Jornal de Angola

O machismo no seu melhor

- OSVALDO GONÇALVES

Esta estória pode chocar e, em boa verdade, corro o risco de ser acusado de machismo, ainda que me adiante a dizer que não sou machista. O que aconteceu foi que, certa manhã, estava a regar as plantas, enquanto o guarda do vizinho ouvia a Rádio Luanda. Depois da entrevista com uma moça que dizia ter sido violada pelo namorado e pelo amigo deste, o locutor de serviço ouviu o acusado, que negou tudo e mais alguma coisa. Com o contraditó­rio, o trabalho do jornalista estava completo, com a promessa, entretanto, de continuar a seguir o caso devido à gravidade da acusação e por envolver o filho de uma alta patente da Polícia Nacional.

Veio, entretanto, um spot do programa, que inclui passagens com entrevista­s anteriores e há aquela do fulano que diz: “Eram duas da madrugada. Encontrei o vizinho no meu portão a ter relações sexuais com a minha cadela”. O guarda não se conteve e, com o ar mais inocente do Mundo, saiu-se com esta: “Eh! Essa cadela é uma bandida!”

A expressão do guarda será levada de ânimo leve no momento imediato pela maioria dos leitores, homens e mulheres, não tivesse ela vindo de alguém conotado com uma das classes mais baixas da sociedade angolana. Antigo soldado, é hoje motorista e guarda de deputado. Muitos pensarão que está bem na vida, mas só ele e a mulher conhecem toda a verdade.

A maka tem a ver com o salário fixo, mais do que com qualquer outra coisa. Talvez, se se fizessem contas, concluir-se-ia que ganharia mais dedicandos­e a outra actividade, mas a função actual transmite-lhe segurança e é isso que mais estima e o que mais quer na vida. A guerra já acabou, repete o tempo todo. A finalizar cada frase, para acentuar cada pensamento.

Ele não vê qualquer sentido machista nas suas palavras. Até porque fala de uma cadela e não de uma mulher. Lá em casa, garante, quem manda é a esposa. “É assim que tem de ser!”, garante. Um homem não faria sexo com um animal, qualquer que fosse, sem ser “provocado”.

Os violadores de menores dizem o mesmo, confrontám­olo. “Ah! Esses são doentes!” – retruca. E adianta: “Com tanta mulher por aí!...” Refere-se às prostituta­s, excluindo daí as filhas. “São só aquelas meninas de rabo grande e saia curta”.

Como acontece com muitos homens, o guarda do vizinho é quase totalmente dependente da mulher, a quem chama “patroa lá de casa”. Diz-se um pai esmerado. Que é pontual, nós sabemos – todos os dias, chega cedo; se é disciplina­do ou não, só os patrões podem dizer.

O que ele tem são muitas diferenças em relação à outra vizinha. A começar porque é homem e ela mulher e, pelo que se sabe, nenhum dos dois fala num terceiro género. Afirma que sabe cozinhar. Aprendeu na tropa. Só não o faz por causa do emprego e mesmo aos domingos, deixa que sejam as meninas a irem para a cozinha. “O meu rapaz vai jogar à bola de manhã, chega a casa bué cansado e à tarde fica a dormir.

Já a vizinha afirma que os homens não sabem cozinhar. “O homem come no restaurant­e!” A conta, garante que jamais pagaria porque “homem é quem paga, mulher nunca!” Pois, aí temos uma mão cheia de contrastes: um homem que acusa uma cadela de ser bandida por ter sido abusada por outro homem, que diz saber cozinhar, mas nunca o fazer nem deixar que filho rapaz o faça, embora diga que lá em casa quem manda é a esposa, e uma mulher, que se nega a admitir qualquer aptidão masculina para a culinária, mesmo sabendo que os “mestres” mais famosos no Mundo são homens.

De um lado, um homem que diz saber cozinhar, mas que nunca come fora de casa e deixa tudo nas mãos da “patroa” e das filhas; do outro, uma mulher, ainda rapariga, para quem os homens são umas aselhas na cozinha, mas devem pagar a conta do restaurant­e sempre, aselhas.

Antigo soldado, é hoje motorista e guarda de deputado. Muitos pensarão que está bem na vida, mas só ele e a mulher conhecem toda a verdade. A maka tem a ver com o salário fixo, mais do que com qualquer outra coisa.

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