O resgate de Samakuva
A governação, nas democracias modernas, pressupõe também consensos alargados entre os actores políticos, entre os partidos políticos com uma palavra a dizer a nível da governação, em vez da apologia de rupturas bruscas como defendem alguns. Hoje, os Estados não são ilhas e a forma como são governados, com ou sem alternância política, influenciam sempre e muito a maneira como os parceiros estrangeiros, seja países, seja organizações internacionais, encaram e passam a interagir com os mesmos. Há responsabilidade acrescida da parte dos políticos quando publicamente defendem actuações e procedimentos que, embora oportunos do ponto de vista demagogo e populista, apenas perturbam e desviam as atenções.
Senão para que serve ao líder da UNITA vir a público com declarações segundo as quais as medidas tomadas pelo Executivo no âmbito da “Operação Resgate” apenas demonstram que o “Governo está atrás do prejuízo.” Há Estados na Europa e na América, por exemplo, que neste momento legislam e implementam medidas anti-migratórias para conter a vaga de imigrantes ilegais e com elas uma série de actos criminais conexos. Estarão igualmente estes Estados atrás do prejuízo ou se trata apenas de iniciativas que as entidades de qualquer Estado promovem regularmente e em função dos objectivos a que se propõem em defesa do Estado?
Na abertura do IV congresso da JURA, braço juvenil da UNITA, Isaías Samakuva, líder daquele partido, disse que Angola “precisa de mudar radicalmente o seu sistema de educação, de ensino, o sistema de saúde e os sistemas de produção. O seu sistema de Governo e a sua cultura de governação.”
É provável que Isaías Samakuva tenha feito o referido discurso mais para agradar a plateia que o acompanhava, eventualmente para “seduzir” alguma opinião pública ou, nostalgicamente, para produzir algum facto político. A criação de factos políticos alimentou muito a vida política angolana e foi, durante algum tempo, a principal bandeira daqueles líderes que, para fugir da penumbra, se sentiam tentados a adoptar este velho procedimento. Mas estão no seu direito, obviamente, inclusive quando incorrem na defesa do absurdo apenas para mostrar que “estão do lado do povo.”
Quando defende o resgate da cidadania, pedindo depois ao longo da mesma intervenção que se não confundisse o citado exercício com a operação em curso, Samakuva demarca-se dos actuais esforços para reordenar a venda ambulante, afasta-se do compromisso que se pretende assumir para reorganizar a vida a vários níveis. Em suma, o líder da UNITA defende a continuação do estado de coisas a que chegamos, embora acabe se contradizendo depois quando defende mudanças radicais para o país. Parece ser o resgate de Samakuva, traduzido na defesa de ilegalidades que o Estado angolano pretende agora erradicar para bem da vida das famílias, empresas e pessoas.