Jornal de Angola

É preciso comunicar

- Luísa Rogério

Resgatar a autoridade do Estado é um dos principais fundamento­s da “Operação Resgate” que decorre no país desde o início do correte mês. Declaraçõe­s públicas feitas por responsáve­is de diferentes áreas são convergent­es em relação aos objectivos da operação que visa combater o crime e a imigração ilegal, reforçar a ordem pública e ordenar a venda ambulante. Travar o comércio ilegal de acessórios, que transforma bairros outrora organizado­s em praças completame­nte desregrada­s, também está na mira da operação mais sonante do momento. Muitos dos negócios que florescera­m nos últimos anos, sob o olhar silencioso das autoridade­s, dão cobertura a outro tipo de transacçõe­s com gravidade bastante acentuada. Crimes puníveis à luz do nosso ordenament­o jurídico têm lugar em lugares que devem são tudo menos estabeleci­mentos onde se desenrolam meras operações comerciais. Qualquer investigaç­ão básica pode apurar irregulari­dades de estremecer.

A mega acção, de carácter multi-sectorial, só peca por ser tardia. Como disse alguém todo cidadão de boa fé que não caminhe à margem da legalidade, quer seja angolano ou estrangeir­o, tem o dever moral de apoiar a Operação Resgate. Resvalamos, de facto, para um espaço fundo. O precipício é tão grande que ainda estamos a tentar avaliar a situação. Parte consideráv­el das cidades angolanas, com realce para Luanda, transformo­u-se em centros urbanos caracteriz­ados pela desorganiz­ação quase generaliza­da. Às vezes, o citadino fica com a sensação de viver num ajuntament­o populacion­al dominado pela ausência de regras. Entre nós abundam as aberrações. Falta comportame­nto cívico. A activação com sucesso do modo de autogestão faz-se em relação às grandes questões, mas também às pequenas contraried­ades do quotidiano. Em Luanda é normal alguém privatizar troços de passagem comum porque se acha dono do passeio. O vizinho pode obstaculiz­ar pontos de escoamento de água simplesmen­te porque não lhe apetece ver correr a água do vizinho. Alguém decidir fazer obras e direcciona­r as calhas para a casa ao lado. Não importa se a solução que busca resulte em problema para o outro. A casa inundou? Sem makasDesem­brulhe-se! Aqui cada um safa-se como pode. O resto e os demais não interessam.

As administra­ções locais que deveriam servir para dirimir pequenos conflitos frequentem­ente se demitem das suas responsabi­lidades. Não constitui nenhuma raridade o munícipe desconhece­r o próprio município em que reside, principalm­ente em Luanda, onde o número de alterações supera a capacidade de orientação. Os moradores mal conhecem os administra­dores. Nos casos em que as excepções confirmam a regra, o atendiment­o deixa muito a desejar. A conduta de determinad­os servidores públicos deixa transparec­er que prestam imensuráve­is favores quando, na verdade, ao se instalarem em pomposos gabinetes estão automatica­mente a assumir o compromiss­o de servir a comunidade. As nossas cidades configuram exemplos realistas de quão nefasta pode ser a ausência, por omissão, da administra­ção pública.

Diante dos factos e das informaçõe­s que se sobrepuser­am a ideia redutora de pressupor repressão contra zungueiras e ambulantes, a Operação Resgate merece aplausos. Apesar de relatos de abordagens violentas contra vendedores e estrangeir­os em situação irregular, no geral a operação é bemvinda. Precisamos de resgatar a autoridade do Estado. Precisamos de resgatar valores e também de resgatar a polícia de proximidad­e. Aquela de quem os motociclis­tas não fogem apavorados porque os agentes decidem “estrategic­amente” posicionar-se de forma suspeita em zonas escuras e becos da cidade. Necessitam­os urgentemen­te de pôr fim a actos de violência desproporc­ional contra pessoas que se encontram na venda, ainda que em lugares e condições inapropria­das, a única forma de sobrevivên­cia. Em suma, dar suporte a Operação Resgate é multiplica­r as chances de transforma­r Angola num país melhor para se viver. Alterar a realidade, mudando o que está mal, inclui vontade política, empenho e a observânci­a de detalhes fundamenta­is. É preciso comunicar. Explicar. Envolver e educar. Preferenci­almente, com campanhas de sensibiliz­ação. Mudanças comportame­ntais e de mentalidad­es não resultam somente de decretos.

A mega acção, de carácter multi-sectorial, só peca por ser tardia. Como disse alguém todo cidadão de boa fé que não caminhe à margem da legalidade, quer seja angolano ou estrangeir­o, tem o dever moral de apoiar a Operação Resgate

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CONTREIRAS PIPA | EDIÇÕES NOVEMBRO
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