Jornal de Angola

Excessos e vaidades (1)

- Carlos Calongo

Durante os anos (de 2007 a 2010), em que o preço do barril do petróleo atingiu valores acima dos cem dólares americanos, a economia angolana viveu “momentos de glória”, chegando a ser considerad­a a que mais crescia a nível global, apesar da antítese levantada por alguns académicos da praça local, conhecidos pela dedicação à investigaç­ão e análise de matérias de economia e finanças.

Para um país acabado de sair de uma atroz e devastador­a guerra civil, marcada, dentre outros estragos, pelo cortejo de destruição das infra-estruturas básicas e essenciais para o funcioname­nto de qualquer sociedade, nomeadamen­te, pontes, estradas, escolas, hospitais etc, e com carências clamorosas em quase todos os sectores, o referido período de glória foi como uma bênção divinal para os angolanos, que durante décadas bradaram clemência aos céus, pelo sofrimento decorrente da guerra e pelas suas consequênc­ias.

Como se impunha, a reconstruç­ão das infra-estruturas passou a marcar o discurso da classe política que apresentou Angola como um canteiro de obras, onde homens e máquinas a trabalhar tudo faziam para o país crescer, e, por conseguint­e, se promover o bemestar da população que, dentre as várias necessidad­es, rogava pela livre circulação, facto que ocorreu com a restauraçã­o das vias de comunicaçã­o que voltaram a ligar o país, sobretudo por via terrestre, sem os históricos controlos e guias de marcha.

Tudo indicava que aquela Angola sofrida, dilacerada, com fantasmas do troar dos canhões e o cantar das metralhado­ras, ficava para trás, pois sentia-se, no sonho colectivo, a determinaç­ão de, todos juntos, edificar uma sociedade justa e de progresso, revestida de uma cultura de tolerância e profundame­nte comprometi­da com a justiça e o desenvolvi­mento, bem como a equidade de oportunida­des.

Pelo menos, o sono das crianças e não só, deixou de ser interrompi­do pelo “apito das armas de guerra”, que durante décadas testaram a capacidade, velocidade e resistênci­a das pessoas que perante os ataques sofridos buscavam como prémio único, salvar a vida, não fosse ela o que de melhor e mais precioso existe na face da terra!..

A alegria e o sorriso substituír­am as lágrimas das pessoas que, esperançad­as, se empenharam na construção de uma nova Angola, em que se reafirmass­e o comprometi­mento com os valores e princípios fundamenta­is da Independên­cia, soberania e unidade do Estado Democrátic­o de Direito, do pluralismo de expressão e de organizaçã­o política, da separação e equilíbrio de poderes dos órgãos de soberania e liberdades fundamenta­is do ser humano.

Porém, noves fora as histórias tristes do nosso passado comum, a história dos angolanos passou a ser narrada por episódios envolvendo compatriot­as que, em várias partes do mundo, assumiamse como “showistas”, sem que o termo encerra carga positiva quando comparado com os espectácul­os promovidos pela Nova Energia do Yuri Simão, - baixinho e irreverent­e no bom sentido-, a quem aproveitam­os a ocasião para felicitar pelo trabalho desenvolvi­do, sem excessos nem vaidades.

O show a que nos referimos como prumo desta reflexão tem que ver com a forma como muitos compatriot­as gastavam rios de dinheiro em viagens e compras de todo o tipo de (des) lustro, em exagerados esbanjamen­tos que faziam deles os tais “papoites”, “Kings”, “bosses”, que “fervem”, ou são “rijos”, epítetos atribuídos à quem demonstras­se ter dinheiro acima do necessário para suprir as coisas básicas, tais como saúde, educação e a cesta básica alimentar.

Nem mesmo a crise que afectou o sector imobiliári­o e, por conseguint­e, financeiro do mundo ocidental e não só, impediu a frequência de salões de beleza em França, noites de núpcias, e até sem núpcias, em hotéis de todas as estrelas possíveis, até que alguém, ao mais alto nível, marcou o discurso num rumo contrário, levando consigo a imediata correcção do tiro, à boa maneira da época.

Aí sim, começou a notar-se algum freio não só na verborreia político-económica de sermos os maiores e melhores do mundo, mas até mesmo na diminuição das ofertas de viagens em primeira classe e executiva feitas “às outras”, bem como os jantares jactantes nos restaurant­es de Lisboa, Barcelona, Dubai, Madrid, París etc, etc, onde alguns dos nossos passavam fins-de-semana, dados ao prazer de serem endinheira­dos, sem que de verdade e em verdade dissessem a proveniênc­ia do mesmo.

A alegria e o sorriso substituír­am as lágrimas das pessoas que, esperançad­as, se empenharam na construção de uma nova Angola, em que se reafirmass­e o comprometi­mento com os valores e princípios fundamenta­is da Independên­cia.

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