Um Resgate que é mais do que uma Operação
Os últimos dias têm sido sacudidos pelos ventos fortes e calemas que a tão propalada Operação Resgate vai trazer para o nosso modo de vida, contudo, esta operação divide opiniões e levanta argumentos, contudo entendemos, e como explicaremos mais para frente que a palavra resgate tem um significado muito mais profundo do que parece.
A operação tem sido passada à nossa economia como resgatadora da transparência e legalidade das actividades comerciais no país, ela tem a função de colocar as coisas, as pessoas e as empresas nos seus devidos lugares, para que a nossa actual sociedade disfuncional reganhe os padrões que muitos de nós ansiamos quando vajamos ou ligamos as nossas televisões a cabo.
O resgate da legalidade e das boas práticas nunca será apenas administrativa e com força policial, precisamos de resgatar um angolano que ainda não o conhecemos, é preciso resgatar um angolano que entenda que não tem de viver às custas do Estado, um angolano que seja cumpridor exemplar das suas tarefas laborais e principalmente um angolano que entenda que as tarefas mais complicadas devem ser feitas por ele e não pelos estrangeiros.
Precisamos de um angolano que tenha decência para entender que ninguém nasce grande, que entenda que é grão a grão que a galinha enche o papo, estamos a querer dizer que precisamos entender que ao invés de irmos ao banco, sem experiência ou conhecimento do negócio) apresentar um projecto de milhões de dólares, precisamos primeiro de aprender a gerir milhares de kwanzas e que só com o tempo e experiencia é que estaremos em condições de dar o passo grande.
Temos de resgatar aquele angolano com paciência de elefante; do segurança ou costureiro e barbeiro zairense, do “mamadou” da cantina, do indiano, mauritaniano, gambiano e do libanês do armazém, precisamos de ter a paciência de fazer o que estes fazem, precisamos de deixar de achar que estes são profissões inferiores e que o nosso lugar é no escritório.
Ao invés de desprezá-los, precisamos de aprender é com estes exemplos, pois, são povos que há muito entenderam que quem cria empregos e riqueza são os negócios privados, há muito entenderam que depender do Estado não é solução.
Tememos que a operação resgate deixe a nu o verdadeiro angolano que se furta de trabalhar nestes negócios porque quer grandes margens de lucro, pois sabemos que os armazéns e cantinas são de cidadãos nacionais que repassam para estrangeiros que agora serão repatriados, a questões que se colocam são as seguintes:
Será que os angolanos terão "estaleca" e coragem para prosseguir com os mesmos negócios? Já está provado que nem todos podem ir às grandes superfícies fazer compras, então quem vai fazer o chamado “trabalho sujo” , quem vai fornecer ali aonde as grandes superfícies não chegam?
Será que o angolano terá a paciência de ganhar 20 ou 25 kwanzas por cada produto vendido e fazer as contas certinhas e em dia para pagar os fornecedores à consignação como fazem os nossos irmãos?
Infelizmente temos dúvidas, e triste seria se chegássemos a sentir falta dos ilegais que temos no país, porque nos furtamos de fazer o trabalho que eles faziam. Por estes e outros motivos, pensamos que o resgate não é só da legalidade e da ordem social, é principalmente da nossa angolanidade e da nossa capacidade agarrar os nossos destinos com as mãos.
Mas, a Operação Resgate, tem um outro lado, e se calhar o mais visível e fraccionário, pois divide opiniões, terá certamente custos eleitorais para o partido no poder, bem como vai levantar a questão da complexidade da governação, pois quem governa terá de decidir entre manter o torto ganhar votos ou fazer direito por ser o certo.
Os países que conhecemos como organizados, os Estados colocam à disposição do cidadão a segurança, água, energia eléctrica e todo conjunto infra-estruturas para que as famílias possam trabalhar e serem produtivas e para que as empresas consigam crescer, criar mais empregos e assim pagar mais impostos e enriquecer os seus accionistas.
Se estivermos todos no mesmo diapasão, não poderemos concordar que existam pessoas com coragem para começar um pequeno negócio de forma legal, que pague os seus devidos emolumentos, crédito bancário, taxas e impostos, tenha custos com salários e segurança social para com seus funcionários.
Os Estados precisam destes investidores, mas a verdade é que em Angola estes são atacados por uma concorrência desleal e injusta à porta da sua loja, onde são vendidos os mesmos produtos à preços muito mais baixos, por terem custos absurdamente mais baixos, porque não pagam créditos, impostos, taxas nem salários a funcionários.
Em termos legais, económicos e principalmente sociais o Estado e os próprios contribuintes precisam daqueles que criam empregos e paguem os seus devidos impostos, é preciso haver aqueles dêem a César o que é de César, só desta forma é que as economias crescem e se satisfazem as necessidades colectivas, pensar no bem comum e na prosperidade das gerações vindouras.
As vozes que se levantam a defender a venda de rua, apresentam argumentos que respeitamos mas não concordamos, ora vejamos, a venda ambulante é legal e é utopia pensarmos que ela ira acabar pela força ou por outras medidas administrativas e como muita gente já disse, muitos de nós crescemos e estudamos com produtos da venda das nossas mais velhas.
Mas as nossas mais velhas não vendiam em qualquer local, não vendiam à porta das lojas e não faziam concorrência aos negócios formais na sua própria porta, elas tinham locais autorizados para vender e assim o faziam sem incómodo algum.
Não era venda desordenada e nada higiénica que vemos dentro e fora do perímetro urbano, é preciso entender que há que proteger a mãe zungueira que sustenta os seus filhos, mas também há que proteger os pequenos e médios empresários cujos negócios são afectados pela venda ilegal.
O Estado deve proteger estes negócios formais, não só porque são eles que pagam impostos, salários e contribuem para segurança social mas também eles devem ser protegidos porque nestes pequenos negócios também estão país e mães de família (tal como a zungueira) e se o negócio falir e fechar são estas 5 ou 10 pessoas que vão para o desemprego e deixam de poder pagar a propina dos filhos e pôr comida à mesa destas 10 famílias.
E se fecha uma pequena empresa é o banco comercial que não recupera o crédito, menos impostos que o Estado arrecada dos salários e sobre os lucros das empresas e é menos dinheiro que entra para sistema de segurança social do país, o que condiciona as pensões pagas hoje aos nossos mais velhos que já trabalharam ontem.
É urgente que se pare de dizer que as zungueiras estão a ser atacadas, isto não é verdade, acreditamos que ninguém vai proibir a venda ambulante até porque é legal, achamos que se está a disciplinar esta venda. Agora se nos for perguntado se isto resolve o problema da nossa economia, a resposta será claro que não! Mas já é um começo.
Infelizmente nem todos teremos as mesmas aptidões profissionais e académicas para o trabalho formal, então haverá sim venda informal, contudo o Estado precisa de fazer muito mais para absorver estas pessoas do mercado informal para protegêlas através do sistema de segurança social.
Para tal o Estado deverá apostar mais e melhor na educação, formação profissional saúde e saneamento básico, vias de comunicação e todas infra-estruturas para que surjam os negócios privados e criem empregos para enquadrar estas pessoas, mas, para isso, estes negócios devem ser protegidos da concorrência ilegal e injusta.
Enquanto isto não acontece, infelizmente, esta operação já está condenada ao mediatismo, pois algum policia ou fiscal vai cometer um erro e irá manchar um trabalho importante e que faz todo o sentido, mas auguramos que Estado se mantenha forte e decidido porque este é o caminho certo, mas como já dissemos, que não seja apenas uma medida isolada.