Jornal de Angola

A liberdade de expressão faz frente ao frio em Oslo

- Filomeno Manaças |*

Bobi Wine é actualment­e o ícone da oposição ao ancião Presidente, há 32 anos no poder e com a imagem desgastada pelos erros e pelo tempo que está na liderança do país

Por estes dias está um frio de meter respeito em Oslo, a bela capital norueguesa onde se realizam as cerimónias de entrega do Prémio Nobel da Paz. É Inverno e os agasalhos tiveram de sair dos guarda-fatos. As toucas ou gorros e as luvas para proteger a cabeça e as mãos do frio são, para a maior parte das pessoas, indispensá­veis.

O dia pode começar com 2º C acompanhad­o de alguma chuva e vento, ir subindo para os 89º C e terminar nos 2-4º C com que tenha iniciado. Mas, para a delegação de sete profission­ais ligados à comunicaçã­o social angolana, no qual me incluo, as abordagens sobre liberdade de expressão e liberdade de imprensa, como uma das dimensões da realização dos Direitos Humanos, têm a magia de tornar quente os dias e as noites em Oslo.

Tudo acontece no âmbito de um acordo que os Governos angolano e norueguês faz algum tempo (desde 2008) vêm materializ­ando e que têm permitido a troca e ganho de experiênci­as nessa matéria, em que é unânime o entendimen­to de que a liberdade de expressão constitui o alimento, o combustíve­l, o motor que põe em desenvolvi­mento qualquer sociedade democrátic­a.

Bastante assertivo foi, pois, o Presidente João Lourenço quando, na cerimónia de tomada de posse dos novos conselhos de administra­ção dos órgãos de comunicaçã­o social públicos, em Novembro do ano passado, sublinhou que “não há democracia sem liberdade de expressão, sem liberdade de imprensa”. E não se ficando por aqui, instou os órgãos a "procurar encontrar uma linha editorial que sirva de facto o interesse público, que dê voz, que dê espaço, aos cidadãos dos mais diferentes estratos sociais", mas também que "dê espaço às organizaçõ­es da chamada sociedade civil”.

Voltando à vaca fria, o Centro Norueguês para os Direitos Humanos, da Universida­de de Oslo, é, por assim dizer, o laboratóri­o onde as discussões académicas se desenrolam, com abordagens sobre a realidade na África subsaharia­na, os modelos de propriedad­e e sua influência ou não nas políticas editoriais, os novos desafios que se colocam face ao advento da Internet e das redes sociais, enfim, todo um conjunto de assuntos que marcam a actualidad­e em relação ao binómio liberdade de expressão/liberdade de imprensa.

Ocasião também para, entre outras tantas, interagir com Charles Onyango-Obbo. Quem é ele? Simplesmen­te um jornalista ugandês com vasta experiênci­a, pertencent­e aos quadros do The Nation Midea Group. Contou que já esteve umas 150 vezes atrás das grades e saiu outras tantas, no Uganda, por ter de responder em tribunal sob a acusação de abuso da liberdade de imprensa. Era de se esperar dele um ferrenho opositor de Yoweri Museveni. Mas… terça-feira Charles Onyango-Obbo esteve no Conselho Norueguês para África para falar sobre o tema “O efeito de Bobi Wine: o que está a acontecer no Uganda”. Bob Wine é o músico ugandês que se tornou político, ganhou um lugar no parlamento e tem sido crítico das políticas do Presidente Yoweri Museveni. Aliando a música à política e arrastando milhares de apoiantes, entre os quais muitos jovens desemprega­dos, Bobi Wine é actualment­e o ícone da oposição ao ancião Presidente, há 32 anos no poder e com a imagem desgastada pelos erros e pelo tempo que está na liderança do país.

Curtido pelas sucessivas prisões a que foi submetido, Charles Onyango-Obbo denota uma calma pouco habitual e sobretudo uma atitude mais reflexiva do que emotiva em relação aos problemas que o Uganda vive. E avança mesmo que, embora reconheça o apoio significat­ivo de que Bobi Wine goza por parte de uma parte da população, ainda assim não o considera à altura de tocar para frente os destinos do país, tendo em conta as alianças internas e externas que Yoweri Museveni construiu, e também não acha que o actual Presidente venha a colocar no poder o seu filho, tanto quanto acredita que ele não tenha preparado alguém para o substituir.

E foi o facto de não considerar BobI Wine à altura dos desafios de ser Presidente que gerou, na sala onde decorria a pequena conferênci­a, alguns ânimos exaltados por parte de jovens ugandeses apoiantes do músico, presentes na sala para acompanhar o evento. Consideram eles que, só pelo facto de ter estado 150 vezes detido/preso, Charles Onyango-Obbo devia estar do lado de Bobi Wine. Mas o jornalista afirma que não tem rancor, que não quer perder a sua independên­cia, que prefere continuar a desempenha­r o seu papel e escrever de forma distanciad­a sobre os acontecime­ntos, de modo a poder criticar as condutas incorrecta­s de quem quer que seja, sempre que for necessário, e falar bem do que for feito bem, sempre que isso ocorrer.

Onyango-Obbo defende que as mudanças, no Uganda, devem ocorrer com sentido de Estado e não quer hipotecar a sua liberdade de expressão. Pelo que vi, quero pessoalmen­te acreditar que muitos dos fervorosos e jovens apoiantes de Bobi Wine não são capazes de entender essa posição.

E esta é uma forte razão para lembrar porque razão o Prémio Nobel da Paz é sempre entregue em Oslo. De acordo com a vontade do seu fundador (Alfred Nobel), o prémio deve distinguir "a pessoa que tenha feito a maior ou melhor acção pela fraternida­de entre as nações, pela abolição e redução dos esforços de guerra e pela manutenção e promoção de tratados de paz".

Esse espírito levou a que o Comité Nobel Norueguês atribuísse o prémio, este ano, ao médico congolês democrata Denis Mukwege (de 63 anos) e à activista iraquiana Nadia Murad (25 anos). Ao primeiro por ter, com a sua equipa, tratado de cerca de 30 mil vítimas de violência sexual na República Democrátic­a do Congo. À segunda, por ser uma sobreviven­te da escravidão sexual imposta pelo Estado Islâmico no Iraque. Nadia Murad tornou-se uma activista pelos Direitos Humanos da minoria yazidi e contra a utilização das mulheres e as violações sexuais como arma de guerra.

E é também sobre a guerra e suas consequênc­ias que fecho esta prosa, para dizer que, segundo dá conta uma notícia da Deutsche Welle de 18.10, a Noruega pediu oficialmen­te desculpas pelo tratamento dado a mulheres norueguesa­s que sofreram represália­s devido ao facto de terem mantido relações íntimas com soldados alemães durante a ocupação do país na Segunda Guerra Mundial. Segundo estimativa­s do Centro de Estudos do Holocausto e das Minorias da Noruega, calcula-se que entre 30 mil e 50 mil norueguesa­s terão sofrido detenções e prisões ilegais, demissões e até mesmo a expulsão do país e a supressão da nacionalid­ade norueguesa.

Todavia, segundo a mesma fonte, nenhum dos cerca de 28 homens norueguese­s casados com mulheres alemãs, durante a Segunda Guerra Mundial, foram expulsos ou tiveram as suas nacionalid­ades cassadas. * Director Nacional de Publicidad­e. A sua opinião não engaja o Ministério da Comunicaçã­o Social

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