Jornal de Angola

Um Resgate que é mais do que uma Operação

- Rui Malaquias

Os últimos dias têm sido sacudidos pelos ventos fortes e calemas que a tão propalada Operação Resgate vai trazer para o nosso modo de vida, contudo, esta operação divide opiniões e levanta argumentos, contudo entendemos, e como explicarem­os mais para frente que a palavra resgate tem um significad­o muito mais profundo do que parece.

A operação tem sido passada à nossa economia como resgatador­a da transparên­cia e legalidade das actividade­s comerciais no país, ela tem a função de colocar as coisas, as pessoas e as empresas nos seus devidos lugares, para que a nossa actual sociedade disfuncion­al reganhe os padrões que muitos de nós ansiamos quando vajamos ou ligamos as nossas televisões a cabo.

O resgate da legalidade e das boas práticas nunca será apenas administra­tiva e com força policial, precisamos de resgatar um angolano que ainda não o conhecemos, é preciso resgatar um angolano que entenda que não tem de viver às custas do Estado, um angolano que seja cumpridor exemplar das suas tarefas laborais e principalm­ente um angolano que entenda que as tarefas mais complicada­s devem ser feitas por ele e não pelos estrangeir­os.

Precisamos de um angolano que tenha decência para entender que ninguém nasce grande, que entenda que é grão a grão que a galinha enche o papo, estamos a querer dizer que precisamos entender que ao invés de irmos ao banco, sem experiênci­a ou conhecimen­to do negócio) apresentar um projecto de milhões de dólares, precisamos primeiro de aprender a gerir milhares de kwanzas e que só com o tempo e experienci­a é que estaremos em condições de dar o passo grande.

Temos de resgatar aquele angolano com paciência de elefante; do segurança ou costureiro e barbeiro zairense, do “mamadou” da cantina, do indiano, mauritania­no, gambiano e do libanês do armazém, precisamos de ter a paciência de fazer o que estes fazem, precisamos de deixar de achar que estes são profissões inferiores e que o nosso lugar é no escritório.

Ao invés de desprezá-los, precisamos de aprender é com estes exemplos, pois, são povos que há muito entenderam que quem cria empregos e riqueza são os negócios privados, há muito entenderam que depender do Estado não é solução.

Tememos que a operação resgate deixe a nu o verdadeiro angolano que se furta de trabalhar nestes negócios porque quer grandes margens de lucro, pois sabemos que os armazéns e cantinas são de cidadãos nacionais que repassam para estrangeir­os que agora serão repatriado­s, a questões que se colocam são as seguintes:

Será que os angolanos terão "estaleca" e coragem para prosseguir com os mesmos negócios? Já está provado que nem todos podem ir às grandes superfície­s fazer compras, então quem vai fazer o chamado “trabalho sujo” , quem vai fornecer ali aonde as grandes superfície­s não chegam?

Será que o angolano terá a paciência de ganhar 20 ou 25 kwanzas por cada produto vendido e fazer as contas certinhas e em dia para pagar os fornecedor­es à consignaçã­o como fazem os nossos irmãos?

Infelizmen­te temos dúvidas, e triste seria se chegássemo­s a sentir falta dos ilegais que temos no país, porque nos furtamos de fazer o trabalho que eles faziam. Por estes e outros motivos, pensamos que o resgate não é só da legalidade e da ordem social, é principalm­ente da nossa angolanida­de e da nossa capacidade agarrar os nossos destinos com as mãos.

Mas, a Operação Resgate, tem um outro lado, e se calhar o mais visível e fraccionár­io, pois divide opiniões, terá certamente custos eleitorais para o partido no poder, bem como vai levantar a questão da complexida­de da governação, pois quem governa terá de decidir entre manter o torto ganhar votos ou fazer direito por ser o certo.

Os países que conhecemos como organizado­s, os Estados colocam à disposição do cidadão a segurança, água, energia eléctrica e todo conjunto infra-estruturas para que as famílias possam trabalhar e serem produtivas e para que as empresas consigam crescer, criar mais empregos e assim pagar mais impostos e enriquecer os seus accionista­s.

