Entrar no novo ciclo político…
Trago hoje a esta coluna algo que se tornou incomum ver e que, por isso mesmo, importa realçar como um gesto notável. Não é que seja uma coisa do outro mundo, mas é pelo valor que o gesto em si encerra, de manifestação de humildade e respeito ao próximo, que merece a honra de vir parar aqui e ser celebrado como acto positivo, contrariamente a outras atitudes reprováveis que, entretanto, teimam em fazer morada mesmo sabendo que novos ventos sopram.
Estou a falar do pedido de desculpas apresentado terça-feira pelo secretário de Estado da Saúde, Leonardo Inocêncio, à classe médica, de enfermagem, técnicos de diagnóstico e do regime geral que, em Luanda, ficaram de fora dos exames de admissão, entretanto alargados para serem realizados até amanhã, devido a problemas técnicos ocorridos na gráfica encarregue de fornecer a logística.
Estima-se que um total de seis mil é o número de pessoas que, em Luanda, respondeu prontamente ao concurso público lançado pelo sector da Saúde, que, para este ano, tem disponíveis 2.850 vagas.
Tão importante quanto o pedido de desculpas, foram a correcção e os esclarecimentos prestados.
Ora! Dir-me-ão alguns leitores que tudo isso nada de extraordinário tem. Concordo plenamente. Mas a verdade é que, entre nós, a consideração pelo público, por parte das instituições, deixa muito a desejar. Nos sítios onde há livro de reclamações eu me questiono se eles têm, na realidade, alguma serventia.
Assumir as falhas e, sobretudo, corrigi-las prontamente transmite, da instituição para o público, a ideia de uma entidade preocupada com a sua imagem, a sua notoriedade, a sua idoneidade. É claro que isso não pode ser feito sempre, sob pena de banalizar o pedido de desculpas e quem o faz e o organismo que representa caírem no descrédito.
Falar dessas coisas é também falar do tempo como recurso e das legítimas expectativas criadas. São dois aspectos aos quais, de um modo quase geral, não prestamos a devida atenção. E muitas vezes essa forma de estar, essa forma de ser redunda em prejuízo para terceiros, sem sequer nos importarmos com isso.
Marcar uma actividade para começar a um determinado tempo e só duas horas e meia mais tarde dar início, é revelador da falta de respeito e seriedade com que quem organiza o evento encara os convidados. Mais caricato é os convidados marcarem presença a horas certas e os anfitriões estarem a desdobrar-se, ainda, em acertos que dão a ideia de não ter havido uma conveniente preparação prévia. E quem tem a obrigação de dar início ao evento chega, não se desculpa e, na maior das calmas, dá início ao acto.
Nada do que atrás foi referido está a ser inventado ou diz respeito ao sector da Saúde. É um facto constatado recentemente nalgumas instituições públicas e isso vai em desabono da imagem que se cultiva delas.
Entrar no novo ciclo político implica também a necessidade de haver mudanças a esse nível, nesses detalhes aparentemente pequenos, mas que são de suma importância para colocar o país numa outra dinâmica. Dinâmica que só acontece com a mudança, com o ajustamento da forma de pensar ao que é requerido actualmente. Ou seja, é no âmbito das mentalidades que muitas mudanças têm de acontecer.
Sabemos não ser fácil combater hábitos e costumes arreigados ao longo dos tempos.
Mas em quem, em particular, estão depositadas responsabilidades de direcção numa instituição, cumpre o dever de saber que a história das mentalidades nos ensina a olhar para o passado de forma crítica; de retirar as conclusões imprescindíveis à compreensão porque, ali e acolá, houve progressos e outros povos se mantiveram no patamar do subdesenvolvimento.
Não somos donos das instituições públicas e muito menos do tempo. E é por terem compreendido isso que os países mais avançados alcançaram progressos assinaláveis em matéria de servir o público com eficiência.
Na minha recente viagem a Oslo, na Noruega, ouvi relatos sobre a pontualidade e o uso racional do tempo que me fizeram sonhar com a possibilidade de, um dia, Angola chegar a esse nível de organização. Que a pontualidade é um ponto de honra em vários países, e particularmente na Europa, disso eu já sabia. Contounos a tradutora que na Noruega pode-se dar o caso de, se uma pessoa convocar uma reunião para durar 30 minutos, ficar sozinha na sala se passar desse tempo, não importa quem esteja no uso da palavra.
A primeira coisa que muito boa gente que me está a ler vai dizer é que a Noruega está num outro nível e que nós, Angola, somos um país africano.
Essa ideia de que somos um país africano e que, por isso mesmo, temos de nos conformar com os erros e as irregularidades soa a resistência a mudanças. É próprio de pessoas descrentes, de quem não está interessado em ver transformações e prefere que as coisas continuem do jeito que estão. Para alguns, dá muito jeito que assim seja. Os asiáticos não são europeus, têm uma cultura diferente da europeia. Souberam preservá-la e ao mesmo tempo atingir elevados patamares de desenvolvimento. O Japão e a Coreia do Sul são dois bons exemplos. Não se escudaram no argumento esfarrapado de serem “um povo asiático”, como se o progresso, o desenvolvimento estivesse predestinado para uns e não para outros.
Recuso-me a aceitar que as instituições - e isso é mais recorrente nos entes públicos -, marquem uma actividade para ter lugar às 10h00 e só às 12h30 ela aconteça. Noutras paragens qualquer atraso é irritante, porque as pessoas têm outras tarefas ou compromissos. Em termos jornalísticos, chega a ser mesmo relevante. Não pode, não deve um atraso pronunciado de duas horas ser encarado de forma banal. É preciso mudar!