Jornal de Angola

O difícil percurso de vida de Diakiesse Júlio Bambi

O menino do Golfe foi estigmatiz­ado e impedido de brincar com as outras crianças mas mostrou sempre um espírito solidário

- Rui Ramos

“Lavei carros e fui “lotador”, ia às lixeiras catar ferro, alumínio e cobre, do dinheiro guardava uma parte para estudar e com a outra comprava roupa nos fardos para os meus irmãos”

Diakiesse Júlio Bambi

foi nascido no bairro Golfe 1, zona 9, Kilamba Kiaxi, Luanda, em 1989, terceiro filho de sete irmãos. Primeiro rapaz depois de duas meninas, os pais chamaram-lhe “Diakiesse”, que significa “Alegria” ou “Dia de Alegria”.

Filho de Mário Bambi e de Julieta José, que se conheceram no município de Sanza Pombo, ela com 14 anos de idade, ele com 21 anos de idade, e decidem deixar o Uíge e tentar a vida em Luanda, em 1984.

Em Luanda, a mãe, sem escolarida­de, passa a ser quitandeir­a de fuba de bombó na Praça dos Ex-Correios e o pai permanece desemprega­do, mas dedicado a tempo integral à igreja IERA.

A mãe tinha toda a obrigação financeira do lar, foi muito difícil para eles manterem-se mas aos poucos construíra­m a sua primeira casinha com chapas de zinco, onde Diakiesse Júlio Bambi foi nascido.

Em 2000, Diakiesse Júlio Bambi perde a irmã mais velha e, na ignorância da tradição, os tios acreditava­m que a morte tinha um causador, o pai de Diakiesse Júlio Bambi. Então foram a uma curandeira que “adivinhou” que o pai e Diakiesse Júlio Bambi teriam matado a irmã.

Com apenas onze anos, Diakiesse Júlio Bambi passa a viver o inferno na Terra, acusado por alguns tios maternos de feiticeiro.

“Eu era uma criança, nada sabia sobre feitiço, nada sabia de tradição, falo com lágrimas no rosto nunca falei com ninguém sobre as minhas emoções, nem da minha infância”, diz-nos Diakiesse Júlio Bambi que explica que passou a ser rejeitado pela comunidade e não podia brincar com as crianças da sua idade por proibição dos pais.

Diakiesse Júlio Bambi não podia ajudar outras crianças ainda que elas tivessem fome porque seria motivo de problemas. “Certa vez reparti o pouco que tinha com uma criança, ouvi as piores palavras da mãe da criança, nenhuma criança queria brincar comigo porque assim eram ensinadas pelos pais. Um dia fui ao campo para jogar futebol com outras crianças da minha idade e fui apedrejado e estigmatiz­ado por elas.” O tio amarrou-o a uma árvore, despido das 6h00 às 12h00 jogando-lhe água e batendo-lhe fortemente, e o mais triste foi ele ver a mãe chorando sem nada poder fazer.

As marcas da proscrição permanecem em Diakiesse Júlio Bambi até hoje. “Um dia, ao cair da noite a minha mãe levou-me a casa do meu tio, depois de terem conversado e gritado, ele tirou a pistola e apontou-ma à cabeça, era a minha morte, mas um vizinho socorreume. Tinha tudo para ser desgraçado de espírito, rancoroso, sem amor ao próximo por tudo que vivi, mas pelo contrário quero viver distribuin­do amor por tudo que faço e mostrar o caminho da vida com sabedoria a todos ao meu redor.”

O ano de 2001 foi difícil para Diakiesse Júlio Bambi. Os pais separaram-se dividindo a casa e vivendo no mesmo quintal, mas os filhos não podiam comer nem beber nada que viesse dele, todos os dias a família da mãe batia no pai.

A situação financeira da mãe, que sustentava a casa, piora e para comer um pão tinham de esperar de uma vizinha de boa fé. A mãe vendeu tudo menos a casa, queimou a própria cama para fazer lenha e chegava a colocar uma panela com água fervente e duas pedras para enganar os filhos mais pequenos de que alguma coisa estava ao fogo.

Diakiesse Júlio Bambi, com 11 anos, e os irmãos, deixaram de estudar, por falta de dinheiro. “Comecei a lavar carros e fui “lotador”, ia às lixeiras catar ferro, alumínio e cobre para pesar, deste dinheiro guardava uma parte para estudar e com a outra comprava roupa nos fardos para os irmãos.”

Em 2003 volta a estudar a quarta classe, no Colégio Baptista Amor e Paz no bairro Malanjino, mas muitas vezes ficou sem aulas e não fez provas por falta de dinheiro, mas estudou até à 6ª classe e fez cursos profission­ais de Electricid­ade, Mecânica, Informátic­a, Relações Internacio­nais, Contabilid­ade e Inglês.

Com apenas 500Kz para sobreviver, com dívidas muito elevadas e com uma grande família para cuidar, pois a mãe morrera e os irmãos estavam à sua responsabi­lidade, a sua esposa, de 22 anos, tomou o dinheiro e foi ao mercado do Simione e aparece com um quilo de farinha de trigo para fazer bolinhos para vender à porta.

Com 24 anos Diakiesse Júlio Bambi procurava emprego por todo o lado e chega a trabalhar quase 24 horas por dia para pagar as dívidas, das 17h30 às 7h30 como segurança e professor em dois colégios até às 17h00.

Em 2014 entra no ISCED de Luanda e em 2017, conclui o 4ªAno do curso de Ciências da Educação na opção de História.

Hoje Diakiesse Júlio Bambi é professor no Colégio Segredo e no Colégio Grace-Ley e criou a primeira empresa digital de venda de livros na plataforma do facebook “Livraria 93 ideias” e às quintas-feiras ensina grátis quem não sabe ler ou escrever.

“Jovem, quando ninguém acreditar em você, apenas levante, faça e prove que eles estão errados”, exorta Áurio Filomeno Sebastião.

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DR Diakiesse Júlio Bambi revelou sempre um espírito solidário

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