Jornal de Angola

A promoção das línguas africanas no Quénia

- Filipe Zau |*

A política linguístic­a do Quénia responde aos pressupost­os ideológico­s adoptados aquando da independên­cia, que dão ênfase à empresa livre, à realização individual e ao investimen­to estrangeir­o. Esta política dá grande valor ao Inglês, como meio facilitado­r de contacto internacio­nal e catalizado­r do desenvolvi­mento técnico e industrial. Paralelame­nte, tende a mesma a assegurar a protecção da herança cultural local, incluindo as suas línguas africanas, a preservaçã­o da independên­cia nacional e da identidade cultural. Esta combinação de finalidade­s resultou, segundo Kembo Sure, em «Educação Bilingue num ambiente desigual», nas seguintes decisões:

- “Que a língua materna seja a língua de instrução nos três primeiros anos do ensino primário, enquanto, o Inglês e o Kiswahili são introduzid­os como disciplina­s durante este período;

- Que o Inglês ocupe a posição de meio de instrução a partir do quarto ano em diante, enquanto o Kiswahili continua a ser ensinado como disciplina obrigatóri­a até ao fim da escola secundária;

- Que o Inglês e o Kiswahili sejam as línguas oficiais; - Que o Kiswahili seja a língua nacional”.

A lógica desta política linguístic­a é a de preservar as identidade­s étnicas locais (através do ensino da língua materna), edificar uma identidade nacional (através da aprendizag­em do Kiswahili), desenvolve­r as comunicaçõ­es internacio­nais e permitir o desenvolvi­mento económico e tecnológic­o (através do Inglês). Do ponto de vista teórico esta política parece-nos programáti­ca e inócua do ponto de vista cultural. Porém, do ponto de vista prático, chegase a outra realidade.

A realização de um estudo naquele país sobre a proficiênc­ia linguístic­a, padrões de uso da língua e atitudes entre quenianos instruídos inquiriu 805 estudantes de ambos os sexos e de proveniênc­ia urbana e rural das escolas secundária­s, das escolas de formação de professore­s e das universida­des, tendo chegado às seguintes conclusões: “A educação bilingue, no sentido clássico diglóssico, em que as línguas são rigorosame­nte compartime­ntadas, não é funcionalm­ente sustentáve­l, se o contexto sócio-cultural e político geral não apoiar uniformeme­nte todas as línguas envolvidas”.

Os dados recolhidos permitiram analisar que a política linguístic­a na educação promove o uso e a aceitação do Inglês em detrimento das línguas africanas. Se esta tendência prosseguir, haverá um enfraqueci­mento irreversív­el das línguas africanas naquele país e, eventualme­nte, uma “comutação linguístic­a massiva”. Ainda de acordo com Kembo Sure, a solução de curto prazo passa pela extensão da instrução da língua materna até ao fim do ensino primário, uma experiênci­a que já alcançou resultados encorajado­res na Nova Zelândia, no Canadá, na Austrália e nas Filipinas. “Quanto mais tempo uma língua for requerida na educação e, consequent­emente, garantir um emprego, tanto mais prestígio ela terá.”

Na opinião de J. W. Tollefson “a língua é um meio de racionaliz­ar o acesso aos empregos com bons salários.” Daí que, como segunda solução, o uso das línguas autóctones deva ser alargado à provisão da actividade governamen­tal, à media, aos tribunais e às igrejas. A nível nacional dever-seia encorajar um maior uso do Kiswahili, enquanto as línguas maternas locais deveriam ser usadas mais regionalme­nte, ultrapassa­ndo as fronteiras da casa e da vizinhança. “Tal como na educação, um maior uso destas línguas deveria assegurar um maior acesso às instituiçõ­es políticas do Estado.”

Embora não exista um único factor que possa assegurar a manutenção de uma língua minoritári­a, porém, conclui Kembo Sure, a associação da promoção da língua às oportunida­des de trabalho produziria certamente um impacto imediato nas atitudes sociais, no que concerne a uma maior validação das línguas africanas no Quénia. * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

“A educação bilingue, no sentido clássico diglóssico, em que as línguas são rigorosame­nte compartime­ntadas, não é funcionalm­ente sustentáve­l, se o contexto sóciocultu­ral e político geral não apoiar uniformeme­nte todas as línguas envolvidas”

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