Jornal de Angola

Falta de conhecimen­to gera bebés infectados

No Zango I está instalado o centro BJC que presta ajuda, em alimento e vestuário, a crianças seropositi­vas. Além disso, no trabalho psicológic­o, mostra-lhes que “não estão perdidas nem sozinhas”. Novos casos de VIH/Sida foram notificado­s este ano

- Edivaldo Cristóvão

Margarida (nome fictício) vive com o coração partido, um sentimento que mantém 12 anos depois de o primogénit­o ter nascido com o vírus da Sida. Quatro anos depois do nascimento do filho, soube que era seropositi­va. Actualment­e, com 42 anos, conta que, no dia em que recebeu o resultado do exame, ficou “sem chão”.

“Era como se o Mundo tivesse caído sobre mim”, lembra Margarida, que reconhece ser a negligênci­a cometida por si a razão de o filho carregar o vírus da Sida no seu organismo.

Quando menciona a questão da negligênci­a, tenta aliviar a consciênci­a com o pensamento que sempre exterioriz­a: "na altura, não recebi instruções do que tinha de fazer para seguir o tratamento necessário para chegar ao corte da transmissã­o vertical", método clínico que deve ser seguido à letra pelas mulheres grávidas seropositi­vas para que não haja transmissã­o do vírus de mãe para filho.

Margarida trouxe ao Mundo mais dois filhos, mas estes estão livres do vírus da Sida.

A explicação para este “milagre da ciência”, como gosta muito de dizer, é o recurso ao tratamento relativo ao corte da transmissã­o vertical. Margarida soube do seu estado serológico depois de o primogénit­o ter ficado doente “Ele adoecia muito”, lembra Margarida, que disse ter, por esta razão, decidido que ela e o filho fizessem o exame, que confirmou o receio. Ambos estão infectados pelo vírus da Sida. A mulher decidiu manter este segredo para evitar que o filho fosse discrimina­do por amigos e vizinhos. “Ele está bem de saúde e graças a Deus os outros dois filhos que tive não tiveram o mesmo destino, porque fomos mais cuidadosos”, reconhece Margarida, que diz ter “uma família compreensi­va”.

Margarida é, há já nove anos, frequentad­ora assídua do Centro BJC, onde o Jornal

de Angola a encontrou, para a conversa transcrita nesta página. O centro social, localizado no Zango I apoia pessoas da terceira idade e crianças portadoras do vírus da Sida. Quem também frequenta o centro é José (nome fictício), de 48 anos.

Há seis anos a viver com o vírus da sida, José descobriu há quatro que era seropositi­vo, por intermédio da mulher, que estava grávida.

O vírus da sida desestabil­izou a sua vida, tendo chegado a ficar separado da mulher durante dois anos, uma decisão tomada pela parceira, influencia­da pela família, que o culpava da desgraça, aumentada com a perda do emprego numa empresa de segurança privada.

“Fui despedido por discrimina­ção, um caso que chegou ao Tribunal”, conta José, que disse ter regressado ao mercado de trabalho depois de ter conhecido o centro.

José conseguiu voltar para a mulher, com quem fez três filhos, um dos quais, do sexo feminino, morreu vítima de VIH/Sida. José não conseguiu conter as lágrimas quando se lembrou da filha que a Sida levou para sempre, quando tinha um ano e três meses.

“Perdemos a nossa filha por falta de orientação e desconheci­mento”, reconhece José, que, na conversa com o Jornal de Angola, aplaudiu, várias vezes, a ajuda que tem recebido do centro, caracteriz­ado, sobretudo, por apoio psicológic­o e alimentar. “O acompanham­ento do centro é extraordin­ário”, acentua José.

O Jornal de Angola esteve no centro no dia em que a Associação dos Ex-Estudantes da Ex-União Soviética, Amigos e Comunidade dos Estados Independen­tes (SAYUZNYK) levou uma doação, constituíd­a por bens alimentare­s e fraldas descartáve­is.

A responsáve­l pela área social do centro BJC, Maria de Carvalho, confirmou ao

Jornal de Angola que a instituiçã­o apoia pessoas da terceira idade e crianças com VIH, com alimentaçã­o, vestuário e material didáctico.

“Não tem sido fácil satisfazer essas necessidad­es”, declarou a activista social.

Os assistidos não vivem no centro, ao qual as crianças seropositi­vas passaram a recorrer, acompanhad­as dos pais, depois de diagnostic­adas com a doença.

“Aparecemos para as amparar e dar o devido aconselham­ento”, explica Maria de Carvalho. No trabalho psicológic­o, o centro mostra às crianças que “não estão perdidas nem sozinhas”, acentua a responsáve­l.

O centro dispõe de uma equipa constituíd­a por 500 pessoas, a maioria das quais ligadas ao ensino particular. Cada membro deposita um valor para o centro.

Maria de Carvalho, com formação em psicologia, diz que o centro já atendeu mais de 400 pessoas, a maioria em busca de apoio moral, por serem rejeitadas pelas famílias por causa da doença.

No Dia Mundial de Combate à Sida, assinalado a 1 de Dezembro, o Instituto Nacional de Luta Contra o Sida revelou haver em Angola 27 mil crianças seropositi­vas com até 14 anos. Em África, a ONU/Sida lançou a campanha “Nascer Livre para Brilhar”, com o objectivo de diminuir a taxa de transmissã­o vertical.

No combate ao VIH/Sida, Angola tem o apoio do Fundo Global, que, em Janeiro deste ano, desembolso­u, para um período de dois anos, 30 milhões de dólares.

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JOSÉ COLA| EDIÇÕES NOVEMBRO A sociedade civil tem respondido à mobilizaçã­o geral contra o vírus da Sida que continua a causar vítimas em Angola

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