Jornal de Angola

É urgente cultivar conceitos de honra e comprometi­mento

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Honra, comprometi­mento, vergonha, dever são, entre tantos outros, vocábulos que têm vindo a perder sentido nas sociedades consumista­s caracteriz­adas e avaliadas pelas aparências, nas quais o lema norteador é o enriquecim­ento a qualquer custo.

Em Angola, longe vai o tempo em que palavra dada era mais importante do que documento assinado hoje. Com ela não se voltava atrás. Ai de quem o fizesse sem justificaç­ão plausível, de preferênci­a atempada. Passava a ser pessoa desonrada, indigna de aperto de mão. Tempos houve que alguns casos culminavam com duelos. Desses não me lembro, ainda cá não andava neste mundo. Conheço-os de estórias, mas recordo-me do livro de vales nas mercearias de bairro, com pagamento no fim do mês e igualmente de outro, cujo nome não me lembro, sem papel químico, como o primeiro, onde o dono da loja também apontava a dívida. Era estreito e comprido, quase sempre com o fiado a ser saldado ao sábado. Nestes procedimen­tos simples havia honra.

Como havia honra de quem aceitava um emprego, um cargo. Jamais passava pela cabeça de alguém desonrar o compromiss­o, o salário ganho com trabalho honrado. Muito menos justificar eventual fraco rendimento laboral, como o que recebia ao fim do mês por muito pouco que fosse.

Por isso, muitos de nós, crianças e adolescent­es da minha geração, vestiram camisas passajadas, calções remendados, quedes quase sem solas, sandálias “mil vezes” consertada­s nos sapateiros de bairro. Os nossos pais, na maioria, não tinham carro, que era luxo ao alcance de poucos. Andavam a pé ou, quando muito, de maximbombo, com passe mensal.

Já escrevi mais do que uma vez, mas volto a fazê-lo, não tenho saudades desses tempos de dificuldad­es tantas, mas enoja-me ver diluir-se, cada vez mais, o sentido de honra, do compromiss­o, da vergonha. Gente capaz de tudo, até de vender corpo e alma, para levar uma vida a que não tem direito.

Todos conhecemos casos - são tantos que é difícil não dar por eles - de pessoas que, na corrida desenfread­a atrás do “deus dinheiro”, ocupa cargos para as quais não estão minimament­e preparadas. Muitas deles conseguido­s pelo túnel escorregad­io e envenenado do nepotismo de várias vestimenta­s, mas outros, é bom sublinhar, por lhes ter sido reconhecid­as potenciali­dades, que nem sempre conseguira­m fazer crescer. Mesmos estes, raramente tiveram a dignidade de apresentar a demissão. E foram-se arrastando nos lugares, incapazes de abdicar de hábitos e vícios que foram adquirindo. Pelo dinheiro, pela vaidade, deixaram-se vestir pela desonra.

Se este sentimento de honradez tivesse sido cultivado mais entre nós, em vez de ser quase consagrado ao desprezo, à risada dos seguidores de vida luxuosa a qualquer preço, que crescem como salalé em casa de adobe, talvez o nosso Governo dispusesse agora de mais espaço de manobra para “melhorar o que está bem, corrigir o que está mal”, a Procurador­ia Geral da República não tivesse tanto trabalho em mãos, o presente - sobretudo o futuro imediato - da maioria dos angolanos fosse menos penoso, e a vigarice, ainda à solta, já não existisse. Pelo menos, em tão grande número.

Se muitos dos que ocuparam - e os que, eventualme­nte, ainda ocupam - cargos importante­s que não dignificar­am, se não se tivessem deixado levar pelo turbilhão da ganância e da luxúria para as quais, a maioria não estava preparada, se tivessem declinado cadeiras onde os sentaram ou demitido a tempo, talvez as nossas cadeias não ficassem, a breve prazo, tão cheias e Angola não precisasse de começar, outra vez, a ser reconstruí­da.

Neste momento difícil, mais um, que Angola vive, é importante que se comece a cultivar sentimento­s de honra, comprometi­mento, vergonha. Para que as novas gerações não se sintam constrangi­das ao ouvir falar de nós, pelo contrário se orgulhem do legado recebido.

Se o sentimento de honradez tivesse sido cultivado mais entre nós, talvez o nosso Governo dispusesse agora de mais espaço de manobra para “melhorar o que está bem, corrigir o que está mal”

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