O cancro da corrupção
O dito popular que reza que “o cabrito come onde está amarrado” pode ser visto de vários ângulos. Um deles será na perspectiva do dono, daquele que o prende no fundo do quintal e não lhe fornece qualquer tipo de ração ou feno. Deixa-o lá e espera que ele se desenrasque, que se vire por si próprio, ao mesmo tempo que se gaba de ser proprietário, de possuir algo.
Outra forma de ver as coisas será pondo-se no lugar do animal doméstico, preso, confinado a um espaço, deixado a Deus dará, com liberdade apenas para sobreviver e engordar. E para tal tem de comer, mesmo que, chegando o Natal, acabe por virar cabrité ou na caldeirada.
Na semana passada, ao comentar no Twitter, a apresentação do Plano Estratégico de Prevenção e Combate à Corrupção 2018-2022 da Procuradoria Geral da República, o ministro da Comunicação Social, João Melo, escreveu: “a corrupção é de facto um cancro” e apontou como prejuízo total causado ao país 2,3 mil milhões de euros entre 2016 e 2017. De acordo com o ministro, “só de 2016 a 2017, o Estado foi lesado em 800 mil milhões de kwanzas, 60 milhões de dólares e 15 milhões de euros”, pelo que “a luta anticorrupção em Angola é para levar a sério.”
As palavras do ministro são, a nosso ver, um forte aviso à navegação, àqueles que, se dizendo amarrados, foram-se alimentando e engordando à custa do erário. A Direção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção (DNPCC) da Procuradoria Geral da República de Angola anunciou já ter em mãos cerca de 80 processos de inquérito a actos de corrupção, branqueamento de capitais e outros crimes económico-financeiros. Segundo a responsável daquele órgão, Inocência Pinto, após instruídos os inquéritos, caso seja apurada matéria susceptível de instrução preparatória, os processos são remetidos à Direção Nacional de Prevenção e Acção Penal.
Inocência Pinto, que é procuradora-geral adjunta da República, disse estarem envolvidas nestes processos de inquérito várias pessoas, entre as quais “elementos que gozam de fórum especial.” Desde a sua criação, em 2012, o maior número de processos que tramitaram na DNPCC aconteceu este ano. O órgão tem falta de pessoal, queixou-se. Mas outra coisa não seria de esperar, até porque a luta contra a corrupção ainda é procissão que não passou do adro e as coisas nessa matéria querem-se malembe-malembe.
Quando o ministro João Melo compara a corrupção a um cancro, avisa-nos que é preciso muito mais do que banhos de Santa Maria para combater o mal. O deixa-andar era tal que a doença do dono passou ao cabrito e, como é importante salvar o animal que nos fornece leite, além da carne e da pele, quando, por fim, termina a sua jornada ou é necessário algum sacrifício, há que ir devagar e bem.
Mais do que identificar e punir o proprietário, mais do que matar o animal para se acabar com a peste, é preciso combatê-la, que cada um, grande ou pequeno, ganhe real consciência dos seus actos. É importante que a “gasosa” deixe de ser vista como simples “micha”, mas é necessário que, ao mesmo tempo que se incentiva as denúncias, se procure distinguir quem, de facto, foi enredado pela teia da corrupção e, se algo de errado fez, foi apenas para sobreviver, dos que se achavam donos não apenas do cabrito amarrado, mas “disto tudo.”
A PGR deve ir além da observância da lei, tem de participar na sua produção, de abrir canais para que os cidadãos ganhem confiança para denunciar actos de corrupção e os tribunais precisam de olhar para alguns casos como susceptíveis de causar danos à saúde pública e à segurança nacional.
Mais do que identificar e punir o proprietário, mais do que matar o animal para se acabar com a peste, é preciso combatê-la, que cada um, grande ou pequeno, ganhe real consciência dos seus actos.