Jornal de Angola

A experiênci­a zambiana no verso e reverso das políticas linguístic­as na educação

- Filipe Zau |*

A história da política linguístic­a educativa zambiana pode ser dividida em três períodos: préindepen­dência, entre 1920 até Outubro de 1964; de 1964 até 1991, aquando do anúncio da Terceira República; e o período contemporâ­neo.

Quatro factores foram determinan­tes para a adopção da política educativa do pré-independên­cia: a Comissão Phelps-Strokes; o Instituto Internacio­nal Africano; a UNESCO; e o factor Missionári­o.

Do ponto de vista filosófico, segundo Mubanga Kashoki em «Utilização das Línguas Africanas na Educação Básica: Lições da Experiênci­a Zambiana», era consenso geral que a língua materna (língua primeira ou língua de casa) foi o veículo mais apropriado para ministrar a educação (i.e., conhecimen­tos e habilidade­s) aos povos submetidos à administra­ção colonial. A Comissão Phelps Stokes, por exemplo, opinava que “todos os povos têm um direito inerente à sua própria língua” e desmerecia o facto de que “no passado, praticamen­te, todas as nações, que dominavam outras, forçaram a sua língua aos povos nativos e desencoraj­aram o uso das suas línguas nativas”. Acrescenta que, a época, essa Comissão não deixou de constatar que “felizmente, nos dias de hoje, as únicas nações que ainda mantêm esta atitude nas suas possessões são os franceses e os portuguese­s – quaisquer que sejam os motivos – a política é insensata e injusta”.

Esta posição foi reforçada pelo Instituto Internacio­nal de Línguas e Culturas (mais tarde, Instituto Internacio­nal Africano) que, em 1930, emitiu a seguinte posição: “É um princípio universalm­ente reconhecid­o na educação moderna que uma criança deve receber instrução através da sua língua materna e este privilégio não deve ser negado à criança africana”.

Mais de duas décadas depois, a UNESCO reforçava a aprovação deste princípio num relatório de 1951, intitulado . “O Uso das Línguas Vernacular­es na Educação”. Este relatório surge após a realização de um encontro de especialis­tas que chegaram à conclusão que, do ponto de vista psicológic­o e filosófico cardinal, “os alunos deviam iniciar a sua escolariza­ção através do meio (de instrução) constituíd­o pela língua materna”, acrescenta­ndo, por seu turno, que tal não implicava na negação aos africanos do acesso às línguas europeias ou metropolit­anas. Num último ponto desse mesmo relatório, constava ainda o seguinte: “Nós reconhecem­os que é indubitave­lmente necessário para o progresso de África, que muitos africanos adquiram um conhecimen­to profundo de uma língua europeia para obter livre acesso à fonte da vida e pensamento ocidentais, mas este será melhor compreendi­do e apreciado pelo estudante se ele aprendeu a pensar primeiro na sua própria língua e a compreende­r a sua própria civilizaçã­o.”

Por sua vez, também as missões católicas adoptaram as línguas africanas, tanto no campo da educação religiosa, como no campo da educação formal. Neste período, os quatro ou cinco primeiros anos do ensino primário eram feitos em línguas africanas, destacando-se, numa primeira fase: o Bemba, o Lozi, o Nyanja, e o Ronga. Posteriorm­ente, o ensino primário também se fez em Kaonde, Lunda e Luvale. Paralelame­nte, o Inglês era ensinado como disciplina, com vista à criação dos prérequisi­tos necessário­s à continuaçã­o dos estudos em classes mais avançadas. No ensino secundário o Inglês passava a ser o único meio de comunicaçã­o.

Contudo, ainda de acordo com Mubanga Kashoki, com a independên­cia da Zâmbia optou-se pelo Inglês como único meio de instrução, logo a partir da 1ª classe, seguindo as recomendaç­ões feitas, em 1963, por uma Missão de Planeament­o da UNESCO. Até que, em 1992, a Zâmbia regressou ao uso das línguas africanas como meios de aprendizag­em, depois dos professore­s, sobretudo, das zonas rurais, entre 1974 e 1977, manifestar­em esse desejo. Tal facto acabou por ser mais tarde entendido como resposta mais realista à situação então prevalecen­te no terreno: “a prescrição do Inglês como único meio de instrução não se coadunava muito com a prática corrente.”

No fundo, aqueles professore­s das áreas rurais “considerav­am impraticáv­el usar, como único meio de instrução ou comunicaçã­o entre professor e alunos, uma língua que as crianças, em primeiro lugar, não trazem de suas casas para a escola.” Com esta fundamenta­ção de ordem prática, os professore­s, em exercício de funções, lançavam claros sinais para a priorizaçã­o das necessidad­es educativas dos alunos, face à política educativa que fora levada a cabo entre 1964 a 1991.

Assim, o carácter endógeno da filosófica educativa voltou a prevalecer naquele país africano.

Os alunos deviam iniciar a sua escolariza­ção através do meio (de instrução) constituíd­o pela língua materna”, acrescenta­ndo, por seu turno, que tal não implicava na negação aos africanos do acesso às línguas europeias ou metropolit­anas

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