As autarquias e a defesa do ambiente
A degradação de recursos naturais e das condições de vida de boa parte da população é hoje um problema muito sentido, designadamente em várias regiões do país . Na verdade, é conhecida a tendência de os governos e empresas privadas gizarem projectos de construção de fábricas (indústrias e barragens eléctricas) com consequências desastrosas para o ambiente e, consequentemente, os problemas ecológicos que isso acarreta às populações que habitam essas áreas. As preocupações ecológicas nos tempos que correm estão na agenda de todos os Estados. Nestes termos, com a institucionalização das autarquias locais, torna-se urgente, no âmbito das suas competências e atribuições, fazer um esforço real no domínio do saneamento básico, da criação de zonas verdes ou do ordenamento racional do seu território. Entretanto, e porque se trata de um problema importante para as populações, torna-se necessário prestar uma atenção crescente aos problemas do meio físico e seu ordenamento. Na verdade, a degradação do ambiente é um problema real, designadamente nas sociedades industriais ou em vias de industrialização, quer devido à intensa exploração dos recursos naturais e a sua transformação, quer devido à grande concentração das populações em áreas limitadas. Ambos os processos, que actuam por vezes simultaneamente nas mesmas áreas, atingem os recursos naturais, quer físicos quer biológicos, provocando efeitos imediatos como a destruição do relevo geográfico, redução e poluição dos recursos aquíferos, a poluição atmosférica, a alteração das condições climatéricas, a destruição dos solos agrícolas, a destruição de espécies animais e vegetais, o aumento de incidência de certas doenças que atacam os animais e as plantas cultivadas e mesmo perturbações no comportamento das pessoas.
No seu conjunto estes efeitos aparecem duma maneira muito nítida ao nível da vida quotidiana, quer nas cidades quer nos campos, traduzindo-se numa série de problemas concretos.
A resolução de parte importante desses problemas depende do poder central e do próprio sistema político, económico e social que vier a ser adoptado pelo nosso país. A política económica, os investimentos industriais e energéticos, a gestão dos recursos hídricos, a política de pescas, o turismo, o ordenamento territorial, a defesa do solo agrícola, etc, deverão ter em conta, como uma das suas componentes essenciais, a necessidade de preservação do meio físico. Em relação aos problemas que dependem do Poder Central, caberá ao Poder Local democrático, a partir do conhecimento profundo da sua área de jurisdição e actuação, reivindicar as melhores soluções. Em relação a outros problemas, que dependem directamente das autarquias, cabe às autarquias democráticas, na sequência do trabalho realizado, dar uma crescente atenção a tais problemas, no sentido de que venham a ser resolvidos. Vejamos então quais os principais problemas que se colocam :
- A maior parte dos 164 municípios do país são atingidos por problemas de água, quer quanto à quantidade disponível, que se vai reduzindo, quer quanto à qualidade, que se vai deteriorando, tornando-se por vezes imprópria para qualquer uso. A quantidade de água reduz-se sobretudo devido à exploração a grandes profundidades pelas indústrias, garimpo de água para fins lucrativos por parte de pessoas e empresas e à destruição das nascentes pelo corte das matas, etc,etc.
Quanto à degradação da qualidade, ela resulta sobretudo do lançamento nos terrenos, nos cursos de água e no mar dos efluentes industriais, dos esgotos urbanos, de excedentes de produtos agro-químicos, do escorrimento das lixeiras urbanas.
Outro problema é o da poluição da atmosfera. Muitas populações que habitam próximo de grandes centros industriais e urbanos são afectadas, às vezes de forma grave, pela poluição atmosférica provocada pelos gases e poeiras das fábricas, pelos gases dos esgotos e lixeiras, pelas concentrações de tráfego de automóveis e pelos ruídos. Refira - se ainda os problemas do solo. Como é sabido e consabido, as sociedades rurais e urbanas são atingidas diferentemente por problemas relacionados com o uso do solo, mas que num caso e outro se tem agravado.
A falta de terrenos para fixar habitação; a falta de terrenos para exercício das funções sociais e de lazer; a erosão, os incêndios e a destruição dos terrenos agrícolas são alguns dos mais graves problemas existentes, os quais contribuem seguramente para acelerar fenómenos de desertificação latentes ou já em curso em algumas regiões do país.
Finalmente, refira-se os problemas de "imagem". São problemas igualmente importantes, ainda que frequentemente marginalizados, que resultam da destruição do quadro em que as pessoas vivem, em especial da destruição dos conjuntos urbanos e monumentos e da destruição das paisagens.
