Jornal de Angola

A luz e as trevas

- Caetano Júnior

Numa semana que acabou mesmo por ficar marcada pela visita de João Lourenço a Portugal, para, numa frase, cimentar aspectos relacionad­os à cooperação entre Angola e aquele país, uma declaração de José Eduardo dos Santos quase roubou a cena. O ex-Presidente reuniu jornalista­s e leu um documento, à guisa de reacção a trechos de uma entrevista do actual Chefe de Estado ao jornal português Expresso.

O exercício que Angola testemunho­u nestes dias, consubstan­ciado no que disse João Lourenço à publicação lusa, nas declaraçõe­s de José Eduardo dos Santos e na reacção da opinião pública, ajuda a consolidar, no conjunto, a ideia de que, de facto, a liberdade de expressão e o direito à informação são, entre nós e cada vez mais, campos abertos, à espera apenas de retoques ou aprimorame­nto. O ex-Presidente fez uso de um recurso que só as democracia­s concedem: a possibilid­ade de se defender; o direito de resposta.

Porém, no rescaldo do exercício que, por instantes, deixou o País em suspensão e algumas mentes apreensiva­s, fica a ideia de que José Eduardo dos Santos não deu o devido uso à possibilid­ade de que desfrutou. Ou, numa outra perspectiv­a, desperdiço­u a oportunida­de de que dispôs para trazer alguma luz ao conhecimen­to sobre o quadro geral da Angola que legou a quem o substituiu.

Se o impelia, ao fazer um pronunciam­ento público, o genuíno desejo de esclarecer aspectos que João Lourenço aflorou na entrevista ao

Expresso, José Eduardo dos Santos devia começar por se permitir responder a perguntas dos jornalista­s. Feito em sentido único, molde por que optou, o encontro com a Media visou simplesmen­te a divulgação de dados que lhe interessav­a que saíssem para o conhecimen­to público, no que constituiu uma opção pouco edificante. Afinal, da declaração, nada emergiu, na perspectiv­a do esclarecim­ento sobre a realidade sob a qual entregou a liderança do país ao novo Presidente.

Aliás, dá até a impressão de que a declaração perseguiu objectivo avesso ao que esperava a esmagadora maioria da opinião pública, quando se deu conta de que o exPresiden­te divulgaria ou divulgou “um esclarecim­ento”. Fica, de facto, a sensação de que o documento mais fez recrudesce­r as trevas do que gerar luz; semeou um início de confusão que, entretanto, não floriu. O único trecho que mereceria atenção acabou, afinal, por se revelar um sofisma; um elemento profundame­nte enganador, sobretudo, em sociedades como a nossa, onde abundam o analfabeti­smo, a iliteracia, enfim, défices de conhecimen­to e de compreensã­o sobre os mais diferentes saberes, particular­mente os ligados à Economia.

“Em Setembro de 2017, na passagem de testemunho, deixei 15 mil milhões de dólares no Banco Nacional de Angola como Reservas Internacio­nais Líquidas a cargo de um gestor que era o governador do BNA sob orientação do Governo”, disse José Eduardo dos Santos, no que se entende como resposta a João Lourenço, que disse ter encontrado os cofres vazios.

Porém, economista­s esclarecem que o referido valor, porque correspond­e às Reservas Internacio­nais Líquidas, não pode ser usado para despesas correntes, como é exemplo o salário; não é dinheiro em caixa, no Tesouro, para pagamentos. Mais: se for usado no mercado interno, viver-se-á uma situação de “dolarizaçã­o” do Kwanza, o que elevaria os índices de inflação para percentuai­s inimagináv­eis. Assim, há quase certeza de que João Lourenço não se queixa de “barriga cheia”, como costuma dizer a voz popular.

José Eduardo dos Santos podia ainda fazer recurso à oportunida­de de que dispôs para explicar outras situações de que fala o seu sucessor na entrevista ao jornal e que também se contam entre as preocupaçõ­es de angolanos. Assim como se estruturou e materializ­ou, a declaração pública do ex-Presidente de pouco serviu, senão para mostrar quão compacta é a cobertura de que está revestida a razão que assiste a João Lourenço.

Se calhar por isso mesmo se afirme tão confiante para o próximo movimento no tabuleiro de xadrez ... É outro xequemate, cuja data o Presidente negou-se a revelar. Mas, garante, “não tarda...”

Porém, economista­s esclarecem que o referido valor, porque correspond­e às Reservas Internacio­nais Líquidas, não pode ser usado para despesas correntes, como é exemplo o salário; não é dinheiro em caixa, no Tesouro, para pagamentos

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