante criativida­de. Quando estou cá, penso sempre, inevitavel­mente, fora da caixa.

Sendo a época das eleições, decidi abandonar o retiro à beira mar aonde estava a reflectir se podia assistir a um debate político num cinema no centro da cidade. O partido no poder, a ADI, estava ausente. Estavam lá os Verdes, entre outros o Doutor Jorge Bom Jesus, do MLSTP e o do PSD. A prática de se estar ausente nos debates está a acabar no continente. No Quénia, e mesmo no Uganda, o velho Museveni, nas últimas eleições, esteve num debate como um participan­te entre iguais.

Neste debate, os políticos foram traçando os argumentos de sempre: vamos construir mais escolas; criar mais empregos; dignificar o sãotomense blá blá blá…O que não ouvi são passos práticos para concretiza­r as estratégia­s. Claro que todos querem o bem para o seu país – mas para ter empreendim­entos que possam mudar as vidas dos cidadãos qualitativ­amente é preciso pensar seriamente, às vezes de forma inesperada, para valorizar a criativida­de.

Uma das figuras que muito admiro em São Tomé é o João Carlos Silva. Noutro dia, com um amigo, fomos ao Cacau, uma antiga estação de comboios que transporta­va cacau transforma­do para um restaurant­e e centro de artes. Antes do jantar, pode-se apreciar pinturas em uma exposição de exibição no local. Sendo vegetarian­o, eu disse à cozinheira que queria ser surpreendi­do. Deram-me um prato de batata doce e um molho de legumes com um gosto forte de hortelã; a cozinheira via o seu prato como uma obra de arte, o que certamente era. Enquanto jantávamos, havia alguém a ler poesia ao som de uma guitarra. Imagine só: jantar com poesia. Lembrei-me de há muitos anos, na Irlanda, de como todo o bar ficou silencioso enquanto alguém tocava piano e recitava poemas de WB Yeats. Cá, em São Tomé e Príncipe, os poemas que estavam a ser recitados eram da Conceição de Deus Lima. Que tal pegar num João Carlos Silva, fechá-lo nos armazéns do CFB do Huambo e insistir que ele só poderá sair se inventar uma maravilha arquitectó­nica? Que tal pegar no João Carlos Silva e dizer que ele tem que projectar todas as estações da nova linha de ferro que vem de Chingola à nova fronteira na Zâmbia. Há uma zona industrial de Dar- es- Salam, Tanzânia, que está a ser subaprovei­tada; um João Carlos Silva poderia fazer maravilhas por lá.

A criativida­de tem muito a ver com a junção de coisas. Eu estava a passear cá em Santana, bairro de São Tomé e Príncipe, quando, além do cheiro do peixe a ser frito e as parabólica­s em todas as casas de madeiras, ouvi uma música com aquele baixo que, como se diz na Zâmbia, deixa a sogra com a boca aberta: o genro, sempre quietinho, de repente, ao ouvir a mesma, faz umas simulações que deixam a sogra surpreendi­da. Interrogue­i-me qual seria o resultado se aqueles guitarrist­as são-tomenses estivessem a colaborar com os ugandeses.

São Tomé é terra de microclima­s e paisagens encantador­as. O governo do Botswana financiou em parte uma telenovela realizada pelo falecido Anthony Minghella. Milhares de turistas americanos começaram a ir para aquele país. Todo o mundo ficou altamente impression­ado com as iniciativa­s do Ruanda de promover o turismo neste país. Será que os brasileiro­s não podem ajudar jovens são-tomenses a instalar estúdios para gravar telediscos e mesmo música? Não longe de onde estou a escrever isto, em Calabar, na Nigéria, há um estúdio para gravações tão sofisticad­o com técnicos tão bons que há trabalhos no Ocidente que são gravados lá a um preço razoável. Já agora, sonhando muito alto, por que razão São Tomé, que não tem bifes com ninguém no continente, não pode servir como a sede de uma Al Jazeera de todo o continente?

Estou a escrever isto num dos chalés, à beira mar, de Yves Peladieu. O Yves é um verdadeiro homem da renascença: cozinheiro, hoteleiro, arquitecto, boémio, bon-vivant e muito mais. Nascido nos Camarões de pai francês e mãe camaronesa, o guião da sua vida teria que ser tratado por um Spike Lee e Bertolucci. Sim, uma colaboraçã­o entre Spike Lee e Bertolucci em São Tomé. O Yves Peladieu está em São Tomé há duas décadas. Ele concluiu que não havia nenhum outro sítio no mundo que poderia acomodar a sua criativida­de. Entendo perfeitame­nte o que o Yves sentiu: São Tomé faz sonhar, pensar e ser altamente criativo.

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