O balanço do “Milhorró” e as claques de futebol
Agora que está a terminar o prazo para o repatriamento de capitais postos fraudulentamente no estrangeiro, talvez seja a altura de voltar a dar uso ao “Milhorró” para os que ainda andam por aí, alguns deles armados em grandes vítimas, perceberem que aqui já não têm futuro
“Milhorró” , de Vate Costa e “Os Kiezos”, fez furor em 1973, nos salões de Luanda, principalmente, nos dos subúrbios, mas também em quintais de casas particulares, muitos deles, num e noutro caso, de terra batida.
O êxito deveu-se, em grande parte, à letra simples, interpretada de maneira diferente consoante quem a ouvia, mas também à batida da música executada por instrumentistas de excelência.
“Milhorrô”, de qualquer forma, é uma referência da música popular angolana, que ficará para sempre na memória de quem a ouviu num tempo de repressão, muito mais violenta de que alguns querem agora fazer crer, no qual a mordaça da liberdade, expressa das mais variadas formas, funcionava como catana afiada sobre os sonhos de todos os angolanos que ambicionavam ser apenas donos do próprio destino, numa Pátria livre e soberana.
Naquele tempo, quando “Milhorrô” surgiu, as luzes amarelas dos jipes da tropa ocupante continuavam a espreitar todas as noites pelas aduelas dos muros dos quintais, vasculhar desrespeitosamente as vidas de famílias, semear o medo. Por isso, aplauso e espanto pela ousadia de Vate e de “Os Kiezos” foram iguais, quando entoaram a revolta pela voz do cantor, mas igualmente das cordas das violas, dos sons únicos da ngoma e da dikanza.
E de repente, Luanda parecia ser altifalante gigante, do tamanho da alma do povo, de alguns dos seus melhores filhos, que sonhavam com uma Pátria livre. E repetia o refrão: “não, isto assim não pode ser, vão, vão-se embora, que isso assim não pode ser, Milhorroooô!”. O recado para muitos era dirigido ao ocupante. Para outros, com ideais circunscritos ao emprego, carro e pouco mais - “a minha política é o futebol” - , os assimilados, entendiam que os “alvos” eram os “patos”, os que entravam em tudo o que era festa, sem pagar.
Interpretações à parte, o refrão de “Milhorrô” ficou na minha memória, bem como certamente, na de outros pessoas da minha geração. Ainda hoje, dou comigo, cada vez mais, a cantarolá-lo. E um dia destes, surpreendi-me a pensar que podia ter sido empregue na “Operação Transparência” destinada a acabar com a bagunça das zonas diamantíferas. Que devia ter começado com aquela canção do Vate Costa e de “Os Kiezos”, a avisar os garimpeiros ilegais que as coisas não podiam continuar a ser como eram, que tinham de ir embora, que já não os queríamos cá, em desordem. E com eles também podiam ir quem lhes permitiu aquele regabofe.
Mais: agora que está a terminar o prazo para o repatriamento de capitais postos fraudulentamente no estrangeiro, talvez seja a altura de voltar a dar uso ao “Milhorró” para os que ainda andam por aí, alguns deles armados em grandes vítimas, perceberem que aqui já não têm futuro. Tal como os cultores da corrupção, do nepotismo, impunidade, enormemente responsáveis pelo atraso do desenvolvimento de Angola, a nível de praticamente todos os sectores.
Para tudo isto, basta recorrer às novas tecnologias para se encontrar uma forma de o “Milhorrô” ser ouvido por toda esta gente. Mas, tenho ainda outra sugestão para o aproveitamento da canção. Ser disponibilizado num dispositivo às claques de futebol, principalmente dos clubes europeus, com o aviso de Vate Costa e de “Os Kiezos”: “não, isto assim não pode ser, vão-se embora, isto assim não pode ser, Milhorroooô”. Não arranjavam problemas de garganta, nem cansavam os braços encimados por lenços para mandarem treinadores embora. Além do mais, tornavam os recintos desportivos mais animados.
Para as claques, treinadores, dirigentes, toda a tribo do futebol, era muito melhor. “Os Kiezos”, que completam este mês 53 anos, e Vate Costa, ganhavam umas massas, provavam ser possível manifestar indignação em festa e o “Milhorrô” internacionalizava-se.