África e a (des)necessidade de investimento externo
Desde cedo que nós os africanos aprendemos, ou pelo menos ouvimos amiúde dizer, que o continente berço é potencialmente rico. Com efeito o continente africano é, comprovadamente, uma das regiões do mundo com grandes potencialidades naturais. Os seus solos são verdadeiros depósitos de riquezas de que as mais diversas indústrias pelo mundo fora necessitam para, transformando-as, manterem o seu estádio de desenvolvimento ou mesmo prosperarem.
Em sentido contrário à comprovada potencial riqueza a maioria dos países africanos, não obstante levarem já meia dúzia de décadas sobre o advento das suas independências, quando comparada com a maioria esmagadora dos países de outras regiões do mundo, continuam a registar altas taxas de mortalidade materno-infantil e uma esperança de vida acentuadamente baixa. O mesmo é dizer que os africanos, de uma maneira geral, vivem menos tempo e em ambientes com pouca salubridade, com elevadas taxas de analfabetismo e, nos casos de acesso ao conhecimento, com baixo grau de escolaridade. Desnecessário será sublinhar que vivem com padrões de vida muito pouco decentes quando olhados na perspectiva financeira (rendimentos baixos) e não só.
Como é óbvio os problemas ora mencionados só podem demandar das nossas lideranças a concepção, formulação e implementação de políticas capazes de promover a emancipação económica e financeira dos seus concidadãos, tarefa essa que, sendo ingente, em muitos dos nossos países tem redundado em enorme fracasso.
A resistência oferecida por um número considerável de líderes africanos aos financiamentos bonificados das instituições de BrettonWoods que, em nossa opinião, resultaria mais das incompatibilidades das obrigações acessórias, quando confrontadas com as idiossincrasias locais, do que propriamente de receios de ingerências externas, tem deixado aos Estados africanos a opção do recurso a outras fontes de financiamento, nomeadamente outros Estados ou Organizações Internacionais, sendo que, nestes casos, os últimos 18 anos têm demonstrado que alguns dos negócios celebrados normalmente se revelam leoninos na medida em que os Estados devedores, por não deterem grande força negocial, acabam cedendo às exigências dos Estados credores.
São exemplo disso os empréstimos chineses que, na maior parte dos casos, desencadeiam a obrigação de o Estado beneficiário ter de contratar entidades previamente indicadas pelo credor, bem como de absorver a sua mão-de-obra. Em suma são empréstimos ou financiamentos que, no limite, acabam beneficiando essencialmente o credor, que passa a ter uma posição dominante sobre o seu devedor, decorrendo daí uma lógica que tende a adiar permanentemente o alcance da sua independência económica.
Uma alternativa aos mecanismos de financiamento atrás referidos tem sido o recurso ao investimento directo, normalmente estrangeiro, por parte de empresas ou de outros entes com menor capacidade de intervenção financeira do que os Estados ricos. Por se tratarem essencialmente de empresas comerciais ou industriais e de assentarem a sua lógica puramente no cálculo económico, estes investimentos, não obstante afastarem as exigências colocadas pelos bancos ou outras instituições internacionais, não deixam de representar um encargo para as reservas internacionais líquidas tendo em conta a necessidade de se repatriar os seus dividendos em moeda forte.
Sucede, porém, que a atracção de investimento externo, aqui entendido como sendo feito com recurso a capitais gerados fora das fronteiras das nações africanas, depende incontornavelmente da criação de ambientes de negócios favoráveis e convidativos para qualquer investidor.
Ora, a criação de um ambiente de negócios susceptível de influenciar na decisão de investir depende, como bem sabemos, de factores como o grau da burocracia, os custos envolvidos no processo de criação de empresas e de acesso ao crédito bancário, a natureza da legislação sobre o recrutamento e o despedimento de pessoal, a tramitação e o modo de acesso ao crédito bancário, a taxação dos impostos praticada pelo sistema tributário, a celeridade dos serviços públicos de licenciamento das actividades comerciais e industriais, a qualidade, competência e cultura de trabalho dos recursos humanos locais, o grau de fiabilidade, isenção, celeridade e transparência do poder judicial, a prontidão e capacidade dos órgãos policiais e de investigação criminal de responderem às exigências que se colocam, o índice de percepção da corrupção no país, etc., etc. Todos estes factores demandam, por sua vez, a realização, pelos Estados receptores do investimento externo, de verdadeiros investimentos na qualidade da educação e ensino, bem como na moralização das suas sociedades.
Desnecessário será sublinhar que estamos a falar aqui de uma espécie de questões prévias ao investimento por parte de qualquer empreendedor na medida em que uma sociedade academicamente muito bem formada e que, mais do que acreditar, ponha em prática e exija a observação de valores como a honestidade e a transparência, facilmente preencherá os demais requisitos necessários à ocupação de posições cimeiras nos rankings internacionais de destino de investimentos.
As premissas ora elencadas para a atracção do investimento externo sempre serviriam igualmente para atrair o investimento interno que, contrariamente àquele, jamais desencadearia a diminuição das Reservas Internacionais Líquidas em que os Estados incorrem por conta das inevitáveis operações de expatriação de dividendos de investidores externos.
Numa outra perspectiva mas sempre na lógica do investimento privado, um tipo de investimento idóneo a absorver exércitos de mão-de-obra disponíveis em África passa seguramente por negócios essencialmente nos sectores agrícola e industrial e nunca nas áreas das tecnologias, dado que este sector cada vez mais emprega um número reduzido de pessoas.
A abordagem do potencial natural e humano para o crescimento e ulterior desenvolvimento económico de África não poderá alhear-se do reconhecimento das características culturais do continente uma vez que as “cartilhas” de gestão macroeconómica importadas ou mesmo decalcadas de outras realidades socioeconómicas encerram uma forma em que a matéria não encaixa, nem pode encaixar comodamente, precipitando situações incómodas para os destinatários das regras “impostas” cegamente às comunidades que, tendo outro tipo de necessidades, outra forma de lidar com o dinheiro e com as riquezas, reclamam uma economia compatível com as suas idiossincrasias.
O modelo económico chinês provou ao mundo que, mais do que optar pelo socialismo ou pelo capitalismo, deve-se olhar para a compatibilização desses sistemas com o modus vivendi de cada comunidade humana.