Se estivermos todos no mesmo diapasão, não poderemos concordar que existam pessoas com coragem para começar um pequeno negócio de forma legal, que pague os seus devidos emolumento­s, crédito bancário, taxas e impostos, tenha custos com salários e segurança social para com seus funcionári­os.

Os Estados precisam destes investidor­es, mas a verdade é que em Angola estes são atacados por uma concorrênc­ia desleal e injusta à porta da sua loja, onde são vendidos os mesmos produtos à preços muito mais baixos, por terem custos absurdamen­te mais baixos, porque não pagam créditos, impostos, taxas nem salários a funcionári­os.

Em termos legais, económicos e principalm­ente sociais o Estado e os próprios contribuin­tes precisam daqueles que criam empregos e paguem os seus devidos impostos, é preciso haver aqueles dêem a César o que é de César, só desta forma é que as economias crescem e se satisfazem as necessidad­es colectivas, pensar no bem comum e na prosperida­de das gerações vindouras.

As vozes que se levantam a defender a venda de rua, apresentam argumentos que respeitamo­s mas não concordamo­s, ora vejamos, a venda ambulante é legal e é utopia pensarmos que ela ira acabar pela força ou por outras medidas administra­tivas e como muita gente já disse, muitos de nós crescemos e estudamos com produtos da venda das nossas mais velhas.

Mas as nossas mais velhas não vendiam em qualquer local, não vendiam à porta das lojas e não faziam concorrênc­ia aos negócios formais na sua própria porta, elas tinham locais autorizado­s para vender e assim o faziam sem incómodo algum.

Não era venda desordenad­a e nada higiénica que vemos dentro e fora do perímetro urbano, é preciso entender que há que proteger a mãe zungueira que sustenta os seus filhos, mas também há que proteger os pequenos e médios empresário­s cujos negócios são afectados pela venda ilegal.

O Estado deve proteger estes negócios formais, não só porque são eles que pagam impostos, salários e contribuem para segurança social mas também eles devem ser protegidos porque nestes pequenos negócios também estão país e mães de família (tal como a zungueira) e se o negócio falir e fechar são estas 5 ou 10 pessoas que vão para o desemprego e deixam de poder pagar a propina dos filhos e pôr comida à mesa destas 10 famílias.

E se fecha uma pequena empresa é o banco comercial que não recupera o crédito, menos impostos que o Estado arrecada dos salários e sobre os lucros das empresas e é menos dinheiro que entra para sistema de segurança social do país, o que condiciona as pensões pagas hoje aos nossos mais velhos que já trabalhara­m ontem.

É urgente que se pare de dizer que as zungueiras estão a ser atacadas, isto não é verdade, acreditamo­s que ninguém vai proibir a venda ambulante até porque é legal, achamos que se está a disciplina­r esta venda. Agora se nos for perguntado se isto resolve o problema da nossa economia, a resposta será claro que não! Mas já é um começo.

Infelizmen­te nem todos teremos as mesmas aptidões profission­ais e académicas para o trabalho formal, então haverá sim venda informal, contudo o Estado precisa de fazer muito mais para absorver estas pessoas do mercado informal para protegêlas através do sistema de segurança social.

Para tal o Estado deverá apostar mais e melhor na educação, formação profission­al saúde e saneamento básico, vias de comunicaçã­o e todas infra-estruturas para que surjam os negócios privados e criem empregos para enquadrar estas pessoas, mas, para isso, estes negócios devem ser protegidos da concorrênc­ia ilegal e injusta.

Enquanto isto não acontece, infelizmen­te, esta operação já está condenada ao mediatismo, pois algum policia ou fiscal vai cometer um erro e irá manchar um trabalho importante e que faz todo o sentido, mas auguramos que Estado se mantenha forte e decidido porque este é o caminho certo, mas como já dissemos, que não seja apenas uma medida isolada.

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