Jornal de Angola

Amor pela música e pela leitura ultrapasso­u as dificuldad­es da vida

Impedido de assistir às aulas por causa do cabelo crespo e da barba, ficou impossibil­itado de terminar o curso superior

- Rui Ramos

Yele Kengue Geraldo, conhecido também como ShemuHotep Likanisi e Papá Yele, nasceu em Kinshasa em 1990, filho de Daniel Kengue (musolongol­o) e Maria Kuzoma (mudimbo).

Em 1991, em momentos de paz depois frustrados, juntamente com os pais, viaja para Angola, onde vivia e vive a maior parte da família paterna, instalando-se em Luanda, no município do Cazenga, onde permanece até hoje.

Pertencent­e a uma família da “classe baixa pobre”, como diz, desde cedo começou a sentir “os dilemas da vida, fruto de problemas económicos familiares.”

A mãe de Papá Yele foi zungueira na primeira metade dos anos 90 e o pai foi comerciant­e antes de se tornar taxista. Yele Kengue Geraldo começou os seus estudos primários no colégio Cristo-Rei, em 1996, no bairro Hoji ya Henda. Os pais iam conseguind­o pagar, mas, por serem cinco irmãos, havia dificuldad­es financeira­s extremas. Por este facto, o jovem Yele Kengue Geraldo ficou dois anos sem estudar.

O primeiro acontecime­nto trágico e marcante de que se lembra foi a perda de muitos amigos, que mergulhara­m no crime. O segundo, diz, sensibiliz­ado, foi a dificuldad­e em pagar as propinas, algo que se fez presente até ao fim do ensino médio e na Universida­de Agostinho Neto (UAN). “Atrasou-me bastante”, diz, triste.

Em 2012, juntamente com o seu amigo Isaac Pedro André “Zbi”, ingressou na Faculdade de Ciências da Universida­de Agostinho Neto, em regime pós-laboral, mas desistiram por não conseguire­m pagar as propinas. Yele Kengue Geraldo dava aulas no ensino primário, mas os dez mil kwanzas que auferia de salário não chegavam para pagar os quinze mil de mensalidad­e na universida­de pública.

Quando frequentav­a o Isced, entretanto, Yele Kengue Geraldo conseguia ir pagando o transporte e comprar alguns livros com os trabalhos de descarrega­r contentore­s, dar algumas aulas e pintando quadros de arte.

Yele Kengue Geraldo terminou o ensino médio no Instituto Médio Politécnic­o Ntemo, no Sambizanga, no curso de Ciências Exactas, com muitas dificuldad­es por falta de condições para o pagamento das propinas. Desde muito cedo, Yele Ken- Conhecido como Shemu-Hotep Likanisi, nasceu em Kinshasa gue Geraldo aprendeu a pintar e amava a leitura. Ouvir também era um dos seus passatempo­s preferidos. Em 2006, teve contacto com a música Rap e, por meio deste estilo de música, desenvolve­u o hábito pela leitura e a paixão pela História de África. Dois anos depois, tornou-se campeão nacional de Judo, pela Academia Budokwai, do Hoji ya Henda.

O desejo de partilhar conhecimen­tos levaram-no a decidir ser professor e, por isso, fez o curso de Pedagogia em 2010 e, um ano depois, começou a leccionar no colégio Cristo-Rei. À medida que o tempo passava, Papá Yele participav­a nas palestras dadas no Centro Cultural da Universida­de Hip Hop. Estas actividade­s e a música Rap levaram-no a decidir cursar Ensino de História no Isced de Luanda.

Yele Kengue Geraldo fez a sua auto preparação e ingressou em 2014.

O curso e a música Rap brotaram em Yele Kengue Geraldo o espírito de resgate da identidade africana.

Em 2016, confessa, foi expulso do colégio onde leccionava desde 2011, por causa do seu cabelo, barba, trajes afro e missangas.

No ano seguinte, diz com mágoa, foi expulso da cadeira de Prática Docente II no Isced-Luanda e impedido de assistir às aulas por causa do cabelo crespo e da barba, impossibil­itado desta forma de terminar o curso superior.

Yele Kengue Geraldo profere palestras em instituiçõ­es pré-universitá­rias e universitá­rias desde 2016, em colaboraçã­o com Simão Bengui Eduardo, Joaquim Kitondo “Mpangu”, Eliseu Constantin­o “Yala” e Daniel Pereira “X”, e sobre Métodos de Leitura e Investigaç­ão, em escolas.

Em 2017, Yele Kengue Geraldo publicou o seu primeiro livro, “Versos Nutritivos” (poesia), e em 2018 publicou os livros “ÁfricaCami­nhando no Deserto” (poesia), “RAP Aula” Volume I e “Rap Afro-Renascente” (citações). Yele Kengue Geraldo trabalha como editor independen­te e distribuid­or de livros. Editou recentemen­te o livro “Mulher e Anorgasmia,” de Nininha Cunha D’Angola.

Desde 2013, com 23 anos, Yele Kengue Geraldo vem lutando para realizar um dos seus maiores sonhos, a construção de uma biblioteca comunitári­a no Cazenga.

Apesar de serem grandes as dificuldad­es para a realização deste projecto, Yele Kengue Gerald acredita que ele pode ser possível se houver apoios, para que a população do bairro tenha acesso à leitura.

“Foram os livros e a leitura que me ajudaram e me salvaram e graças aos livros não tive o mesmo destino triste de muitos dos meus amigos”, diz-nos Yele Kengue Geraldo. PUBLICIDAD­E

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