As “cidades alugadas”
O ministro alemão encarregue dos assuntos africanos, o senhor Gunter Nooke, acaba de apresentar na União Europeia uma proposta que ele diz ser “revolucionária” e que permitirá estancar o fluxo migratório ilegal desde África para o chamado “velho continente”.
Propõe o ministro germânico, nada mais nada menos do que o aluguer de terrenos em países do continente africano onde pudessem ser construídas cidades que respeitassem os padrões europeus.
Diz ele que nessas cidades seriam criadas as infraestruturas e os postos de trabalho em quantidade e qualidade suficiente para empregar mão de obra africana, permitindo a esses trabalhadores um nível de vida suficientemente estável que os desviaria da intenção de imigrar em direcção à Europa.
Em boa verdade não se trata de uma proposta nova, pois já em 2009 o norte-americano Paul Romer, na altura galardoado com o Prémio Nobel de Economia, havia proposto algo semelhante, embora menos estruturado.
Desta feita, o senhor Nooke sugere aos seus parceiros europeus a criação de um fundo com o qual seriam financiadas as obras de construção dessas cidades, com o custo do seu aluguer a ser coberto pelos resultados operacionais que delas resultasse para a sua economia.
Mal a ideia começou a passar para o papel, surgiram as primeiras reacções e, também, a recordação do que havia acontecido quando Paul Romer avançou pela primeira vez com esta bizarra e inesperada sugestão.
A União Africana, como seria de esperar, reagiu sempre mal a estas propostas considerando-as uma desabrida tentativa neocolonializadora dos europeus para se aproveitarem de África e tentarem resolver alguns dos seus graves problemas económicos e sociais. Mas há quem pense de forma diferente, achando a ideia boa embora com necessidade de alguns aperfeiçoamentos. A senhora Carol Musyoka, uma conceituada académica da Universidade de Nairobi vê na proposta germânica uma janela de oportunidade para alguns países africanos, desde que sejam estes a beneficiar dos resultados finais do projecto, tanto os financeiros como os da própria gestão.
Um dos países africanos que até agora também mostrou algum interesse em discutir a proposta germânica foi a Nigéria, onde as principais cidades estão superlotadas e sem capacidade para fomentar a criação de novos postos de trabalho.
As recordações do que sucedeu em 2009, dizem-nos que Paul Romer tinha na altura referido a ideia de que desenvolver países africanos com fundos de organizações internacionais seria uma forma de bem responder ao estrangulamento que se adivinhava viesse a acontecer a médio prazo no continente.
Dizia ele, que a criação de “cidades alugadas” era uma forma de beneficiar povos em situação difícil e de evitar que estes partissem numa busca desordenada de melhores condições de vida noutras paragens, prejudicando dessa forma as pessoas que lá vivessem uma vez que as suas estruturas seriam sufocadas e não teriam capacidade de resposta para a exigência de as acomodar, ainda por cima numa realidade física diferente daquelas a que estavam habituadas.
Um ano antes, em 2008, Paul Romer chegou mesmo a ter um encontro com o então primeiro-ministro do Madagáscar, Marc Ravalomanana, que manifestou interesse em implementar esse plano no seu país, acreditando poder ser essa uma solução para os seus problemas de desenvolvimento interno.
Na ocasião, a oposição acusou Ravalomanana de traição e organizou protestos de rua acabando a ideia por morrer um ano mais tarde. Para a União Africana a ideia de países europeus criarem cidades alugadas no continente é inaceitável porque, acima de tudo, significava que África abdicava da sua soberania para se entregar nas mãos – e nos projectos – de organizações internacionais, cujas principais prioridades lógicas seriam as de defender os interesses de quem as estava a financiar.
Por outro lado, a União Africana baseia também o seu desacordo com o facto de ter projectada a sua “Agenda 2063”, que é diametralmente oposta às ideias do senhor Nooke porque se baseia num modelo de crescimento sustentado baseado na unidade política e na integração económica conjunta entre os diferentes países do continente.
Ou seja, em vez de se dividir e entregar a sua gestão a eventuais neocolonizadores, como propõe o ministro alemão, o caminho que África traçou é o da unidade e coesão política, como forma de trilhar o caminho para a criação de uma economia sustentável, onde cada país contribui com aquilo que tem sem depender dos interesses daqueles que nos olham com o simples objectivo de resolver os seus próprios problemas.