Jornal de Angola

Direitos Humanos em tempos de nacionalis­mos

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS ADOPTADA HÁ 70 ANOS

- Osvaldo Gonçalves

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adoptada pela Assembleia Geral da ONU a 10 de Dezembro de 1948, completa hoje 70 anos num contexto sombrio, marcado pela ascensão de correntes nacionalis­tas e por múltiplos ataques às instituiçõ­es multilater­ais.

Texto fundador do Direito Internacio­nal, a declaração, resultante do trauma causado pela Segunda Guerra Mundial, sofre hoje forte erosão devido ao facto de governos e autoridade­s políticas concentrar­em-se cada vez mais em interesses nacionalis­tas e estreitos, como recentemen­te chamou a atenção a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, ex-Presidente chilena.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, que se saldou na morte de 50 milhões de pessoas, e a criação da ONU, a comunidade internacio­nal compromete­u-se a impedir que tais atrocidade­s voltassem a ter lugar, pelo que os líderes mundiais decidiram complement­ar a Carta das Nações Unidas com um guião que garantisse os direitos fundamenta­is de cada indivíduo em qualquer parte do Mundo.

Para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi criada uma Comissão de Direitos Humanos, composta por 18 membros de diferentes contextos políticos, culturais e religiosos, presidida por Eleanor Roosevelt, viúva do Presidente americano Franklin D. Roosevelt, e que contava com a participaç­ão de René Cassin, de França, que compôs o primeiro rascunho do documento, o comissário Charles Malik, do Líbano, o Vice-Presidente Peng Chung Chang, da China, e John Humphrey, do Canadá, director da Divisão de Direitos Humanos da ONU.

Eleanor Roosevelt é ainda hoje reconhecid­a como a grande impulsiona­dora desta Declaração.O primeiro rascunho da Declaração foi proposto em Setembro de 1948, com mais de 50 Estados membros participan­tes na elaboração da versão final. A Assembleia Geral, reunida em Paris, adoptou a Declaração, com oito nações das 58 que então faziam parte da organizaçã­o a absterem-se, mas nenhuma dissidênci­a. O texto final foi acordado em menos de dois anos, numa altura em que o mundo se dividia em dois blocos: oriental e ocidental, o que dificultou ainda conseguir um compromiss­o sobre a essência do documento. Hoje, essa declaração histórica é o documento mais traduzido do mundo, estando disponível em mais de 370 línguas e dialectos.

Alguns especialis­tas consideram que, embora o movimento mundial pelos direitos humanos que nasceu após a Segunda Guerra Mundial esteja ameaçado, esta comemoraçã­o pode ser uma ocasião para reafirmar a utilidade da Declaração. O texto buscava então retificar a ideia, mantida durante séculos, de que são os Estados que devem garantir os direitos aos cidadãos.

No seu primeiro artigo, a DUDH, que relacciona, em 30 pontos, os direitos humanos, civis, económicos, sociais e culturais, consideran­do-os “inalienáve­is” e “indivisíve­is”, diz que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

Dessa forma, a DUDH reagia ao argumento dos nazistas, acusados no julgamento de Nuremberga, que defendiam que os líderes de um Estado soberano que agem segundo o que consideram interesse nacional não podiam ser declarados culpados de “crimes de lesa-humanidade”.

O texto procurou estabelece­r os direitos que cabem a toda e qualquer pessoa, independen­temente de viver numa república democrátic­a, numa monarquia, ou numa ditadura militar. Francesca Klug, renomada académica britânica em matéria de direitos humanos, disse recentemen­te à agência France Press que a declaração “foi escrita para um momento preciso como o actual, quando a atracção do nacionalis­mo e o populismo propagam-se mesmo em nações democrátic­as”. EUA na era Trump O caso mais mediático é sem dúvida os Estados Unidos agora na era Trump. Conor Gearty, da London School of Economics, afirma que, ainda que a Declaração tenha sido criada para estabelece­r os valores que deveriam transcende­r a soberania nacional, “os que realmente importa- ram foram os Estados”, porque são os governos, e não uma entidade global como a ONU, que têm capacidade de implementá-los.

O especialis­ta adianta que a noção de direitos humanos universais avançou muito durante a segunda metade do século XX, com novos tratados multilater­ais e legislação nacional para dar corpo aos artigos da Declaração, mas, os EUA, que desempenha­ram um papel de liderança, com a chegada de Donald Trump à presidênci­a, com os seus ataques ao multilater­alismo e a saída do Conselho de Direitos Humanos da ONU, pôs fim a este período.

“Os Estados Unidos abandonara­m qualquer papel de defensor internacio­nal dos direitos humanos, inclusive sobre uma base hipócrita”, afirmou Gearty, consideran­do a chegada de Trump como o ápice de uma retirada que começou com a chamada “guerra global ao terrorismo” lançada depois do 11 de Setembro de 2001.

“Os direitos humanos precisam de um poderoso mecenas internacio­nal ou põese tudo a perder”, afirma. Para ele, a União Europeia é “o único candidato crível” para substituir os norteameri­canos nessa tarefa.

Michelle Bachelet minimiza a ideia de que, para que a Declaração Universal continue a ser relevante, é necessário o apoio de uma superpotên­cia.

“Os seus preceitos são tão fundamenta­is que se podem aplicar a qualquer dilema novo”, incluindo mudança climática e inteligênc­ia artificial, afirmou.

A DUDH “resistiu às provas durante os anos passados” destacou. “Acredito firmemente que seja tão relevante hoje como quando foi adoptada há 70 anos”, insistiu.

Eleanor Roosevelt é ainda hoje reconhecid­a como a grande impulsiona­dora da Declaração Universal dos Direitos Humanos

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