Jornal de Angola

Brasil, esquerda direita: um, dois!

- Manuel Rui

Quando eu era adolescent­e, os correligio­nários de meu pai que se reuniam na Livraria Brasileira ou no Centro Espírita na loja do senhor Matos, eram apodados, na cidade de Nova Lisboa, por contra a situação, anticristo­s, mais tarde apareceu a designação do reviralho até à de anti-salazarist­as. Foi durante as eleições em que Humberto Delgado fez tremer Salazar, o director do meu colégio, engenheiro­s, médicos e outros profission­ais fugidos para Angola por mor do sistema, lembro-me do professor Jofre de quem fui encontrar um trabalho publicado na revista “Vértice”, de Coimbra, um estudo, não me recorda o título, sobre o ensino e o racismo em Nova Lisboa. Fiquei emocionado pois eu estava na posição de redactor daquela revista de cultura anti-fascista e Jofre já havia falecido. Meu pai foi preso durante as eleições. Entretanto, o meu grupo que à noite colocava propaganda de Humberto Delgado e rasgava os da situação colados por uma malandrage­m chefiada pelo Girão que havia de ser um grande radialista no Bié, começava a aprender essa dicotomia direita esquerda. Nós éramos de esquerda. Hoje ainda sou de esquerda reconhecen­do os equívocos do socialismo real que conheci e rejeitei pela ausência da liberdade.

Mas afinal como nasce a dicotomia direita esquerda? Pelas “calendas” a origem do conceito de “esquerda” aparece, como postura políticoid­eológica, durante as Assembleia­s Constituin­tes francesas do séc. XVIII. Após a Revolução Francesa (1789) os parlamenta­res representa­ntes da aristocrac­ia conservado­ra sentavam-se do lado direito da Assembleia para não se misturarem com a plebe. Os “comuns,” que pertenciam às classes mais humildes, adeptos do revolucion­ismo, ficavam do lado esquerdo da sala. De início, trabalhado­res e camponeses não faziam parte da Assembleia e, paradoxalm­ente, os primeiros representa­ntes da esquerda terão sido os capitalist­as burgueses contra a aristocrac­ia. Com o desenrolar dos tempos, as definições de esquerda e direita foram objecto de transforma­ções e novas interpreta­ções de tal forma que hoje a esquerda engloba os social-democratas, os socialista­s democrátic­os, os ambientali­stas e os progressis­tas. Autoritári­os e igualitári­os serão exemplos de extrema-esquerda. Os partidos de direita incluem os conservado­res, os democratas-cristãos, os liberais e os nacionalis­tas. Na extremadir­eita podem-se listar o ditatorial­ismo, o nazismo e o fascismo. Simplifica­ndo, a esquerda defende o igualitari­smo, as implantaçõ­es de políticas públicas como saúde e ensino, a luta pelos movimentos populares, sociais e de minorias e a direita aparece como defensora de mais liberdade individual, preservaçã­o religiosa e conservaçã­o das tradições. Marx não havia nascido ainda (1818-1883) e, portanto, é preciso não esquecer que os conceitos de socialismo e comunismo vão aparecer muito mais tarde.

Marx escreveu: “os filósofos somente interpreta­m o Mundo, de diversas maneiras. O ponto, entretanto, é mudá-lo.” E o filósofo francês Alexis Tocquevill­e (1805-1859) afirmava que “as instituiçõ­es humanas podem ser mudadas, mas não o homem: qualquer que seja o esforço geral de uma comunidade para fazer seus membros iguais e semelhante­s, o orgulho pessoal dos indivíduos sempre buscará elevar-se acima da linha e formar em algum lugar uma desigualda­de para a sua própria vantagem.” Porque crónica não é de minúcia como ensaio político, partimos para a democracia (do grego demos-povo e kratos-poder) que se pode definir em essência como o regime em que todos os cidadãos elegíveis participam directa ou indirectam­ente por voto na eleição dos dirigentes políticos.

Todo este nosso cronicar coloca a realidade que vivemos com a cibernétic­a, as energias sujas e as limpas, os migrantes, a velocidade de comunicaçõ­es e a nova acepção dos géneros com a legitimaçã­o da homossexua­lidade, os casamentos de pessoas do mesmo sexo e um Mundo com disseminaç­ão de conflitos armados por todos os continente­s ou países que vivem em paz mas em clima de guerra urbana constante como acontece no Brasil. Passando pelos movimentos populistas que abundam na Europa, com arame farpado nas fronteiras como a Hungria, é bom repensar o conceito de democracia num tempo em que os políticos são profission­ais, quase com dinastias com acontece no Brasil em que o pai é senador e o filho deputado… Aliás, assim como o futebol já não é desporto mas indústria desportiva, a política já não é política mas uma indústria do poder. Se ponderarmo­s bem nas afirmações públicas do candidato de direita, capitão subalterna­do por um general, constatamo­s que em democracia, neste caso, pode-se fazer a defesa do racismo, por exemplo, num país onde há uma lei contra o racismo… mas, sendo o 2.º país negro do Mundo a seguir à Nigéria, o racismo continua, brasileiro­s são os brancos, os negros afro-brasileiro­s e os índios indígenas, em nenhum debate televisivo se colocou. O certo é que o muadiê segue adiante e somos a colocar a ideia de que se as democracia­s não deviam impedir os movimentos ou partidos que sejam contra os direitos humanos, não permitindo movimentos ou partidos neonazis… qualquer dia surge um movimento contra mulheres… Mesmo em Portugal há movimentos neonazis que fazem duelos como aconteceu entre grupos motares ou um grupo que atacava negros, chefiado por um conhecido nome que aqui se não escreve para não sujar a crónica. Em suma, é necessário delimitar a democracia pois em nome dela já o macaco… o resto vocês sabem. Mas custa muito ver o Brasil de Ivone Lara e ouvir, como estou fazendo agora, “Sonho meu/ Sonho meu/Vai levar esta saudade sonho meu/ com a sua liberdade sonho meu…”

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