O frio moldou a espécie humana
Cientistas
quantificaram pela primeira vez o fenómeno. Entre os anos 800 e 1000 d.C. houve entre 41 e 70 por cento menos chuva na América Central. As alterações climáticas abruptas podem mesmo pôr termo a uma civilização.
Sabe-se que um período prolongado de secas extremas contribuiu decisivamente para que a lendária e ainda muito misteriosa civilização Maia se desintegrasse completamente há cerca de um milénio.
Masumgrupointernacional de cientistas deu agora um importante passo para aprofundar esse conhecimento, ao conseguir pela primeira vez quantificar a dimensão dessas secas devastadoras.
Recorrendo ao estudo dos sedimentos do lago Chichancanab na região do Iucatão, no México, onde a civilização Maia floresceu, sobretudo a partir do ano 250 a.C., a equipa que reuniu cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e da Universidade da Florida, nos Estados Unidos da América (EUA), descobriu que ao longo de um período de cerca de dois séculos, entre os anos 800 e 1000 d.C., o regime de precipitação se alterou profundamente naquela região do Mundo.
No estudo que publicam na quinta-feira na revista Science, os autores mostram que durante aquele curto período de 200 anos houve fases de quebras anuais entre 41 e 54 por cento, que chegaram a défices de 70 por cento no pico da crise da seca, enquanto o teor da humidade no ar chegou a ter valores inferiores entre 2 e 7 por cento em relação ao clima actual.
A seca extrema e prolongada acabou por ditar o abandono da região pelas populações, a que se seguiu o declínio e a falência das estruturas sociais que sustentavam o modo de vida da civilização Maia.
“O papel das alterações climáticas no colapso da civilização Maia tem sido de alguma forma controverso, em parte porque os estudos anteriores só tinham permitido reconstruções qualitativas do clima da época”, explicou Nick Evans, investigador da universidade britânica de Cambridge e o principal autor da investigação. “O nosso estudo representa um avanço substancial, porque pela primeira vez conseguimos fazer estimativas robustas da precipitação e dos níveis de humidade (atmosférica) durante esse período”, sublinhou.
Oestudoacabapordemonstrar também como as alterações climáticas, produzindo um impacto profundo no equilíbrio das estruturas e das actividades de uma sociedade, podem contribuir para o seu fim.
O que os sedimentos de um lago contam
A primeira vez que os problemas relacionados com uma seca severa emergiram no contexto do declínio dos maias foi em 1995, quando o especialista em paleo-climatologia David Hodell, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, publicou um estudo sobre isso.
Mais de década e meia depois, em 2012, Martín Medina-Elizalde, do Centro de Investigações Científicas do Iucatão, no México, e Eelco Rohling, da Universidade de Southampton, no Reino Unido, conseguiram ir um pouco mais além, ao analisar uma estalagmite local, designada na região com o nome de Chaac, por ironia, o mesmo do deus Maia das chuvas.
O que essa estalagmite revelou foi que, na fase final da sociedade Maia, entre os anos de 800 e 1000 d.C, aproximadamente, as chuvas de Verão sofreram quebras entre os 25 e os 40 por cento.
Naquele monólito que se ergue do chão, no interior de uma caverna, na região, estão registados parâmetros climáticos milenares, incluindo os da pluviosidade, e foi com base nesses registos que os investigadores fizeram na altura as suas contas.
“Pela primeira vez, conseguimos fazer estimativas robustas da precipitação e dos níveis de humidade (atmosféric) durante o período do colapso da civilização Maia”, realçou.
Agora, a equipa de Nick Evans foi mais longe, ao analisar os isótopos dos sedimentos do lago Chichancanab. Como a equipa explica, em períodos de seca, há mais água a evaporar-se e, como os isótopos mais leves se evaporam mais depressa, os que ficam são os mais pesados. Investigador espanhol defende que as baixas temperaturas também influenciaram a cultura e a história.
O clima é o motor da evolução desde que a vida surgiu na Terra, há 3,5 milhões de anos, afirma um investigador espanhol que defende que foi o frio que moldou os humanos. Num livro chamado “Homo Climaticus”, que lançou em Espanha, José Enrique Campillo indica que as eras glaciares alternadas com aquecimentos globais quase levaram à extinção da vida, mas também permitiram “a solução mais versátil e eficaz para a sobrevivência: o cérebro”.
“O clima criou o cérebro humano, que é um produto do frio e é a ferramenta que nos permitiu superar a maior parte das adversidades climáticas”, disse o autor à agência de notícias EFE.
A cultura e a história também foram influenciadas da mesma forma determinante, como no caso em que o frio “foi o único inimigo a que Roma não foi capaz de fazer frente”.
O auge do Império aconteceu durante uma época de aquecimento global “superior ao actual” e decaiu quando o clima arrefeceu, trazendo a fome e levando as tribos bárbaras do Norte a descer para conquistar a península que é hoje a Itália, que com os rios congelados tinham caminho aberto para atravessar a Europa.
Alguns séculos mais à frente, entre 1783 e 1784, o vulcão islandês Laki entrou em erupção e espalhou cinzas e gases tóxicos que atravessaram o Atlântico e chegaram à Europa, “envenenando o ar, aumentado o desastre agrícola e pecuário” que já se verificava. “A mistura de baixas temperaturas, a fome, o caos civil e a iluminação filosófica” combinaram-se para a Revolução Francesa surgir uns anos mais tarde, em 1789, argumenta o autor.
Enrique Campillo sugere que “o homem sobreviveu a alterações climáticas mais severas” do que a que se verifica hoje, considerando que se trata de “um fenómeno natural que está a ser influenciado de forma significativa pelos humanos, algo que acontece pela primeira vez na história do planeta”.
As consequências da intervenção humana no clima “são imprevisíveis” e a única coisa de que se pode ter certeza é que “o futuro pertence às bactérias”, que sobreviverão à extinção dos seres humanos, “condenados a desaparecer”.