Perspectivas de mulheres
A cidade foi celebrizada pelo filme estrelado pelos imortais Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Depois da icónica produção lançada em Novembro de 1942, com a assinatura do realizador Michael Curtiz, voltou a ser palco de obras de Hollywood e demais estúdios notáveis. Filmes como “Lawrence de Arábia”, “Gladiador”, “Babel”, “Missão Impossível 5” e a terceira temporada do mundialmente clamado “Game of Thrones” contribuíram para colocar Casablanca e outras cidades marroquinas na rota de milhões de turistas. Por melhor que a arte a descreva, Casablanca, a mítica capital económica do Reino de Marrocos, é um desses lugares fascinantes a visitar pelo menos uma vez na vida. É porta de passagem da África para a Europa. É o ponto cardinal onde se cruzam civilizações, tradições e povos de origens diversas. O moderno casa-se tranquilamente com o passado. Casablanca está localizada em África, mas é essencialmente árabe. Tem traços da Europa, que se situa na esquina. Ou, se calhar, é a Europa que tem traços marroquinos.
Casablanca pode ter perdido o romantismo que transcende a tela no filme homónimo. Contudo, a maior cidade do país, com aproximadamente 4 milhões de habitantes, continua a ser a estratégica metrópole localizada na costa ocidental de África. Banhada pelo oceano Atlântico, alberga um dos maiores portos artificiais do mundo. Relevante centro económico-financeiro do continente africano, Casablanca foi fundada por tribos berberes que inicialmente a chamaram Anfa. Consta que ganhou nova denominação no século 15, quando os portugueses a conquistaram, evoluindo posteriormente para a versão espanhola que se mantém. Na Medina, principal mercado popular da cidade, assim chamado por ter emergido ao redor da mais antiga mesquita da localidade, o comerciante oferece um banho gratuito de história, enquanto tenta vender os famosos tapetes feitos à mão. Irresistível a tentação de entrar na onda da barganha que, em Marrocos, se converte sempre numa rica experiência turística.
O amigo, supostamente chará do sultão Mohammed Ben Abdallah, o herói da reconstrução de Casablanca devastada em 1755 por um violento sismo, assume em pleno as vestes de vendedor. Comunica-se primeiro em inglês. Ao descobrir que somos angolanas, aprimora o português, mesclado com espanhol. O item de conversa deixou de ser a interessante história do país para se centrar no Marquês de Pombal, em Lisboa, onde diz ter um grande amigo angolano convertido ao islão há anos. Nós vivemos em Angola, clarifica a Ana Moçambique, jornalista da Rádio Luanda, com o irretocável francês com sotaque à Versailles. Abadallah, o chará do sultão, sacou do bolso uma velha agenda, supostamente com anotações de clientes angolanos. Não conferimos a veracidade da informação. Deixamo-lo profundamente agastado. Ele não sabe que as divisas escasseiam no mercado angolano. Na Medina o tempo corre. Ana, a companheira de viagem recorda que não viemos de férias. Temos que regressar ao hotel.
Antes, porém, absorvemos um pouquinho da essência da Medina. O lugar congrega áreas reservadas a mercadores, alguns dos quais herdeiros de tradições seculares religiosamente transmitidas de geração para geração. Aqui convivem vários tipos de negócios dentro do mesmo espaço. Na verdade, o que os diferencia é a nacionalidade dos comerciantes e não propriamente o que vendem. Estamos ainda no mercado marroquino dentro da Medina. Ao lado fica o senegalês. No extremo esquerdo vêem-se vendedores de outro país africano. Burkina Faso ou Mali? Talvez seja a Côte D’Ivoire. Certamente não é o nosso! Eles comunicam-se com os potenciais clientes em francês. Atravessamos a estrada. O hotel situa-se do outro lado. Ao longo do curtíssimo percurso vimos centenas de transeuntes de países da África sub-sahariana.
A maioria dedica-se à venda na rua, embora não se tratem exactamente de ambulantes. Há emigrantes em busca da garantia de sobrevivência que a terra mãe lhes negou. Há africanos que vagueiam em busca da melhor oportunidade para tentar a sorte do outro lado do mediterrâneo. O Reino de Marrocos abre a principal porta de entrada para a Europa. Na recepção encontramos colegas recém-chegadas. Criamos temporariamente a nossa Medina imaginária. Afinal é para falar de nós que estamos em Casablanca. Somos 204 mulheres oriundas de todos países do continente para participar na segunda edição do Fórum de Mulheres Jornalistas organizado por iniciativa da Rádio 2M com parceiros locais. Somos as Panafricanas. “Les Panafricaines” na versão original em francês. Durante três dias vamos discutir o continente com foco na perturbadora problemática da migração. Como é que media pode abordar a questão, as conexões a migração, as mulheres e os jovens, assim com os aspectos positivos do fenómeno constituem tópicos dominantes da agenda. Se tiver suporte legal a migração pode perder a componente fatalista. Os governos africanos devem agir para evitar que outros jovens jamais se transformem em estatísticas. Nós, filhas de África, vamos discutir. O futuro não tem que ser eternamente sombrio.