Doenças cardiovasculares são a segunda causa de mortalidade em hospitais
Especialistas em Cardiologia defendem maior divulgação dos efeitos da hipertensão, para que a população tome consciência do problema cardiovascular e seja atingido o controlo e o bem-estar das pessoas
Os problemas cardiovasculares são actualmente a segunda maior causa de mortalidade hospitalar no país, superados apenas pela malária, revelou, em Luanda, o médico cardiologista Mário Fernandes.
O ex-presidente da Sociedade Angolana de Doenças Cardiovasculares (SADCV) e da Federação das Sociedades de Cardiologia de Língua Portuguesa (FSCLP) disse que os problemas cardiovasculares já ultrapassaram os números de enfermidades como a tuberculose e o VIH e a Sida.
Dados da SADCV, referentes ao ano 2015, estimavam que 1,28 por cento da população angolana, que era estimada em mais de 24 milhões de habitantes, morriam por causa da hipertensão, enquanto a doença isquémica do coração matava entre 4,65 por cento 5,35 de angolanos.
As estatísticas mais recentes divulgadas, apontam que 20 por cento da população angolana adulta sofrem de doenças do coração, com uma tendência de subida de casos.
Esse episódio, em que as doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morte no mundo, dá-se numa altura em que a SADCV completa já oito anos. E o universo lusófono assiste também a este fenómeno, com países como o Brasil e Portugal, que, desde os anos 90, já apresentavam a doença cardiovascular como a principal causa de morte, enquanto os outros Estados da CPLP tinham as enfermidades infecciosas a liderar as estatísticas.
A partir da última década, a análise dos dados do Global Burden of Desease mostra que a doença cardiovascular se tornou também a principal causa de morte em países como Angola, Cabo Verde e Timor-Leste.
No casodeAngolaeMoçambique, o médico afirma que se assiste a um vertiginoso aumento de hipertensão arterial relacionada com questões dietéticas e estilo de vida.
Mário Fernandes explicou que a incidência das doenças cardiovasculares constitui aquilo que, do ponto de vista epidemiológico se apelidou de “situação de duplo fardo”, isto é a transição das enfermidades não transmissíveis ou das infecciosas transmissíveis para as crónicas, mas na coexistência dos dois mundos.
Em função dos dados, o médico assegura que os especialistas, como parceiros activos, estão cada vez mais dispostos a ajudar o Executivo na procura de soluções para atenuar e combater o impacto nefasto que o aumento das doenças cardiovasculares pode ter na sociedade, na economia e nas famílias angolanas, em particular.
Estratégias eficazes
Mário Fernandes reconhece as limitações impostas à economia nacional, pela actual conjuntura internacional, mas assegura que os cardiologistas assumem o compromisso para se dedicarem ao estudo, à pesquisa e à definição das melhores estratégias para abordar o problema.
Para provar esta vontade, o ex-presidente da SADCV fez referência ao lançamento, durante o 4º Congresso Angolano de Cardiologia e Hipertensão, do Guia para a Avaliação e Tratamento da Hipertensão Arterial nos Cuidados de Saúde Primários em Países de Língua Portuguesa - 2018.
Fez-se, durante esse evento, um programa científico, ousado e desafiante capaz de envolver todos os profissionais relacionados com a doença cardiovascular e afins. “Acreditamos que estamos em condições de dar o país um melhor tratamento às doenças do coração.”
Em simultâneo com o referido evento, decorreu igualmente o 3º Congresso da Federação das Sociedades de Cardiologia de Língua Portuguesa (FSCLP), em que participaram representantes de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, além de especialistas da África do Sul e de Cuba.
Desafios da CPLP
Mário Fernandes deixou quer a presidência da FSCLP, quer a da SADCV. Em sua substituição, o português João Morais passou a exercer as funções de presidente da primeira organização, enquanto o médico Gade Miguel é o novo responsável máximo do grupo angolano de cardiologistas.
Para o caso de Angola, o actual presidente da SADCV, Gade Miguel, considerou enormes os desafios do grupo de especialistas, tendo em conta que se trata de uma sociedade que vem conhecendo problemas com a falta de consenso no que tem a ver com as escolas de formação. “Nós perdemos muito com este problema. Na verdade, deveríamos ter uma probabilidade de ganhar com isso”, disse para avançar que, por isso, há um programa com vista ao aproveitamento das experiências das diferentes escolas unificadas, uma vez que contribuem imensamente para a formação de uma ideia e melhorar o tratamento dos doentes.
Outra grande prioridade da nova presidência da SADCV é a melhoria da comunicação. “Precisamos que se divulgue cada vez mais o problema da hipertensão, para que a população tome consciência do problema cardiovascular, tenha um maior alcance da nossa actuação e isso se traduzir no controlo e bemestar dos doentes”, disse Gade Miguel.
Lições de Portugal
Para abordar os problemas de Angola e de outras nações que se expressam em português, realizou-se o 3º Congresso da FSCLP, na Escola Nacional de Administração, em Luanda, sob o lema “Cardiologia interdisciplinar: unidos pelo coração”. João Morais, presidente da Sociedade de Cardiologia de Portugal, disse que o congresso serviu para fortalecer os laços de amizade e cooperação entre as diferentes organizações afectas à federação.
O médico, que dirige, desde sábado a organização internacional, em substituição do angolano Mário Fernandes, disse que o encontro serviu igualmente para juntar várias sensibilidades de língua portuguesa e discutir os problemas em torno da Cardiologia.
Nessas discussões, ficou claro que Portugal não levou para o congresso grandes novidades, mas sugeriu certas propostas para a resolução de problemas cardiovasculares, que são abordados de maneira diferente em cada território, mas comuns aos países da CPLP.
Entre esses problemas, João Morais apontou a questão da formação médica, distribuição dos cardiologistas às comunidades e as grandes prioridades para a saúde cardiovascular, entre outros, que se registam em todos os países da comunidade.
“Partilhamos interesses e dificuldades, bem como as formas de resolver os problemas existentes”, disse o médico cardiologista.
O médico português considerou que o continente africano e Angola, em particular, têm graves problemas no que diz respeito à saúde cardiovascular. Essas dificuldades passam por duas vertentes: o mau funcionamento dos serviços de saúde e a falta de condições
Angola ainda tem problemas com doenças infecciosas, que a nível da Europa, também existem, mas em números muito reduzidos. Um dos casos apontados é febre reumática, comum entre os angolanos, enquanto os portugueses não os registam há mais de 50 anos