O controlo destes factores, que afectam as condições de vida das populações e contribuem para o agravamento dos problemas económicos em geral, exige uma série de intervenções, das quais destacamos o controlo da localização das indústrias; garantia de tratamento dos efluentes industriais; controlo da ocupação urbana do território; programas de saneamento básico; preservação do património vegetal e controlo das explorações florestais; racionalização dos sistemas agro- pecuários; preservação dos valores culturais e paisagísticos.
Através do controlo destas situações concretas será possível assegurar o mínimo de protecção do ambiente. Assim se define um conjunto de medidas cautelares, sempre mais económicas, a ter em conta na gestão autárquica.
Em muitos casos é necessário ir além das medidas cautelares e programar intervenções tendentes a recuperar situações degradadas. A protecção do ambiente fundamenta-se, no entanto, nos programas preventivos, mais económicos e eficientes. Os programas de recuperação são tecnicamente complexos e muitas vezes economicamente inviáveis.
O conjunto de medidas tendentes a salvaguardar o ambiente integra-se normalmente na planificação de actividades dos órgãos autárquicos. O instrumento mais eficaz dessa planificação será o Plano Director Municipal.
As condições básicas que conduzem à degradação do ambiente resultam em principio de factores colectivos, como a migração para as cidades e as necessidades de desenvolvimento industrial, mas dependem, nos seus aspectos concretos, de pressões exercidas pelas empresas dos sectores industrial, da construção civil, etc.
Muitas vezes o agente de transformação do ambiente identifica-se com uma empresa com apoio do Poder Central ou é o próprio Poder Central através dos seus organismos.
Nestas condições, as autarquias não só têm de dispor de programas bem definidos que lhes permitam um controlo efectivo do meio, como têm de enfrentar poderosos aparelhos de pressão.
Por outro lado, as tarefas que as autarquias possam realizar por si, exigem frequentemente meios financeiros que nem sempre estão ao alcance do orçamento do município. Para a realização dos objectivos correspondentes à preservação e regeneração do ambiente, o Poder Local dispõe dos meios legais, fundamentados na legislação existente, e dos meios financeiros próprios e das empresas instaladas no município. Dispõe também da sua capacidade reivindicativa e do apoio das populações cujos interesses irá defender junto do Poder Central.
Entre os principais meios dependentes da lei geral refira-se a lei da protecção dos solos, as leis de protecção de áreas demarcadas, as leis de protecção de conjuntos ou espécies arbóreas e as leis de controlo do consumo das águas (só para alguns municípios). Por outro lado, os municípios dispõem de poder e autoridade para recusar a instalação, em território sob sua jurisdição, de actividades que possam prejudicar a economia local ou as condições de vida das populações. Em suma, as autarquias têm o direito de administrar partes significativas do seu território. A eficácia da legislação de protecção de solos, da natureza e do ambiente depende frequentemente de uma maior intervenção das autarquias.
Quanto aos meios financeiros, sabe-se que as verbas ao dispor dos municípios, apesar das limitações arbitrárias impostas, têm sido utilizadas nos municípios mais progressivos para melhorar as condições de vida das populações em aspectos relacionados com as infra-estruturas e o equipamento. Para investimentos muito elevados, como por exemplo estações de tratamento de esgotos ou de lixo, é curial estabelecer acordos com municípios vizinhos para reduzir os investimentos e viabilizar as iniciativas.
Em casos excepcionais e bem definidos, as autarquias podem exigir às empresas que pretendam instalar-se no território do município que suportem os encargos das infra-estruturas ou outros melhoramentos relacionados com as condições de instalação, e assegurar a sua realização através de fianças.
A mobilização de todos os meios, de acordo com programas bem definidos e o apoio das populações permanentemente informadas dos objectivos dos órgãos autárquicos, confere-lhes um poder de iniciativa que permitirá, em muitos casos, inverter o processo de degradação do ambiente em curso e iniciar a sua regeneração.
Por outro lado, torna-se mister e evidente que o reforço dos meios financeiros das autarquias e das suas competências legais será, em geral, uma importante medida de defesa do ambiente.
Resumindo e concluindo, as autarquias democráticas darão uma crescente atenção aos problemas do ambiente, quer aproveitando integralmente os meios existentes, quer reivindicando mais meios e competências, quer reivindicando à cabeça das lutas das populações, que o Poder Central assuma as suas específicas responsabilidades na defesa de um meio físico saudável e equilibrado.