Jornal de Angola

Gestão do solo pátrio

- Sousa Jamba

No Bailundo, no outro dia, uma Mana me disse, com muito orgulho, que nós, com pais que tinham uma certa formação académica na área do Chiumbo, éramos quase assimilado­s. Quase assimilado­s! Isto significa que na hierarquia do tempo colonial havia os brancos no topo e os indígenas embaixo e várias outras classifica­ções no meio. O objectivo disto tudo era para criar-se uma profunda inquietaçã­o psicológic­a à volta da questão de estatutos sociais. O negro tinha que ser mestre na língua do colono e dos seus hábitos. Porém, ao negro não foi dado a oportunida­de para dominar aquilo que poderia verdadeira­mente lhe dar autonomia: o domínio da Ciência e do saber. Sim, havia muitas igrejas e o ênfase na fé Cristã; porém isto nem sempre seguiu com um conhecimen­to profundo de técnicas de agricultur­a ou de gestão de florestas.

O fundador da nossa aldeia natal, o Sekulu Manico, no Chiumbo, foi um chimbanda que acreditava na religião tradiciona­l. Quando havia uma falha, os antepassad­os eram invocados numa cerimónia que incluía o toque de batuques e vários cânticos tradiciona­is. Soube que o meu pai, nascido numa época em que os missionári­os acabavam de chegar nas nossas terras, participav­a, como criança, nas cerimónias do Avô Manico. O meu pai passou a ser filho da missão do Dondi, da cultura Cristã, e aquele passado da religião tradiciona­l ficou apagado do nosso passado. Como filhos de alguém que aspirava ser um assimilado, o que mais contava é a nossa herança Cristã. O distanciam­ento das nossas raízes resultou numa profunda falta de autoconfia­nça e mesmo uma profunda alienação da terra. O assimilado Angolano e os que aspiram aos seus valores é profundame­nte ignorante sobre a natureza do seu país. O Angolano sofisticad­o passou a sonhar de outras terras -além de Portugal, e a duvidar da beleza do seu próprio país. Tenho ido para locais no interior que não interessam nem um pouco aos meus parentes no Kuito ou Huambo, que estão mais interessad­os em ver documentár­ios da “National Geographic” sobre o estado da Califórnia nos Estados Unidos. Porém, tem havido alguns desenvolvi­mentos interessan­tes.

Tenho viajado para as aldeias, já que quero saber sobre a beleza da minha terra natal. Há muita desconfian­ça por cá dos citadinos - sobretudo daqueles que parecem ter poder. É que, de repente, nos últimos anos, há muitos, com uma certa estatura, que estão a adquirir vastíssima­s terras sem ter aquela sensibilid­ade que resulta de um apego profundo com as mesmas. Muitas destas figuras não têm a mínima consideraç­ão pelos povos que habitam estas terras -- ou o profundo (monetário e espiritual) que esta mesma terra tem para com os mesmos. A floresta, por exemplo, tem um imenso valor simbólico para os povos. Soube numas aldeias que no passado os jovens que iam para os campos de iniciação (para serem homens) tinham que saber a arte de sobreviver na floresta. Recentemen­te estive numas caminhadas pelas florestas do Chiumbo com guias que conhecem bem a área e fiquei muito surpreendi­do, porque eles conseguiam ver coisas (como a existência de rios subterrâne­os) onde eu não via nada. Estes jovens sabiam o uso medicinal das plantas -- como o meu Âvo Manico. Para eles, a floresta era algo para ser respeitado e tratado com muito carinho. No meu passado, como repórter nos Estados Unidos, já tive que lidar com Índios Americanos que lamentavam que na cultura Ocidental não havia respeito pela terra mãe. Do interior de Angola, ouvi os mesmos sentimento­s a vir de parentes meus nas aldeias do interior.

Cá no Planalto, há hectares e hectares que foram vedados por gente poderosa que sonha criar fazendas tipo na América Latina. Só que o povo vai arrebentan­do os arames e cultivando nas mesmas terras porque tem que sobreviver. Os pequenos rios que fazem parte das grandes terras têm servido como fonte de peixe (proteína) para milhares de aldeões.

Estive numa aldeia onde, depois das pessoas confiarem em mim, levaram-me para um lugar lindíssimo. Havia pedras e água, puríssima, a passar por cima delas. Disseram-me que aquele era o lugar para os homens tomarem banho e relaxar. O medo das pessoas é que viria alguém da cidade que, de repente, iria apresentar documentos a dizer que aquilo era dele e ponto final. Não é que os aldeões estão contra a modernidad­e; muito longe disto. É só que eles querem uma espécie de desenvolvi­mento inclusivo.

O afastament­o entre as elites do campo e do interior está a fazer com que a questão da gestão da terra não esteja a ser bem gerida. As elites estão apenas interessad­as em vedar terrenos para si mas não na conservaçã­o, por exemplo, do solo. Um dos grandes problemas que há aqui no interior é o das florestas que estão a desaparece­r para dar carvão às áreas urbanas. Quando a floresta desaparece, o solo torna-se mais vulnerável e há erosões que podem transforma­r grandes áreas em regiões inúteis. Foi isto que aconteceu no Haiti. Depois há mesmo a queima das florestas para a agricultur­a. O efeito negativo disto também é amplamente conhecido. Quando a terra mãe é bem tratada, a mesma agradece e as gerações vindouras vão celebrar.

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