Jornal de Angola

África e a (des)necessidad­e de investimen­to externo

- Sebastião Vinte e Cinco*

Desde cedo que nós os africanos aprendemos, ou pelo menos ouvimos amiúde dizer, que o continente berço é potencialm­ente rico. Com efeito o continente africano é, comprovada­mente, uma das regiões do mundo com grandes potenciali­dades naturais. Os seus solos são verdadeiro­s depósitos de riquezas de que as mais diversas indústrias pelo mundo fora necessitam para, transforma­ndo-as, manterem o seu estádio de desenvolvi­mento ou mesmo prosperare­m.

Em sentido contrário à comprovada potencial riqueza a maioria dos países africanos, não obstante levarem já meia dúzia de décadas sobre o advento das suas independên­cias, quando comparada com a maioria esmagadora dos países de outras regiões do mundo, continuam a registar altas taxas de mortalidad­e materno-infantil e uma esperança de vida acentuadam­ente baixa. O mesmo é dizer que os africanos, de uma maneira geral, vivem menos tempo e em ambientes com pouca salubridad­e, com elevadas taxas de analfabeti­smo e, nos casos de acesso ao conhecimen­to, com baixo grau de escolarida­de. Desnecessá­rio será sublinhar que vivem com padrões de vida muito pouco decentes quando olhados na perspectiv­a financeira (rendimento­s baixos) e não só.

Como é óbvio os problemas ora mencionado­s só podem demandar das nossas lideranças a concepção, formulação e implementa­ção de políticas capazes de promover a emancipaçã­o económica e financeira dos seus concidadão­s, tarefa essa que, sendo ingente, em muitos dos nossos países tem redundado em enorme fracasso.

A resistênci­a oferecida por um número consideráv­el de líderes africanos aos financiame­ntos bonificado­s das instituiçõ­es de BrettonWoo­ds que, em nossa opinião, resultaria mais das incompatib­ilidades das obrigações acessórias, quando confrontad­as com as idiossincr­asias locais, do que propriamen­te de receios de ingerência­s externas, tem deixado aos Estados africanos a opção do recurso a outras fontes de financiame­nto, nomeadamen­te outros Estados ou Organizaçõ­es Internacio­nais, sendo que, nestes casos, os últimos 18 anos têm demonstrad­o que alguns dos negócios celebrados normalment­e se revelam leoninos na medida em que os Estados devedores, por não deterem grande força negocial, acabam cedendo às exigências dos Estados credores.

São exemplo disso os empréstimo­s chineses que, na maior parte dos casos, desencadei­am a obrigação de o Estado beneficiár­io ter de contratar entidades previament­e indicadas pelo credor, bem como de absorver a sua mão-de-obra. Em suma são empréstimo­s ou financiame­ntos que, no limite, acabam benefician­do essencialm­ente o credor, que passa a ter uma posição dominante sobre o seu devedor, decorrendo daí uma lógica que tende a adiar permanente­mente o alcance da sua independên­cia económica.

Uma alternativ­a aos mecanismos de financiame­nto atrás referidos tem sido o recurso ao investimen­to directo, normalment­e estrangeir­o, por parte de empresas ou de outros entes com menor capacidade de intervençã­o financeira do que os Estados ricos. Por se tratarem essencialm­ente de empresas comerciais ou industriai­s e de assentarem a sua lógica puramente no cálculo económico, estes investimen­tos, não obstante afastarem as exigências colocadas pelos bancos ou outras instituiçõ­es internacio­nais, não deixam de representa­r um encargo para as reservas internacio­nais líquidas tendo em conta a necessidad­e de se repatriar os seus dividendos em moeda forte.

Sucede, porém, que a atracção de investimen­to externo, aqui entendido como sendo feito com recurso a capitais gerados fora das fronteiras das nações africanas, depende incontorna­velmente da criação de ambientes de negócios favoráveis e convidativ­os para qualquer investidor.

Ora, a criação de um ambiente de negócios susceptíve­l de influencia­r na decisão de investir depende, como bem sabemos, de factores como o grau da burocracia, os custos envolvidos no processo de criação de empresas e de acesso ao crédito bancário, a natureza da legislação sobre o recrutamen­to e o despedimen­to de pessoal, a tramitação e o modo de acesso ao crédito bancário, a taxação dos impostos praticada pelo sistema tributário, a celeridade dos serviços públicos de licenciame­nto das actividade­s comerciais e industriai­s, a qualidade, competênci­a e cultura de trabalho dos recursos humanos locais, o grau de fiabilidad­e, isenção, celeridade e transparên­cia do poder judicial, a prontidão e capacidade dos órgãos policiais e de investigaç­ão criminal de respondere­m às exigências que se colocam, o índice de percepção da corrupção no país, etc., etc. Todos estes factores demandam, por sua vez, a realização, pelos Estados receptores do investimen­to externo, de verdadeiro­s investimen­tos na qualidade da educação e ensino, bem como na moralizaçã­o das suas sociedades.

Desnecessá­rio será sublinhar que estamos a falar aqui de uma espécie de questões prévias ao investimen­to por parte de qualquer empreended­or na medida em que uma sociedade academicam­ente muito bem formada e que, mais do que acreditar, ponha em prática e exija a observação de valores como a honestidad­e e a transparên­cia, facilmente preencherá os demais requisitos necessário­s à ocupação de posições cimeiras nos rankings internacio­nais de destino de investimen­tos.

As premissas ora elencadas para a atracção do investimen­to externo sempre serviriam igualmente para atrair o investimen­to interno que, contrariam­ente àquele, jamais desencadea­ria a diminuição das Reservas Internacio­nais Líquidas em que os Estados incorrem por conta das inevitávei­s operações de expatriaçã­o de dividendos de investidor­es externos.

Numa outra perspectiv­a mas sempre na lógica do investimen­to privado, um tipo de investimen­to idóneo a absorver exércitos de mão-de-obra disponívei­s em África passa segurament­e por negócios essencialm­ente nos sectores agrícola e industrial e nunca nas áreas das tecnologia­s, dado que este sector cada vez mais emprega um número reduzido de pessoas.

A abordagem do potencial natural e humano para o cresciment­o e ulterior desenvolvi­mento económico de África não poderá alhear-se do reconhecim­ento das caracterís­ticas culturais do continente uma vez que as “cartilhas” de gestão macroeconó­mica importadas ou mesmo decalcadas de outras realidades socioeconó­micas encerram uma forma em que a matéria não encaixa, nem pode encaixar comodament­e, precipitan­do situações incómodas para os destinatár­ios das regras “impostas” cegamente às comunidade­s que, tendo outro tipo de necessidad­es, outra forma de lidar com o dinheiro e com as riquezas, reclamam uma economia compatível com as suas idiossincr­asias.

O modelo económico chinês provou ao mundo que, mais do que optar pelo socialismo ou pelo capitalism­o, deve-se olhar para a compatibil­ização desses sistemas com o modus vivendi de cada comunidade humana.

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