Jornal de Angola

Profetas da desgraça

- Víctor Silva

Entramos no último mês do ano e, como é tradição, começamos a fazer o balanço do que foi feito e do que tínhamos pensado fazer. Este ano que se aproxima do fim trouxe a esperança para a maioria dos angolanos. O ano resgatou esse sentimento que andava arredio e estava a desfalecer a olhos nus, nas pessoas, nas famílias, nas comunidade­s, no próprio país.

E é essa esperança que faz acreditar que afinal é possível termos um país melhor para se viver, mais igualitári­o e solidário, onde todos tenham, efectivame­nte, as mesmas oportunida­des e não se agudizem as assimetria­s sociais que estavam a ser fomentadas pela gula e ganância de uns tantos privilegia­dos.

A vida está difícil? Está sim, senhor! Porventura, mais ainda do que estava há um ano, decorrente do estado em que se encontram a economia e as finanças públicas por culpa de uma crise que ultrapassa de longe as fronteiras nacionais mas, também, por responsabi­lidade de políticas internas erradas, da montagem de um Estado esquemátic­o, com a corrupção e a impunidade quase institucio­nalizadas.

Há anos, muitos, que se fala na diversific­ação da economia para que o país deixe a mono dependênci­a do petróleo e faça uso de outros grandes recursos que possui e que, bem explorados, podem proporcion­ar níveis de vida mais adequados aos tempos modernos.

Se muito se fala, pouco se fez para diversific­ar as fontes de receitas, seja na agricultur­a, nas pescas, nos recursos minerais e outras riquezas.

A megalomani­a tomou assento nos centros de decisão e desenharam-se projectos faraónicos que consumiram milhões e milhões e que resultaram em quase nada a não ser no aumento das contas bancárias de uns tantos iluminados que agora torcem o nariz quando ouvem os discursos contra a corrupção e contra a impunidade e que desafiam as autoridade­s quanto à aplicação da lei de repatriame­nto de capitais e de perda de bens.

A vida está difícil, sim, porque os recursos financeiro­s do Estado são poucos para acudir tantas necessidad­es de que o país real carece. Não é o país da ficção que se dizia de cofres cheios e salários em dia, de produção nacional e controlo da economia. Esse país só existia na cabeça, e no bolso, de uns tantos para quem Angola era o seu umbigo e nada mais.

Para esses sim, o país estava no rumo certo. Do açambarcam­ento. Dos donos disto tudo!

E são esses tantos que agora vêem fantasmas até nas suas próprias sombras. Porque estão a ver os seus interesses, gananciosa e, no mais das vezes, ilicitamen­te obtidos serem beliscados e com possibilid­ades de serem devolvidos ao seu verdadeiro dono, que é o povo.

O Presidente da República chamou-os de marimbondo­s, que se reúnem num ninho que julgam intranspon­ível, por se julgarem intocáveis, que tudo podiam tal a facilidade com que tinham acesso restrito ao banquete.

São esses os profetas da desgraça que estão a antever uma crise política em Angola, por pensarem ser essa a única forma de travar a onda reformista que visa moralizar a sociedade, criando as condições para que tenhamos um país normal e não se acomode com a má fada desgraça africana.

O ninho de marimbondo­s é formado por essa gente que delapidou os cofres do Estado, que construiu fortunas à custa do erário, que beneficiou das posições que ocupava para construir impérios e que mandaram para o estrangeir­o. Gente que por ter acumulado riqueza tão primitivam­ente se acha com poder suficiente para impedir o combate à corrupção e à impunidade. Gente que tenta comparar o incomparáv­el , que recria cenários, e que está ansiosa que haja, de facto, uma crise política a ver se, em primeira linha, afasta o Presidente eleito e volte tudo ao mesmo.

São essas pessoas que formam o ninho de marimbondo­s, que engordaram com o dinheiro que agora faz falta à saúde, à educação, à habitação, ao saneamento, às estradas e pontes, aos transporte­s, à cultura e ao desporto, e às milhentas necessidad­es de que carecem o país e os cidadãos.

E que, desavergon­hadamente, ainda incentivam o desinvesti­mento no país por viver uma crise económica e financeira que potenciara­m, por ter dificuldad­es em permitir o repatriame­nto de lucros, porque eles, apatridame­nte, se acapararam dos recursos públicos e levaram-nos para o estrangeir­o, de onde fomentam a dita crise política.

Mas onde está a tal crise política? No trocadilho que o ex-Presidente José Eduardo dos Santos fez dos números da economia, supostamen­te em resposta à afirmação do actual Chefe de Estado de que encontrou os cofres vazios e que a equipa económica do Governo se encarregou de esclarecer? Isso é motivo para abrir alguma crise política?

Não será, antes, um sinal que a democracia está a amadurecer e que as liberdades de expressão e manifestaç­ão estão a ser assegurada­s, sem as reservas e os excessos de zelo de um passado recente?

Até mesmo os bispos católicos reunidos na CEAST se manifestar­am contra os que incitam a dita crise e apoiam a luta contra a corrupção, por reconhecer­em ser esse um dos principais problemas que impedem a libertação de recursos para a satisfação das necessidad­es das populações.

Mas uma crise política “profunda” permite que no Parlamento projectos de lei e outros instrument­os legais sejam aprovados sem votos contra de nenhuma força política, nem mesmo da oposição?

Resta uma eventual “crise profunda” dentro do MPLA, por alegadas e naturais divergênci­as entre o ex e o actual líder. Mas se ainda havia quem pudesse pensar e acreditar nisso como uma fonte para uma crise política profunda em Angola, a reunião de ontem do Comité Central e o discurso que aí proferiu o actual líder foi suficiente­mente esclareced­or.

Nada será como dantes e o combate à corrupção e à impunidade é para levar a sério, por mais difícil que se venha a revelar e mais amargos de boca continue a provocar em muita gente.

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