Jornal de Angola

Sonhos nobres do Segunda

- Sousa Jamba

Há vinte anos eu estava com o Segunda Amões em Miami apreciando os edifícios maravilhos­os da cidade. Lembro-me como ontem que eu disse ao Segunda que nunca seria possível construirm­os cidades como Miami em Angola - que tal empreendim­ento só poderia acontecer em vários séculos. O Segunda virou para mim e disse que se podia sim construir, mesmo em regiões remotas como a nossa do Chiumbo podiam ter casas e edifícios tão bons como nos Estados Unidos durante as nossas vidas.

Estou a escrever isto numa sala que faria um agente imobiliári­o americano falar em línguas por ser elegante, sofisticad­a, prática. Estou aqui na aldeia Camela Amões, no nosso Chiumbo, com a grande montanha de Lumbaganda lá em frente. Vim para ter um descanso que muito precisava e recarregar as baterias criativas. Aqui na Camela Amões estou a ser mimado; eu estou a ler e sendo muito prático consciente de como tudo evoluiu. A Camela Amões, aldeia que conheci em 2003, é um exemplo vivo do que pode acontecer quando um patriota com meios começa a realizar os seus sonhos nobres. E agora não é só Camela Amões - as operações, de criar casas de qualidade a um preço acessível para os cidadãos, estão na aldeia seguinte da Cavava.

Outro dia, eu estava com o Segunda quando fomos visitar o hospital da Camela Amões. O Segunda virou-se para mim e disse que o objectivo era, dentro de alguns anos, garantir que as populações na área tivessem o mesmo nível de saúde que na Noruega. Aqui na Camela Amões, já assisti a reuniões em que alguns aldeões estavam cépticos das propostas que o Segunda estava a avançar; hoje vejo eles com sorrisos luminosos, profundame­nte orgulhosos do desenvolvi­mento na sua aldeia. Quando o Segunda fala de saúde ao mesmo nível da Noruega temos, sim, que o levar a sério. Quando ele fala de criar uma Suíça nas lindíssima­s montanhas do Planalto temos que lhe levar a sério.

O romancista peruano apresentou-se como candidato à presidênci­a nas eleições de 1990 no Peru. LLosa ganhou na primeira volta mas perdeu na segunda contra o agrónomo de origem Japonesa o Alberto Fujimori,que insistia que LLosa era um sonhador - que o Peru nunca poderia ser transforma­do numa Suíça ou Reino Unido. A ideia de um Peru ao nível de uma Suíça até inquietava muitas pessoas com interesse no status quo. Tenho o mesmo sentimento quando o Segunda Amões fala de saúde ao nível dos norueguese­s. É que o longo processo colonial e as suas várias formas de colonizaçã­o incutiu no Africano uma falta de autoconfia­nça que está a ser difícil de superar. Muita gente que vem para a Camela Amões e vê o grande trabalho que está a ser feito pergunta logo aonde estão os portuguese­s, chineses, sul-africanos ou americanos. A Camela Amões está a ser construída por Angolanos. O Segunda Amões é mestre a identifica­r talento local gente que ganhou experiênci­a trabalhand­o em vários sectores e gente pronta a aprender de gente que sabe.

O Segunda Amões é um sonhador nobre e, claro, muito prático. Quando se tratava de resolver o grande problema de escrever na lua, os americanos gastaram milhões para inventar uma lapiseira que resistisse à falta de gravidade no espaço; os russos tinham uma opção muito simples e barata - utilizar lápis. Vejo o Segunda Amões optando pela praticabil­idade dos Russos.

Aqui na nossa área, no período em que os Missionári­os Americanos tiveram muita influência, havia campanhas para a recolha de lixo, evitar a existência de poços onde os mosquitos podem procriar, lavar as mãos com regularida­de, construção de latrinas eficazes. O outro dia no Manico, a minha aldeia ancestral que fica perto da Camela Amões, um mais-velho disse-me que o famoso missionári­o americano John Tucker organizava sessões sobre boa nutrição; a filosofia era de que tudo tinha que ser feito para evitar com que o cidadão tivesse que ir ao hospital em primeiro lugar. O Segunda Amões concorda com esta forma de ver as coisas e está sempre a bater na tecla da importânci­a da higiene na aldeia. Na semana passada aqui na Camela Amões tivemos um grande workshop, em que várias ONG participar­am, para promover o hábito de lavar as mãos . Os alunos da escola Valentim Amões actuaram ao público numa peça de teatro com a mensagem sobre o valor de lavar as mãos.

Como em várias partes do continente africano, não existe, nas comunidade­s tradiciona­is, um hábito de fazer consultas com regularida­de. No dia em que houve o workshop de lavar as mãos, houve jovens estudantes de enfermagem vindos do Huambo a educar o público sobre doenças como hipertensã­o e diabetes. No hospital da Camela, os cidadãos têm acesso estes testes sem ter que pagar. Na escola, por cá, dá-se muita ênfase em ensinar os alunos sobre uma vida saudável. Não tenho a mínima dúvida que as crianças que vi da creche Camela Amões irão agradecer um dia o Tio que acreditou que eles tinham, também, o direito a uma saúde de qualidade como os outras nos países mais avançados.

A Camela Amões, aldeia que conheci em 2003, é um exemplo vivo do que pode acontecer quando um patriota com meios começa a realizar os seus sonhos nobres

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