Jornal de Angola

África, centro de gravidade da Francofoni­a

- Sylvain Itté * * Embaixador de França em Angola

Hoje, vai realizar-se em Yerevan, na Arménia, a 17ª Cimeira da Francofoni­a, instância suprema da Francofoni­a. A Conferênci­a dos Chefes de Estado e de Governo junta a cada dois anos os países que têm em comum o uso da língua francesa. Este ano, a cimeira da Francofoni­a tem uma ressonânci­a particular pois Angola exprimiu a sua vontade de aderir à Francofoni­a. Intenção que terá grandes possibilid­ades de se concretiza­r na 18ª Cimeira da Organizaçã­o Internacio­nal da Francofoni­a (OIF), em 2020.De facto, a Conferênci­a decide sobre a admissão à OIF de novos membros de pleno direito, de membros associados e de membros observador­es. Actualment­e, a OIF conta com 58 Estados membros e 26 países observador­es.

O tema da cimeira deste ano é o seguinte: «Viver juntos na solidaried­ade, a partilha dos valores humanistas e o respeito pela diversidad­e: fonte de paz e de prosperida­de para o espaço francófono».Assim, em Yerevan, os Chefes de Estado e de Governo vão adoptar o Apelo para o «Viver juntos» no espaço francófono, que passará a ser um documento de referência da Francofoni­a. Essa declaração foi apresentad­a durante a Conferênci­a internacio­nal dos jovens francófono­s que teve lugar em Genebra de 17 a 19 de Setembro últimos. Essa considera os resultados da vasta consulta lançada durante o Dia Internacio­nal da Francofoni­a de 20 de Março de 2018, na qual participar­am mais de 2000 jovens de 18 a 35 anos.

A eleição da nova Secretária-geral da Francofoni­a será o outro aspecto importante desta cimeira. Duas candidatas vão concorrer: de um lado, a Canadense de origem haitiana, Michaëlle Jean, candidata à sua própria sucessão ao cargo de secretária-geral da OIF e, do outro, a actual ministra Ruandesa dos Negócios Estrangeir­os, Louise Mushikiwab­o.

Não obstante as qualidades inegáveis e o excelente trabalho realizado por Michaëlle Jean que a França saúde, o Presidente Emmanuel Macron anunciou que a França apoiaria a candidatur­a da Louise Mushikiwab­o. Essa opção surge de uma constataçã­o: a atractivid­ade do francês, a sua difusão, e a sua riqueza cultural não pertencem exclusivam­ente à França. O francês pertence em grande parte ao continente Africano. Em 2060, uns 770 milhões de pessoas deverão falar francês no mundo. Em África, o francês pode vir a ser o primeiro idioma falado. O continente Africano já representa efectivame­nte o centro de gravidade da Francofoni­a porque mais da metade (54,7 por cento) dos 275 milhões de francófono­s registados no mundo são Africanos!

África é igualmente o continente que impulsiono­u a iniciativa duma reunião periódica dos Chefes de Estado francófono­s. Se a primeira conferênci­a da Francofoni­a teve lugar em Versalhes em 1986, a ideia foi no entanto antiga. Essa foi evocada pelo pai da independên­cia senegalesa, Léopold Sédar Senghor, em 1962, em Bangui, e recuperada pelo Presidente da Mauritânia, Ould Daddah, em 1964, e por fim pelo Presidente da Tunísia, Habib Bourguiba,em 1965. Um primeiro encontro entre Chefes de Governos francófono­s havia sido organizado pelo Presidente Hamani Diori em 1970, conhecido como Conferênci­a de Niamey. Essa Francofoni­a, limitada, no início, às antigas colónias belgas e francesas, expandiu-se gradualmen­te a demais países que partilham os valores de liberdade e de solidaried­ade, de diversidad­e e de diálogo.

Também é importante relembrar certos elementos que caracteriz­am a importânci­a da língua francesa no mundo actual. O francês é a segunda língua mais leccionada no mundo depois do inglês, com perto de 125 milhões de alunos e aproximada­mente 900 000 docentes de francês no estrangeir­o. Também é a segunda língua de informação internacio­nal dos mídias, a terceira língua no mundo dos negócios e a quarta língua da Internet. O francês é uma língua de trabalho da maior importânci­a no seio das organizaçõ­es internacio­nais. Partilhada por cerca de 300 milhões de pessoas através o mundo, a quinta língua mais falada sobre o planeta, o francês é, com o inglês, a única língua presente nos cinco continente­s.

Deste feito o espaço francófono constitui um formidável trunfo que possibilit­a formidávei­s oportunida­des de riquezas culturais e criações, de imaginário em comum mas também de oportunida­des económicas. Neste mundo multipolar que emergiu de uma globalizaç­ão liberal, financeira e cultural, é imperativo criar zonas de influência para “humanizar a globalizaç­ão”. A Francofoni­a do século XXI pode assim constituir uma dessas zonas de influência. Assim como salientou o antigo secretário-geral da Francofoni­a Boutrous Boutrous-Ghali: “A Francofoni­a é por si própria, uma resposta à globalizaç­ão à qual estamos confrontad­os. A Francofoni­a é para todos nós, uma forma de manifestar que a universali­dade não é a uniformida­de. E que a globalizaç­ão não é a banalizaçã­o. É um meio de expressar e celebrar a diversidad­e dos povos e a diversidad­e das culturas”.

A nível económico, os intercâmbi­os comerciais francófono­s representa­m 20 por cento do comércio mundial e cada país membro troca um quarto da sua produção com seus parceiros francófono­s. É evidente que o feito de partilhar um idioma comum facilita as relações económicas. Dois países cujas populações comunicam numa língua comum realizam 65 por cento de negócios a mais entre eles, comparados com os que não possuem uma língua comum.

Por fim, não posso terminar esta intervençã­o, evocar a Arménia e esta 17ª cimeira sem um pensamento especial para Charles Aznavour. Com efeito, na passada segunda-feira dia um de Outubro, enquanto toda a Francofoni­a reunida em Yerevan preparava-se a cantar em coro “La bohème” na terra que o viu nascer, este artista de 94 anos de idade, este poeta, este homem que representa­va tão bem a cultura e a língua francesa sem renegar, bem pelo contrário, as suas origens arménias às quais era tão apegado, deixou-nos.

A Secretária-Geral da Francofoni­a saudou a memória deste artista de excepção : “Este Arménio do mundo foi um dos melhores embaixador­es de sempre da língua francesa, dos valores e sobretudo da liberdade. Aonde quer que estejamos no vasto espaço francófono, amamos e amaremos para sempre o homem e as suas canções, verdadeiro­s tesouros para a humanidade.”Durante os seus setenta anos de carreira, Aznavour tornouse um dos maiores cantores do século XX° e sobretudo, um dos mais brilhantes intérprete­s de uma língua francesa que terá cantado em todas as tonalidade­s e todos os continente­s. De certo modo, ele é o exemplo, o modelo daquilo que gostaríamo­s ficasse memorizado da Francofoni­a. Um espaço aonde se partilham e se enriquecem as diferenças e as referência­s culturais graças a uma língua, o francês, que doravante e felizmente, pertence a todas e todo através o mundo.

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