De Benguela a Lisboa
A última semana ficou marcada por dois grandes eventos políticos intramuros e outdoor, mas relevantes para nós.
Em primeiro lugar, refiro-me à Feira dos Municípios e Cidades de Angola, que a província de Benguela albergou entre os dias 21 e 24 de Novembro. Em simultâneo, o Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado organizou o Fórum dos Municípios, um espaço de concertação política que o Presidente da República pretende que tenha um protagonismo maior. Vai daí, na sua ausência, presidiu o evento o ministro do Estado e Chefe da Casa Civil, Frederico Cardoso.
Parece-nos que há um entendimento nacional quanto ao papel dos municípios enquanto espaço central e de contacto directo com o cidadão, fazendo com que esta proximidade resulte em ganhos de eficiência e melhoria da performance da governação e das políticas públicas.
Nesta senda, estão em andamento os preparativos do processo autárquico com os processos de desconcentração e descentralização de competências, em áreas bastante sensíveis como a educação, cuidados médico-sanitários, saneamento básico, licenças para a actividade económica, ordem e segurança pública, gestão financeira, urbanismo entre outras.
Deste modo, muito do que antes era tratado ao nível central ou provincial está a migrar para os municípios e espera-se que este trabalho e mudança de paradigma tenha um efeito positivo na altura em que instituirmos as autarquias e elas estiverem em pleno funcionamento, ali onde houver na sua fase inicial.
Mas é preciso que estejamos com os pés bem assentes no chão. Aqui como noutras matérias, os resultados não serão imediatos. Teremos casos de sucesso, mas devemos estar preparados para assumir os erros, em face dos constrangimentos que conhecemos. Por exemplo, a quantidade e a qualidade de recursos humanos que existem hoje nas administrações.
Claramente, teremos de ensaiar um modelo para a transferência de recursos humanos da esfera central e provincial para os municípios. A qualidade dos quadros será uma pedra basilar para que possamos obter os resultados esperados em termos de melhoria dos processos e gestão dos municípios, principalmente em matéria de combate à pobreza e melhoria da qualidade de vida das populações.
A qualidade dos recursos humanos não deve ser vista apenas na óptica dos quadros técnicos. Também os próprios administradores, melhor dizendo, principalmente os administradores. E nesta matéria, temos de adicionar ao seu perfil não apenas a componente política. É importante uma dose de tecnocracia, determinação e capacidade de gestão de processos de mudança como o que se pretende instituir.
Ora, este processo é longo e espinhoso. Não obstante, não podemos ceder à tentação de adiar, o que aliás resulta de um certo conformismo do status quo ou do imobilismo que nos acossa em várias esferas, numa altura em que, face à conjuntura económica, vemos crescer as desigualdades sociais e económicas entre o que se passa nos municípios-sede e os demais municípios.
O segundo grande evento da última semana, em termos cronológicos, foi a visita do Presidente João Lourenço a Portugal que, como defendemos, serviu para reanimar as relações de cooperação entre os nossos Estados, deixando para trás o delicado “irritante” Manuel Vicente. Não obstante toda a amizade e cooperação que possa existir, devemos ter presente a premissa de John Foster Dulles, “não há países amigos, mas interesses comuns”.
Nesta senda, o Presidente João Lourenço manifestou a completa abertura do nosso País ao investimento português. Como frisei aqui há uma semana, investimento de facto e não apenas produtores e comerciantes que queiram vender para Angola, restaurando assim a produção agrícola e industrial em crescimento. Aqui também haverá uma inversão do paradigma. Muitas empresas portuguesas tornaram-se exportadoras para Angola. Estarão estas preparadas para deslocalizar essa produção para cá? E temos nós as condições para as acolher?
Na feira dos municípios em Benguela foi notória a existência de uma grande variedade da pequena produção agrícola familiar. E Portugal como a França e a maioria dos Estados da União Europeia estão muito avançados em termos de cooperativas agrícolas. Está aqui, por isso, um instrumento que precisa ser dinamizado para que a produção agrícola familiar possa ser exponenciada e atingir volumes mais expressivos.
As aldeias rurais portuguesas, ou a campanha como lhe chamam os franceses, são boas lições para muitos dos nossos municípios, verdadeiros celeiros com vantagem de alta-produção organizada, competindo muitas vezes com as grandes fazendas e numa conjuntura onde possa existir uma rede comercial que potencia e escoa a produção para os centros logísticos e a rede de distribuição. A Feira dos Municípios em Benguela foi uma experiência rica. Permitiu a quem lá esteve ter uma amostra do que é a realidade nos 164 municípios, suas potencialidades, forças e fraquezas.
Também em Lisboa e no Porto, João Lourenço não tergiversou na sua determinada cruzada contra a corrupção e conta com Portugal para reaver capitais, tão importantes para o reaquecimento da economia angolana. Ambos sabem que não será fácil. Pelo contrário, embora não haja luz sobre os acordos nos domínios da saúde e da educação, o espírito da capacitação institucional e formação de quadros está subentendido na mensagem proferida pelos dois Chefes de Estado na conferência de imprensa conjunta.
Sublinho, finalmente, o toque de midas na mensagem do PR no final da visita que muitos precisavam ouvir: “devo assegurar que não haverá instabilidade no País”. E não poderia ser de outro modo. Afinal, Luanda será a capital mundial da paz, em 2019, por indicação da UNESCO.