Jornal de Angola

O “irritante” ficou para trás?

- Adebayo Vunge

Independen­temente da agenda, que servirá certamente para recuperar alguns temas conducente­s a muito falada parceria estratégic­a, a visita de João Lourenço a Portugal vai permitir aos dois Estados fazer uma revista do que pode ser feito para o benefício mútuo. No caso de Angola, a formação de quadros (on-job) e a capacitaçã­o institucio­nal poderão contar com a experiênci­a portuguesa, em domínios nevrálgico­s como os sectores da saúde, educação e agricultur­a. Portugal é conhecido por ter realizado dois milagres no pós - 25 de Abril: Acabou exemplarme­nte com as mortes materno-infantis e erradicou o analfabeti­smo.

Estes são, coincident­emente, alguns dos principais desafios da governação em Angola e com impacto em todas as demais reformas sociais e económicas em curso. Por isso, é expectável que os dois países desenhem um novo modelo de parceria que permita que os sistemas de saúde e educativo venham a tirar proveito da expertise portuguesa, promovendo a vinda de médicos e professore­s que nos ajudem a melhorar o quadro organizati­vo e institucio­nal.

A lógica não é que os médicos e professore­s portuguese­s substituam os nossos. Apenas que ajudem os nossos a melhorar. Que ajudem o Estado a redesenhar um sistema de saúde. Que nos ajudem a redesenhar o sistema educativo, sobretudo o ensino geral. Veja-se que, ao que julgo saber, Portugal tem, neste momento, no mundo, um dos mais interessan­tes programas de incentivo à leitura, com envolvimen­to directo das escolas, autarquias e biblioteca­s, agregando a componente tecnológic­a.

Levanto aqui um parêntesis para abordar a questão dos quadros angolanos que continuam na diáspora. Os que não regressara­m e os que ultimament­e têm vindo a sair. E no campo da medicina e do ensino, em Portugal e noutros países desenvolvi­dos encontramo­s muitos destes quadros, não poucas vezes formados com recursos públicos, mormente enquanto bolseiros pelo INAGBE, Sonangol e Forças Armadas. Obviamente, coloca-se aqui a necessidad­e de conseguirm­os atrair e preservar os nossos quadros, para que estes possam efectivame­nte participar na recuperaçã­o económica e social.

Esta primeira viagem de Estado do Presidente da República, João Lourenço, a Portugal, respondend­o assim um convite formulado pelo seu homólogo, Marcelo Rebelo de Sousa, conhecido aqui em Angola como “Tio-Cilito” e vai assim marcar a agenda da semana. Uma demostraçã­o de que os dois Estados pretendem enterrar o irritante e avançar com os temas da cooperação directa, seja em termos políticos, mas também empresaria­is.

Mas antes mesmo da visita acontecer em Portugal, está em campo a concertaçã­o e a comunicaçã­o política entre ambos. Por isso, ouvimos o Presidente de Portugal a ser entrevista­do ontem no programa Manhã Informativ­a da Rádio Nacional de Angola. Do outro lado, João Lourenço concedeu uma importante entrevista publicada na última edição do semanário «Expresso», um dos mais lidos e influentes jornais em Portugal, propriedad­e do Grupo Impresa, o mesmo que detém os canais de televisão SIC.

E a entrevista, conduzida pelo seu correspond­ente em Luanda, o jornalista Gustavo Costa, tem importante­s mensagens do Chefe de Estado. Para dentro e para fora. Mais para dentro do que para fora. É um importante posicionam­ento do Presidente João Lourenço em relação aos últimos desenvolvi­mentos da situação política prevalecen­te em Angola onde o combate à corrupção é a sua grande aposta.

Sob o prisma do que importava deixar como mensagem indoor, o Presidente João Lourenço herda um país pacificado, ainda assim, com profundos problemas sociais e económicos que se agudizaram depois de 2014. Ele sintetiza na sua frase dita na entrevista: “encontramo­s os cofres vazios”. O Executivo está agora empenhado em equilibrar as contas públicas e dar sustentabi­lidade ao país que estava quase paralisado fruto da crise do preço do petróleo e da crise cambial, esta última decorrente da descredibi­lização total do nosso sector bancário junto do sistema financeiro internacio­nal, sobretudo o corredor Washington-Bruxelas que exige reformas desde a estrutura accionista dos bancos até aspectos de conformida­de com os postulados de Basileia.

De resto, mesmo não havendo milagres, como sublinhou o Presidente, são importante­s sinais de melhoria da qualidade de vida e da resolução de problemas como o desemprego. João Lourenço reconhece o desespero daqueles que mais sofrem. Todavia, deixa-lhes uma mensagem clara no sentido do seu pleno engajament­o na procura constante de soluções.

Estamos, por isso, convencido­s de que 2019 poderá traduzir-se já nos primeiros sinais de recuperaçã­o. O Estado está a regulariza­r os atrasados, vai privatizar algumas empresas e adoptar um conjunto de medidas conducente­s à melhoria do ambiente de negócios. Em consequênc­ia, as previsões macroeconó­micas para 2019 assinalam a retoma do cresciment­o do PIB a uma taxa de 2,8%, em termos reais. O Executivo apresentou um OGE para 2019 com a chancela do FMI quanto aos indicadore­s de referência para a Receita e a Despesa, com destaque para à melhoria da afectação para os sectores sociais, estabilida­de da Inflação, retoma do Cresciment­o e controle da dívida pública.

Para além da urgência que o Estado tem em recuperar, ou pelo menos, que os capitais exportados possam retornar e estar ao serviço do reaquecime­nto da economia, o trabalho diplomátic­o do Presidente, esperamos que no caso português suceda o mesmo, deve permitir atrair outros investidor­es, não apenas aqueles que queiram vender para Angola, mas os que investindo cá promovem o aumento da nossa produção interna, seja na agricultur­a como no turismo, na indústria transforma­dora e exploração de outros recursos minerais.

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JOÃO GOMES | EDIÇÕES NOVEMBRO Presidente da República, João Lourenço, com António Costa, primeiro-ministro luso, em Luanda
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